PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO

PROCESSO nº 0000725-40.2019.5.12.0009 (ROT)

RECORRENTE: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS

RECORRIDO: ROSANE SOARES PAIVA

RELATOR: JOSE ERNESTO MANZI

EMENTA

REDUÇÃO DE JORNADA. MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. ASSISTÊNCIA A MENOR. CASO DE NECESSIDADE. Nos termos do art. 1º, III, da Constituição da República, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil. O art. 227, da Carta Maior destaca ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. No mesmo sentido é o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma que, em se tratando de criança, é dever de toda sociedade contribuir e promover a sua integração à vida comunitária. Demonstrada ser questão de saúde e até de sobrevida a necessidade da presença da progenitora junto ao menor, torna-se obrigação do Estado fornecer condições para que se supra tal demanda. A legalidade deixa de ser princípio quando exclui ou reduz a humanidade.

 

RELATÓRIO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO, provenientes da 1ª Vara do Trabalho de Chapecó, SC, sendo recorrente EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS e recorrida ROSANE SOARES PAIVA.

Insatisfeita com a decisão de primeiro grau que deferiu à autora a redução da jornada laboral sem prejuízo da remuneração integral, a empresa apresenta recurso.

A recorrente sustenta que a autora é empregada celetista não sendo possível conferir-lhe direitos inerentes aos servidores públicos, não havendo fundamento legal que ampare a condenação.

A recorrida apresentou contrarrazões pugnando pela manutenção da sentença e, consequentemente, pelo não provimento do recurso.

Superados os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do recurso e das contrarrazões.

P R E L I M I N A R M E N T E

1. Competência Exclusiva do TST

A recorrente sustenta que as normas coletivas que lhe alcançam foram editadas através de Auto Composição realizada diretamente entra as partes interessadas e mediadas pelo C. TST.

Portanto, seria inquestionável a competência do C. TST para se pronunciar sobre interpretação de Cláusula contida em instrumento coletivo que atinge à recorrente.

Não assiste razão à suscitante.

Restou expresso em primeiro grau que a referida preliminar é descabida e descontextualizada, posto que nos presentes autos não se questiona a interpretação de qualquer norma coletiva.

A simples leitura da peça de ingresso e da decisão recorrida é suficiente para rechaçar a preliminar em tela.

Rejeito a preliminar.

2. Inépcia da Inicial

A recorrente suscita em sede preliminar a inépcia da peça de ingresso, ao fundamento de que a pretensão lançada pela obreira está pautada em dispositivo de lei endereçado unicamente aos servidores públicos federais, não sendo o caso da recorrida.

Portanto, restaria inepto o pedido.

Não assiste razão à suscitante.

A sustentação trazida pela recorrente é matéria de mérito, posto que a análise quanto ao alcance deste ou daquele dispositivo, se o pedido encontra respaldo legal ou não, se a interpretação pretendida pela autora para os princípios do direito, encontram sintonia com os elementos trazidos aos autos ou não, é exatamente a análise que se pretende, ou seja, o mérito propriamente dito.

Portanto, não será através de análise preliminar que o julgamento será proferido.

No mais, a recorrente não demonstrou qualquer dificuldade em apresentar contestação a cada tese e pretensão constante da peça inaugural.

Rejeito a preliminar.

M É R I T O

Redução da Jornada. Horário Especial

A ré insurge-se contra a decisão que deferiu à autora a redução da jornada de trabalho, sem a compensação de horário e sem a redução dos ganhos, em razão das necessidades emergenciais relativas aos tratamentos de saúde de sua filha.

Insiste na tese de que a jornada laboral, a ser cumprida pela autora, é aquela determinada por lei e negociação coletiva, 44 horas semanais, e que não há amparo legal para que lhe seja estendido o benefício previsto no art. 98 da Lei 8.112/90, posto que não se trata de servidora pública, a quem é endereçada a lei supra destacada.

Sustenta que o pleito autoral carece de necessária autorização normativa e que, na condição de ente integrante da Administração Pública, está adstrita, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, isonomia. Nesse passo, defende a impossibilidade de manutenção da sentença, já que padronizada para todos os empregados que ocupam o mesmo cargo no território nacional.

Por fim, assevera ser incabível o pedido de tutela de urgência, por ausentes os elementos necessários à sua concessão. Ante o exposto, pede a reforma do julgado para afastar a determinação de redução da jornada.

Não assiste razão à recorrente.

Da reunião dos elementos trazidos aos autos restou incontroverso que, tanto a autora (agente dos Correios desde 2002), quanto seu cônjuge (carteiro), laboram para a recorrida; que tiveram um filho nascido em setembro de 2018; que logo após o nascimento, a criança apresentou quadro de "Galactosemia Clássica".

A doença que atinge a criança é de origem genética (hereditária), interfere e torna deficiente o metabolismo, nestes caso o organismo da criança é incapaz de metabolizar a galactose em glicose, tal deficiência provoca deterioração neurológica progressiva, cataratas e alterações nos aparelhos digestivo e renal.

Assim, os elementos dos autos, mormente, os inúmeros exames e laudos médicos trazidos pela autora demonstram que são necessários minuciosos e rígidos cuidados para com a alimentação do paciente, bem como, com tratamentos, medicações, consultas, terapias e fisioterapias. Neste contexto, a decisão deferiu à autora-mãe a redução da jornada, sem prejuízo da remuneração, a fim de que possa acompanhar tratamento médico e terapêutico de seu filho.

Neste ponto, não se discute quanto à contratação da autora, com jornada de trabalho de 8 horas diárias, 44 horas semanais e 220 horas mensais, nos termos dos diplomas normativos que regem sua relação de emprego (edital de concurso, planos de cargos e salários e acordos coletivos de trabalho). Destaque-se, que os empregados dos setores administrativos e de parte dos setores operacionais da empresa não laboram aos sábados, mas apenas 8 horas diárias de segunda a sexta-feira.

A matéria merece maiores considerações e, neste sentido, diante dos consistentes fundamentos expostos pelo Magistrado a quo, com perfeita subsunção da controvérsia aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, às normas constitucionais e infraconstitucionais que regem as relações estabelecidas entre ente da administração pública indireta e seus empregados, e, ainda, amparados em normas de direito internacional, entendo que deva ser mantida íntegra a sentença, razão pela qual a adoto como razões de decidir, cuja transcrição segue:

DA REDUÇÃO DA JORNADA

A autora relata exercer a função de Agente de Correios desde o ano de 2002, aprovada em concurso público, bem como que seu companheiro, Celso Ricardo Hahn, também é funcionário dos Correios, na função de Carteiro. Registra que o filho do casal, Murilo José Hahn, nascido em 12/09/2018 apresenta grave problema de saúde, sendo diagnosticado com enfermidade denominada "Galactosemia Clássica", exigindo severos e minuciosos cuidados, além de consultas semanais com fisioterapeutas e fonoaudiólogas, além de consultas mensais com pediatra, gastropediatra, neuropediatra, oftalmologista e nutricionista. Diz que a alimentação do menor é feita com leite especialmente formulado para seu problema, tendo custo elevado. Refere que não sabe ainda as sequelas permanentes que a criança apresentará, mas já é possível apurar que ele demonstra dificuldade motora, dificuldade na fala, déficits neurológicos e retardo no crescimento. Afirma que a fragilidade da saúde da criança impede que seja levada em escolas infantis ou mesmo seja contratada cuidadora, uma vez que não pode ter contato com pessoas externas devido a problemas em seu sistema imunológico. Informa que solicitou administrativamente à sua empregadora a redução da jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração, pelo período em que perdurar o quadro clínico gravoso do filho, o que foi indeferido. Evoca a aplicação, por analogia, da Lei nº 8.112/99 (Lei dos Servidores Públicos), que possibilita a concessão de horário especial ao servidor portador de deficiência, independentemente de compensação de horário, disposição extensiva ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. Postula a redução da sua jornada de trabalho, passando a ser de 4 horas diárias e 20 horas semanais, sem prejuízo da remuneração, a fim de que possa cuidar do filho doente.

A reclamada, em defesa, afirma que, conforme Planos da Cargos e Salários do Correio, PCCS 1995, e de 2008 (atual) os empregados da ré possuem jornadas de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais e que a licença maternidade é de 6 meses, conforme norma coletiva, bem como que há um auxilio especial para dependente com deficiência, previsto em acordo coletivo, além de direito à ausência remunerada de até 6 (seis) dias, o que equivale a 12 (doze) turnos de trabalho, durante a vigência deste Acordo Coletivo de Trabalho, para levar dependente menor ao médico. Diz que a Lei 8.112/90 não se aplica à reclamada, além de que "nela está expressamente consignado que o horário especial somente poderá ser concedido "quando comprovada a necessidade por junta médica oficial" (Lei 8.112/90 - art. 98, § 2º)". Ressalta que a Lei nº 8.112/90 dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, não sendo esse o caso dos Correios, que é uma empresa pública, sendo seus empregados submetidos ao regime estatutário. Registra que, além da Consolidação das Leis do Trabalho, a relação de emprego no âmbito da ECT é disciplinada pelas regras constantes do Manual de Pessoal - MANPES e do Acordo Coletivo de Trabalho, os quais não estabelecem norma semelhante à prevista na Lei nº 8.112/90, pelo que inexiste norma legal a amparar a pretensão da autora. Evoca a aplicação do princípio da legalidade, pelo qual não poderia ser deferido pedido não amparado em previsão legal. Salienta que qualquer vantagem deferida a empregados depende de demonstração de prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, conforme artigo 169, § 1º, inciso I, da CF. Ressalta que não poderia ser deferida a redução de jornada sem redução proporcional de remuneração, já que deve ser respeitada a regra da contraprestação pecuniária proporcional à quantidade de labor prestado, além da isonomia com os demais empregados e, ainda, indisponibilidade das verbas públicas.

No caso, deve ser ratificada a tutela de urgência deferida, para garantir à reclamante a redução da jornada de trabalho para 4 horas diárias e 20 horas semanais, sem prejuízo da remuneração integral.

Ainda que não exista previsão expressa nos normativos aplicáveis aos empregados da ré, o Ordenamento Jurídico, analisado no seu conjunto, considerando os princípios constitucionais e a valorização da pessoa, enseja base legal para o entendimento ora esposado.

Os documentos juntados com a inicial demonstram a gravidade da condição de saúde da criança, filho da reclamante, apontando, sem sombra de dúvidas, a necessidade dos cuidados maternos, a fim de garantir a própria sobrevivência da criança.

Os diversos laudos assinados por profissionais da saúde, juntados pela autora, registram a necessidade de acompanhamento multiprofissional da criança, bem como demonstram os comprometimentos decorrentes da patologia por ela apresentada.

Portanto, a necessidade do acompanhamento materno da criança é fato inconteste.

O direito à vida e à saúde são princípios constitucionais inalienáveis, assim como a proteção à criança, que é obrigação do Estado e da sociedade.

Estabelece o art. 227 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

A Lei nº 8.069/90 (ECA), dispõe no seu art. 4º que "é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária".

Também o art. 7º do ECA estabelece que "A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência"

A Lei nº 8.112/1990, estabelece o que segue:

Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

§ 1 Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação o de horário no órgão ou entidade que tiver exercício, respeitada a duração semanal do trabalho. (Parágrafo renumerado e alterado pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário.(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. (Redação dada pela Lei nº 13.370, de 2016)

Assim, a norma acima citada possibilita a concessão de horário especial, independentemente de compensação, sendo viável a sua aplicação analógica à hipótese em análise.

No caso, entendo que é dispensável a constatação da necessidade "por junta médica oficial", uma vez que a condição de saúde da criança está suficientemente demonstrada pelos documentos acostados aos autos, os quais não foram impugnados quanto ao seu conteúdo, restando incontroversa a doença e suas consequências para a criança.

A lei não quantifica a redução de horário possível. Porém, o pleito da autora é razoável, devendo ser considerado que a defesa informa que ela labora 8 horas diárias e 40 horas semanais.

Não há qualquer afronta ao princípio da legalidade na concessão da pretensão da autora, como bem fundamentado pelo digno representante do Ministério Público do Trabalho em seu parecer, o qual se adota, conforme se transcreve:

"No caso, o réu detém o monopólio do serviço postal no Brasil e possui em seu quadro milhares de empregados, com agências espalhadas por todo o território nacional. A concessão de horário reduzido à autora, por interpretação analógica autorizada pela CLT (art. 8º), não viola o princípio da legalidade, tampouco gera um ônus desproporcional, dado o porte econômico e estrutural do réu.

Ademais, cumpre registrar a natureza diferenciada do réu com relação às demais empresas públicas, cuja condição é reconhecida pela jurisprudência, que já decidiu pela necessidade de motivação de ato de dispensa de seus empregados, por dispor do mesmo tratamento garantido à Fazenda Pública com relação à imunidade tributária, execução por precatório, prazos e custas processuais (OJ 247 da SDI1 do TST). Esse fator, agregado à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, torna aplicável analogicamente o artigo 98 da Lei 8.112/90 ao caso em exame".

Tampouco há afronta à isonomia com os demais empregados, uma vez que a isonomia pressupõe condição de igualdade, sendo peculiar a necessidade da autora de obter a proteção jurídica, diante da situação por ele vivenciada e da condição específica de seu filho.

A respeito da questão em análise, o seguinte aresto da Jurisprudência do TRT/SC, em outra ação movida em face da ora reclamada, com pedido semelhante:

REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO E TERAPÊUTICO DE FILHA. Os arts. 1º, III e IV, 3º, IV, da Constituição Federal estabelecem como fundamentos do Estado Brasileiro a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a promoção do bem-estar social, sem quaisquer restrições, devendo prevalecer sobre o princípio da legalidade, cuja invocada contrariedade não se sustenta, já que, sendo a autora empregada pública concursada, tal como os servidores regidos pela Lei nº 8.112/90, e integrando a ré a Administração Pública indireta, sujeita-se esta, por analogia, à disposição contida no art. 39, §§2º e 3º de referido Estatuto.

(TRT12 - ROT - 0002484-98.2017.5.12.0012. GRACIO RICARDO BARBOZA PETRONE, 4ª Câmara, Data de Assinatura: 12/11/2018).

Ante o exposto, acolho o pedido da autora, confirmando a decisão proferida em tutela de urgência, para determinar que a ré proceda a redução da jornada de trabalho da reclamante para 4 horas diárias e 20 horas semanais, sem prejuízo da remuneração integral, enquanto perdurar a necessidade do acompanhamento e cuidados especiais ao seu filho Murilo José Hahn.

Desta forma, considerando as provas documental e pericial carreadas, tenho por incontroversa a patologia que acomete o filho da autora, bem como os tratamentos terapêuticos necessários para lhe assegurar alguma oportunidade de melhor desenvolvimento, para o que correta a decisão que aplicou, por analogia, o disposto no art. 98 da lei 8112/90.

Com a devida vênia destaco parte do julgado regional citado pelo Julgado de origem, da lavra do Exmo. Des. Gracio Ricardo Barboza Petrone, envolvendo a recorrente:

"O art. 98 da Lei n. 8.112/90 - a qual regula o Regime Jurídico Único dos Servidores Civis da União - prevê as hipóteses de redução da jornada de trabalho e, até dezembro de 2016, assim dispunha em relação aos servidores com filhos ou dependentes portadores de deficiência:

"Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

[...]

§ 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o As disposições do parágrafo anterior são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, exigindo-se, porém, neste caso, compensação de horário na forma do inciso II do art. 44. (Incluído pela Lei nº 9.527, de10.12.97)" (grifei)

Recentemente, porém, a Lei n. 13.370, de 12/12/2016 deu nova redação ao §3º do art. 98 da Lei 8.112/90, nos seguintes termos: "Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

[...]

§ 2o Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 3o As disposições constantes do § 2o são extensivas ao servidor que tenha (...) cônjuge, filho ou dependente com deficiência. (Redação dada pela Lei nº 13.370, de 2016)" (grifei)

Conforme se constata, até dezembro de 2016, embora o servidor com filho ou dependente com deficiência física fizesse jus à redução da jornada, era necessário que houvesse a compensação de horários, sob pena de desconto na sua remuneração. Com a alteração legislativa restou suprimida a exigência de compensação de horário, passando a ser permitida a concessão de horário especial ao servidor com filho ou dependente com deficiência, mediante efetiva comprovação da necessidade por junta médica oficial e independentemente de compensação de horários.

Há, portanto, previsão legal para o pleito da autora. Quanto à deficiência que acomete a filha da autora, tenho a questão como incontroversa, pois além de a ré não ter se insurgido quanto ao ponto na contestação, a documentação anexada à inicial indica que a filha da autora possui Síndrome de Down e deficiência mental moderada.

No que pertine à demonstração de necessidade de cumprimento de horário especial, considero suficiente neste momento, para concessão da medida em caráter provisório, a documentação médica anexada à inicial, atestando as patologias da menor, assim como a necessidade de "- manter atendimento terapêuticos; fonoaudiológico; terapia ocupacional com ênfase em integração sensorial; equoterapia e fisioterapia; - Sugestão de estímulo fonoaudiológico pelo método PECS; - Manter frequência escolar, preferencialmente em escolas de pequeno e médio porte; Visando a integração social, organização de rotinas com estímulos visuais; trocas lúdicas, observações e estímulos à linguagem; - Apoio de Segundo Professor em sala de aula; - Atendimento Psicológico com Orientação aos Pais quanto à: organização familiar, rotina no ambiente, estímulos lúdicos dos pais e imposição de limites comportamentais;" (evento 1/OUT13), além de revisão anual com "oftalmologista, endocrinologista, cardiologista, fisioterapia, terapia familiar (pais) e acompanhamento psicológico a educanda se necessário" (evento 1/OUT11/p.2).

Pontuo, ainda, que os interesses fundamentais da criança envolvida devem se sobrepor neste momento, devendo ser-lhe assegurados com absoluta prioridade os direitos a que faz jus, dentre os quais se destaca o direito à saúde e ao desenvolvimento sadio e completo, na medida de suas necessidades, que envolvem a participação de sua genitora para viabilizar o adequado tratamento multidisciplinar recomendado.

A proteção pleiteada está em consonância com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15), que tem por base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 09/07/2008, em conformidade com o procedimento previsto no §3º do art. 5º da Constituição Federal, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto n. 6.949, de 25/08/2009, data de início de sua vigência no plano interno (art. 1º, parágrafo único, Lei 13.146/15). Ou seja, a Convenção Internacional dos Direitos de Pessoas com Deficiência foi recebida pela legislação nacional com status de emenda constitucional.

Referido Decreto n. 6.949, de 25/08/2009 prevê no artigo 1º que "o propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas".

Assim como a Constituição Federal instituiu a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil no art. 1º, III, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência também traz o respeito à dignidade como um dos seus princípios (art. 3º), onde também inclui "o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade".

Convém gizar, ainda, o disposto no artigo 7º da Convenção, que estabelece que:

"Os Estados partes deverão tomar todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno desfrute de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, e igualdade de oportunidades com as demais crianças. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial".

De tal maneira, considerando a alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.370/16; considerando a existência de precedentes jurisprudenciais que já aceitavam a redução da carga horária sem compensação e tendo em vista os princípios estabelecidos na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a jornada de trabalho reduzida não deve implicar redução dos vencimentos da autora, o que é bastante razoável, sobretudo em razão da consideração primordial que deve ser dada à criança com deficiência. Logo, tenho por demonstrado neste momento a probabilidade do direito da autora.

Quanto ao perigo de dano, entendo evidenciado por tratar-se de medida necessária para garantir adequadas condições de tratamento indispensável à criança e que, com certeza, quanto mais postergadas, menor efeito terão em seu desenvolvimento.

Com relação ao quantum de redução que a jornada de trabalho pode sofrer, uma vez que não há lei específica regulando a questão, entendo por utilizar a regra do art. 19 da Lei 8.112/90 referente aos limites mínimos e máximos a serem observados, in verbis:

"Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91) § 1o O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97) § 2o O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)"

Dessa forma, ressoa viável a concessão de horário reduzido, independentemente de compensação, à autora, em virtude da deficiência que acomete sua filha, devendo ser respeitado o limite mínimo de 30 horas, situação que poderá ser revista futuramente, tanto em razão de perícia judicial a ser realizada, quanto em conformidade com a evolução do tratamento da criança.

Por oportuno, as disposições contidas no art. 39, §§2º e 3º da lei 8112/90 na redação conferida pela lei 13.370, de 12/12/2016, devem ser aplicadas ao caso concreto em exame, por analogia.

Não é demais lembrar que a analogia é regra de integração do Direito, consistindo em aplicação a uma hipótese não prevista em Lei a disposição relativa a um caso semelhante.

A fundamento da aplicação da analogia é o princípio da igualdade, segundo o qual, mutatis mutantis, a lei deve tratar igualmente os iguais, na exata medida de sua desigualdade. O mencionado princípio, exige que os casos semelhantes devam ser regulados por normas semelhantes.

A autora é empregada pública concursada de Empresa Pública Federal, do que decorre a semelhança a autorizar a aplicação analógica da disposição contida no art. 39, §§2º e 3º da lei 8112/90 até que seja regulamentada a questão especificamente em relação aos empregados públicos da ré, valendo lembrar que tal regulamentação decorre Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15), que tem por base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n. 186, de 09/07/2008, em conformidade com o procedimento previsto no §3º do art. 5º da Constituição Federal, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto n. 6.949, de 25/08/2009, data de início de sua vigência no plano interno (art. 1º, parágrafo único, Lei 13.146/15). Enfim, a Convenção Internacional dos Direitos de Pessoas com Deficiência tem status de emenda constitucional.

Por fim, afrontaria o disposto nos artigos 1º, 3º e 7º da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência conferir à filha da autora, empregada concursada de empresa pública federal, tratamento discriminatório em relação àquele conferido aos filhos com necessidades especiais de servidores públicos federais, sendo certo que o interesse da criança, nesse momento, deve se sobrepor a qualquer outro."

(...)

Assinalo, ademais, que os arts. 1º, III e IV, 3º, IV, da Constituição Federal estabelecem como fundamentos do Estado Brasileiro a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a promoção do bem-estar social, sem quaisquer restrições, devendo, por isso, prevalecer sobre o princípio da legalidade, cuja alegada contrariedade, aliás, não se sustenta, já que, sendo a autora empregada pública concursada, tal como os servidores regidos pela Lei nº 8.112/90, e integrando a ré a Administração Pública indireta, sujeita-se esta, por analogia, à disposição contida no art. 39, §§2º e 3º de referido Estatuto.

Isto porque é inconcebível impor à empregada redução de seus rendimentos, considerando que tal fato poderia até mesmo inviabilizar ou prejudicar o tratamento de saúde adequado.

Irretocável a decisão de origem, não há falar em reforma, inclusive quanto à concessão da tutela de urgência.

Pelo que, nego provimento ao recurso.

ACORDAM os membros da 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por unanimidade, CONHECER DO RECURSO. Por igual votação, rejeitar as preliminares suscitadas pela recorrente. No mérito, por maioria, vencido o Desembargador Nivaldo Stankiewicz, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. Manter o valor da condenação e das custas. Intimem-se.                   

Participaram do julgamento realizado na sessão do dia 09 de setembro de 2020, sob a Presidência do Desembargador do Trabalho José Ernesto Manzi, os Desembargadores do Trabalho Quézia de Araújo Duarte Nieves Gonzalez e Nivaldo Stankiewicz. Presente a Procuradora Regional do Trabalho Silvia Maria Zimmermann.

JOSE ERNESTO MANZI

Desembargador do Trabalho-Relator

 

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