PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS 

Justiça de Primeira Instância 

Comarca de BELO HORIZONTE / 21ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte


PROCESSO Nº: 5180264-56.2016.8.13.0024 SO F *

CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral]

AUTOR: RAPHAELA LINS DOS SANTOS

RÉU: FELIPE ESTEVAO ROCHA - ME




SENTENÇA



Vistos etc…

 

RAPHAELA LINS DOS SANTOS, qualificada nos autos, propôs a presente ação de indenização por danos morais e materiais, em face de FELIPE ESTEVAO ROCHA ME., narrando, sucintamente, que firmou Contrato de Parceria Empresarial com o requerido em 18/08/2015, no intuito de obter a concessão de direito de comercialização dos produtos licenciados e a utilização da marca “Mundo das Coxinhas”. Aduziu que em julho de 2015, foram apresentadas para a autora as condições da parceria, optando pela franquia preposto, com investimento de R$7.000,00, e em troca, receberia 20% de toda venda bruta diária a título de remuneração. Esclareceu que ficaria sob responsabilidade do réu a entrega da loja em pleno funcionamento, no prazo de noventa dias a partir da assinatura do contrato definitivo. Entretanto, informou que aquele não cumpriu qualquer de suas obrigações, sendo surpreendida com proposta de modificação do contrato, passando para a modalidade “contrato de franquia”, pela qual assumiria a obrigação de pagar um novo valor de R$39.000,00, sendo prontamente recusado. Afirmou que após inúmeras tentativas de comunicação, o réu se comprometeu em restituir os valores pagos em um prazo de 75 dias, o que não ocorreu. Expôs suas razões de direito, pelo que requereu, dentre outros pedidos, a procedência da ação com efetivo cancelamento do contrato firmado e determinação para pagamento das indenizações decorrentes. Juntou documentos.

 

A gratuidade da justiça foi deferida por ora, conforme decisão de ID 34037568.

 

A parte ré (pessoa jurídica) foi devidamente citada, conforme se verifica em ID 253456814.

 

A parte autora requereu o julgamento do processo, com aplicação da revelia à parte ré.

 

A revelia foi decreta, conforme ID 939579819.

 

Autos conclusos para sentença.

 

Decido

 

O julgamento antecipado da lide se impõe, nos precisos termos do art. 355, II, do Código de Processo Civil, ante a ausência de contestação.

 

Contudo, a presunção de veracidade dos fatos não implica na procedência total do pedido, sobretudo, porque os efeitos recaem sobre os fatos e não sobre o direito.

 

Encampando tal entendimento:

 

O efeito da revelia não induz procedência do pedido e nem afasta o exame de circunstâncias capazes de qualificar os fatos fictamente comprovados” (RSTJ 53/335).

 

A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz” (STJ 4ª Turma, REsp 47.107-MT, rel. Ministro CESAR ROCHA, j.19.6.97, deram provimento parcial, v.u., DJU 8.9.97,p.42.504)”

 

Pois bem, conforme relata a inicial, a parte requerida teria descumprido o contrato firmado entre as partes, pois, ao contrário do prometido, não forneceu qualquer auxílio a autora para o gerenciamento do negócio, o que culminou com o seu fracasso, o que implicaria na rescisão do contrato e a devolução das taxas pagas à requerida. Nesse ponto, razão assiste à parte autora.

 

Em caso assemelhado, o TJ-DF fixou:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE FRANQUIA. OBRIGAÇÕES DA FRANQUEADORA. TREINAMENTOS PERIÓDICOS E ASSISTÊNCIA TÉCNICA. DESCUMPRIMENTO. RESCISÃO DO CONTRATO. Consoante Contrato de Franquia celebrado pelas partes, são obrigações da Franqueadora, dentre outras: "realizar consultorias periódicas nas unidades Franqueadas e promover ou indicar treinamentos periódicos de reciclagem técnica e administrativa, dirigidos aos sócios e empregados da Franqueada". Se uma das partes não cumprir a sua obrigação contratual, nem observar os princípios da probidade e da boa-fé objetiva, não poderá exigir da outra parte o adimplemento da avença, o que ensejará a rescisão do contrato, mormente quando verificado que a Franqueadora não fornece o treinamento adequado (“know how") e assistência técnica contínua, nos moldes contratados. Rescindido o contrato por culpa da Franqueadora, não há que se falar em pagamento de multa, royalties e taxa de marketing por conta da Franqueada. (Acórdão 1084388, 20160110398237 APC, Relator: CARMELITA BRASIL, 2ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 21/3/2018, publicado no DJE: 23/3/2018. Pág.: 265/267).

 

Tem-se, assim, que a parte ré não cumpriu com as obrigações assumidas por ocasião do contrato, uma vez que deveria prestar todas as informações, orientações e instrumentos a respeito dos produtos e funcionamento do estabelecimento. Mais que isso, deveria ainda treinar os funcionários da parte autora.

 

Por certo, portanto, que o contrato entre as partes deve ser rescindido por culpa da parte requerida que não cumpriu com a obrigação que assumiu e que se comprometeu, seja no início da execução do contrato, seja no seu decorrer, nada obstante tenha cobrado e recebido os respectivos royalties.

 

Portanto, de rigor a condenação da requerida a restituir todos os valores pagos pelos autores a título de royalties, totalizando R$7.000,00 (sete mil reais), corrigidos monetariamente desde o desembolso de cada parcela e acrescido de juros de mora desde a citação.

 

Outrossim, em relação ao pedido de indenização por danos materiais na modalidade lucros cessantes, este não merece acolhida.

 

Sobre o assunto, cumpre destacar que os lucros cessantes devem fundar-se em provas coerentes e robustas e, evidentemente, não de forma unilateral e fincada na possibilidade ou na previsão de que se teria alcançado este ou aquele valor.

 

Ainda, conforme os ensinamentos de Plácido e Silva:

 

É a expressão usada para distinguir os lucros, de que fomos privados, e que deveriam vir ao nosso patrimônio, em virtude de impedimento decorrente de fato ou ato, não acontecido ou praticado por nossa vontade. São, assim, os ganhos que eram certos ou próprios ao nosso direito, que foram frustrados por ato alheio ou fato de outrem” (Plácido e Silva. Vocabulário jurídico, volume III, J-P, pág. 968).

 

Sendo assim, diante da ausência de prova concreta do lucro que a parte ré tenha se comprometido a parte autora a desenvolver, inviável o acolhimento da referida pretensão.

 

Além do mais, o fato da parte ré não ter adimplido com sua obrigação não enseja sua responsabilização civil automática com base na teoria da perda de uma chance, fazendo-se necessária a ponderação acerca da probabilidade real e concreta de que a parte teria de ter com a abertura do referido comércio, o que não ocorreu no caso em exame.

 

Quanto aos danos morais, face a peculiaridade do caso, vislumbro sua ocorrência. É certo que houve ato ilícito praticado pela ré, notadamente a boa-fé e o dever de informação. Entendidos, portanto, os danos morais como “a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desiquilíbrio em seu bem estar” (Sérgio Cavalieri Filho. Programa de Responsabilidade Civil. Malheiros, 9ª ed., p. 78), tenho que a omissão da requerida no presente caso, ultrapassou o mero descumprimento contratual.

 

Dessa forma, é fato notório o abalo psicológico que sofreu a requerente ante o descumprimento da obrigação da requerida, situação que afeta o equilíbrio psicológico do indivíduo e caracteriza o dever de indenizar, pois ultrapassado o mero dissabor no trato das relações sociais, importando em desrespeito ao princípio da dignidade humana e, como tal, atingindo os direitos à personalidade do qual integra este.

 

Na fixação do quantum devido, há que se ponderar que a compensação por danos morais deve buscar refletir com fidelidade o transtorno psíquico causado pelo ilícito, devendo o operador do direito cuidar para não exceder os limites do sofrimento experimentado. Assim, o quantum indenizatório deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, com manifestos abusos e exageros, devendo o arbitramento operar com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.

 

Nesse sentido:

 

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO - CONTRATO DE FRANQUIA EMPRESARIAL – INADIMPLEMENTO CONTRATUAL DA FRANQUEADORA - COMPROVAÇÃO - RESCISÃO DO CONTRATO POR CULPA DA FRANQUEADORA - DANOS MATERIAIS - IMPOSSIBILIDADE - DANOS MORAIS - CONFIGURAÇÃO – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO - MAJORAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. Restando comprovado nos autos o inadimplemento contratual da franqueadora, que deixou de entregar os produtos solicitados pelos franqueados, de rigor a rescisão do contrato celebrado por culpa da mesma franqueadora, com o pagamento da multa estipulada no referido contrato. Considerando que os valores cobrados a título de danos materiais não têm relação com o descumprimento do contrato pela franqueadora em não proceder à entrega dos seus produtos, não se há de falar em sua condenação a esse título. Os sentimentos de transtorno e constrangimento do franqueado que, em razão da não disponibilização dos produtos solicitados, fica impossibilitado de desenvolver de forma efetiva, o seu comércio, não podem ser considerados como mero dissabor, ensejando dano moral passível de reparação. Consoante preconizado no art. 85, § 2º, do Novo Código de Processo Civil, os honorários advocatícios devem ser fixados entre o mínimo de dez por cento e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos os critérios estabelecidos nos incisos I, II, III e IV do mesmo dispositivo legal. (TJMG - Apelação Cível 1.0024.13.403058-4/001, Relator(a): Des.(a) José de Carvalho Barbosa , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/07/2019, publicação da súmula em 26/07/2019)

 

Sendo assim, atenta ao que acima foi exposto, entendo que a indenização no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) é perfeitamente adequado ao caso.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pleito autoral para: a) declarar rescindido o contrato objeto dos autos; b) condenar a parte requerida a restituir a totalidade de R$7.000,00 (sete mil reais) referentes à taxa da unidade de franquia, dos valores dos royalties corrigidos monetariamente desde o desembolso de cada parcela, acrescido de juros de 1% ao mês desde a citação; c) condenar a ré ao pagamento de indenização pelos danos morais experimentados pela parte autora, no valor de R$7.000,00 (sete mil reais). O referido valor deverá ser atualizado conforme o índice da tabela prática do TJMG desde a fixação, bem como deverá ser acrescido de juros de 1% ao mês desde a citação.

 

Considerando a sucumbência recíproca, cada parte deverá arcar com 50% (cinquenta por cento) das custas e despesas processuais. Condeno a ré, todavia, ao pagamento dos honorários de sucumbência devidos ao patrono da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.

 

Todavia, suspendo a exigibilidade da sucumbência em relação a parte autora, invocando o artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil, por lhe conceder os benefícios Justiça gratuita.

 

Havendo requerimento de cumprimento de sentença, alterar a classe processual e remeter os autos à CENTRASE.

 

Publique-se, registre-se e intime-se.

 

BELO HORIZONTE, 28 de outubro de 2020.

 

IGOR QUEIROZ

Juiz de Direito

 

Assinado eletronicamente por: IGOR QUEIROZ
28/10/2020 19:15:09
https://pje.tjmg.jus.br:443/pje/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento: 1139574822
20102819150849500001137422191
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