Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

7JECIVBSB
7º Juizado Especial Cível de Brasília

Número do processo: 0720488-17.2020.8.07.0016
Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)
AUTOR: MAURO HENRIQUE MACEDO PESSOA, JAQUELINE LUCIANA DO CARMO ROCHA, FILIPE LAVINAS PESSOA
RÉU: TRANSPORTES AEREOS PORTUGUESES
                                                                                                   

 

S E N T E N Ç A

 

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e danos morais. A parte autora relata ter adquirido passagens aéreas junto à requerida, utilizando milhas e dinheiro, com ida no dia 22/02/2020 e volta no dia 21/03/2020. Alegam que, tendo em vista a pandemia do coronavírus e o agravamento da situação em todo o mundo, em 16/03/2020, resolveram antecipar suas passagens de volta a Brasília, mas que os canais de atendimento ao cliente estavam indisponíveis e, por isso, adquiriram novas passagens prevista para o dia 18/03/2020. Afirmam que novo voo adquirido foi remarcado para o dia 22/03, tendo sido solicitado o cancelamento das passagens e feita a emissão de voucher pela cia aérea, o que não atende às necessidades dos autores. Sustentam que o voo do dia 22/03 foi cancelado, não conseguindo os autores contato com a central de atendimento ao cliente ou tendo a ré prestado qualquer assistência a eles. Em razão disso, tiveram que alugar um imóvel por aplicativo e adquirir novas passagens pelo site da empresa ré para o Rio de Janeiro, onde precisaram pernoitar em um hotel, além de adquirir outras passagens de lá para Brasília.  Requerem o reembolso dos valores pagos pelas novas passagens e pelas hospedagens, bem como indenização por danos morais.

Em contestação, a ré alega que suspendeu as operações para o Brasil e que não haveria como os autores realizarem viagem diante de uma pandemia. Sustenta que as reservas feitas pelos autores estavam sujeitas ao pagamento de multa pelo cancelamento. Aduz que o voo adquirido no dia 16/03 foi cancelado e os autores já foram devidamente reembolsados em voucher. Requer a aplicação da Lei 14.034/2020.

É o relato do necessário.

DECIDO.

Promovo o julgamento antecipado da lide na forma do artigo 355, inciso I, do NCPC, eis que, embora a matéria de mérito envolva questões de direito e de fato, não há necessidade de produção de outras provas, além das que já constam nos autos.

A legislação consumerista é aplicável aos contratos de transporte, porquanto os passageiros inserem-se no conceito de consumidores, enquanto destinatários finais, e, a parte ré, por sua vez, enquadra-se como fornecedora, na medida em que oferece o serviço (artigos 2º e 3º, do CDC), devendo, assim, a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor. 

Ainda, ao caso concreto deve ser aplicada a Lei nº 14.034, de 05 de agosto de 2020, a qual dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira em razão da pandemia da Covid-19. Com efeito, o art. 3º da referida Lei estabelece como deve ocorrer a restituição ao consumidor do valor pago pela passagem em razão de cancelamento, desistência ou alteração de voo decorrente da pandemia causada pelo novo coronavírus (COVID-19). In verbis:

Art. 3º  O reembolso do valor da passagem aérea devido ao consumidor por cancelamento de voo no período compreendido entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 será realizado pelo transportador no prazo de 12 (doze) meses, contado da data do voo cancelado, observadas a atualização monetária calculada com base no INPC e, quando cabível, a prestação de assistência material, nos termos da regulamentação vigente.

§ 1º  Em substituição ao reembolso na forma prevista no caput deste artigo, poderá ser concedida ao consumidor a opção de receber crédito de valor maior ou igual ao da passagem aérea, a ser utilizado, em nome próprio ou de terceiro, para a aquisição de produtos ou serviços oferecidos pelo transportador, em até 18 (dezoito) meses, contados de seu recebimento.

§ 2º  Se houver cancelamento de voo, o transportador deve oferecer ao consumidor, sempre que possível, como alternativa ao reembolso, as opções de reacomodação em outro voo, próprio ou de terceiro, e de remarcação da passagem aérea, sem ônus, mantidas as condições aplicáveis ao serviço contratado.

§ 3º  O consumidor que desistir de voo com data de início no período entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2020 poderá optar por receber reembolso, na forma e no prazo previstos no caput deste artigo, sujeito ao pagamento de eventuais penalidades contratuais, ou por obter crédito de valor correspondente ao da passagem aérea, sem incidência de quaisquer penalidades contratuais, o qual poderá ser utilizado na forma do § 1º deste artigo.

§ 4º  O crédito a que se referem os §§ 1º e 3º deste artigo deverá ser concedido no prazo máximo de 7 (sete) dias, contado de sua solicitação pelo passageiro.

§ 5º  O disposto neste artigo aplica-se também às hipóteses de atraso e de interrupção previstas nos arts. 230 e 231 da Lei nº 7.565, de 19 de dezembro de 1986.

§ 6º  O disposto no § 3º deste artigo não se aplica ao consumidor que desistir da passagem aérea adquirida com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data de embarque, desde que o faça no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contado do recebimento do comprovante de aquisição do bilhete de passagem, caso em que prevalecerá o disposto nas condições gerais aplicáveis ao transporte aéreo regular de passageiros, doméstico e internacional, estabelecidas em ato normativo da autoridade de aviação civil.

§ 7º  O direito ao reembolso, ao crédito, à reacomodação ou à remarcação do voo previsto neste artigo independe do meio de pagamento utilizado para a compra da passagem, que pode ter sido efetuada em pecúnia, crédito, pontos ou milhas.

§ 8º  Em caso de cancelamento do voo, o transportador, por solicitação do consumidor, deve adotar as providências necessárias perante a instituição emissora do cartão de crédito ou de outros instrumentos de pagamento utilizados para aquisição do bilhete de passagem, com vistas à imediata interrupção da cobrança de eventuais parcelas que ainda não tenham sido debitadas, sem prejuízo da restituição de valores já pagos, na forma do caput e do § 1º deste artigo.

§ 9º  O reembolso dos valores referentes às tarifas aeroportuárias ou de outros valores devidos a entes governamentais, pagos pelo adquirente da passagem e arrecadados por intermédio do transportador, deverá ser realizado em até 7 (sete) dias, contados da solicitação, salvo se, por opção do consumidor, a restituição for feita mediante crédito, o qual poderá ser utilizado na forma do § 1º deste artigo.

 

Na espécie, restou incontroverso que os voos adquiridos pelos autores, tanto o originalmente adquirido para o dia 21/03 quanto o adquirido para antecipar a volta para o dia 18/03 foram cancelados pela companhia aérea em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus.

Compulsando detidamente o conteúdo fático-probatório dos autos, verifica-se que a requerida não se desincumbiu do seu ônus de comprovar que prestou qualquer assistência aos autores em virtude dos voos cancelados ou que ofereceu a eles outras opções de voos para que pudessem retornar para o Brasil, nos termos do art. 373, inciso II, do CPC.

É salutar ressaltar que a companhia aérea é responsável por zelar pelo bem-estar do passageiro desde o início da viagem até a chegada ao seu destino final, oferecendo todas as informações necessárias a respeito dos voos contratados, bem como oferecendo suporte até que os passageiros sejam realocados em outro voo e possam viajar em segurança.

Por outro lado, os autores comprovaram a dificuldade para sair de país estrangeiro ante a falta de prestação de assistência e informações por parte da requerida em plena pandemia do novo coronavírus, conforme documentos de ID 63760975 e ID 63760979.

Desta forma, está caracterizada a falha na prestação dos serviços por parte da requerida e, atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, considerando-se a capacidade econômica das partes, a natureza, intensidade e repercussão do dano, arbitro o dano moral suportado em R$ 6.000,00 (seis mil reais), para cada autor.

Quanto ao dano material, este deve corresponder ao efetivo prejuízo sofrido pela parte autora devidamente comprovado nos autos e, no caso concreto, os autores comprovaram os gastos com a aquisição de novas passagens, tanto as do voo cancelado quanto as dos voos efetivamente usufruídos, além dos gastos com hospedagem enquanto esperavam poder retornar ao Brasil e a pernoite no Rio de Janeiro, perfazendo o montante de R$ 22.568,95 (ID 63760974, 63760980, 63760981, 63760983, 63760984).

Considerando que à controvérsia posta nos autos incide o art. 3º, “caput”, da Lei n. 14.034/20, o reembolso do valor mencionado acima deve ser feito no prazo de 12 meses, contado da data do voo (21/03/2020), atualizado monetariamente com base no INPC.

Cabe destacar que a alegação da requerida de que a reacomodação dos autores estava sujeita a disponibilidade pelo fato de que as passagens foram adquiridas por meio de milhas, não deve prosperar. Isto porque à companhia aérea não cabe discriminar os passageiros em virtude da forma como as passagens foram pagas, além disso, o § 7º, do art. 3º, da Lei n. 14.034/20 é claro ao dispor que o direito ao reembolso, ao crédito, à reacomodação ou à remarcação do voo independe do meio de pagamento utilizado para a compra da passagem, que pode ter sido efetuada em pecúnia, crédito, pontos ou milhas.

Por fim, diante do reembolso do valor das passagens, o voucher já emitido deve ser cancelado (ID  63760976). 

DISPOSITIVO 

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE os pedidos iniciais para condenar a parte ré a pagar o valor de R$ 6.000,00 (seis mil reais), para cada autor, a título de indenização por danos morais, atualizado monetariamente e acrescido de juros de 1% ao mês a partir do arbitramento na sentença, e a pagar o valor de R$ 22.568,95 (vinte e dois mil quinhentos e sessenta e oito reais e noventa e cinco centavos), no prazo de 12 meses, contada da data do voo (21/03/2020), atualizado monetariamente com base no INPC. 

Resolvo o mérito da demanda, nos termos do art. 487, I, do CPC. 

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, consoante disposto nos artigos 54 e 55 da Lei n. 9.099/95.  

Passados 10 dias da publicação da sentença, sem manifestação das partes, arquive-se, sem baixa.  

 

Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se. 


FLÁVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA

Juiz de Direito

 

 

 BRASÍLIA, DF, 7 de outubro de 2020 16:31:23.

Assinado eletronicamente por: FLAVIO FERNANDO ALMEIDA DA FONSECA
07/10/2020 18:11:55
https://pje.tjdft.jus.br:443/consultapublica/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam
ID do documento:
20100718115503200000069989445
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