Cuida-se de apelação interposta por Estado de Santa Catarina, e Reexame Necessário, em objeção à sentença prolatada pelo magistrado Rafael Sandi - Juiz de Direito titular da 3ª Vara da Fazenda Pública da comarca da Capital -, que na Ação Ordinária c/c Tutela Antecipada n. 5003954-56.2020.8.24.0023, ajuizada por Abreu & Andrade Comércio de Revistas Ltda., julgou parcialmente procedente o pedido, declarando a nulidade do ato de interdição, desconstituindo-o nos seguintes termos:
ABREU & ANDRADE COMERCIO DE REVISTAS LTDA. ajuizou ação ordinária c/c tutela antecipada em face do ESTADO DE SANTA CATARINA, requerendo:
a) A concessão da tutela antecipada, sendo determinada de forma imediata suspensão ou cancelamento da interdição do estabelecimento da empresa autora, sendo permitido a sua abertura imediata e o exercício normal de sua atividade; bem como seja permitido a empresa autora o exercício de sua atividade comercial sem a necessidade de quaisquer atos públicos ou de liberação da atividade econômica (lei 13.874).
[...]
c) a confirmação da liminar e a procedência do pedido, sendo determinada de forma definitiva que a empresa autora exerça a sua atividade comercial sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica (lei 13.874).(e.1.1).
[...]
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial formulado nesta ação, proposta por ABREU & ANDRADE COMERCIO DE REVISTAS LTDA. em face do ESTADO DE SANTA CATARINA, para o fim de declarar a nulidade absoluta do ato de interdição (e.1.4), desconstituindo-o para todos os fins de direito, e confirmando a tutela de urgência já deferida (e.7).
Como houve sucumbência mínima da parte autora (CPC, art. 86, parágrafo único), CONDENO a parte ré ao pagamento dos honorários do advogado da parte adversa, estes fixados por apreciação equitativa em R$ 1.500,00 (CPC, art. 85, §§ 2º e 8º, e 90, caput), considerando sobretudo a natureza e a importância da causa, a ausência de fase instrutória e o tempo de tramitação do feito. A parte ré é isenta do recolhimento da taxa de serviços judiciais (LE nº 17.654/2018, art. 7º, I).
Malcontente, o Estado de Santa Catarina argumenta que:
[...] a interdição do estabelecimento da parte Apelada deu-se em razão de fiscalização in loco realizada pela Polícia Militar - valendo ressaltar que havia denúncias acerca de som alto, algazarra e tumulto no local -, oportunidade em que o proprietário não apresentou os documentos obrigatórios para o regular funcionamento da empresa (alvará municipal, sanitário, e atestado de vistoria do local pelo Corpo de Bombeiros).
[...] não há que se falar em ato ilegal da PMSC, que apenas cumpriu estritamente a lei ao promover a interdição cautelar de estabelecimento que se encontrava sem os documentos necessários para o funcionamento.
[...] o ato questionado pela parte apelada consiste em típico, regular e devido exercício do dever-poder de polícia, concretizado com o objetivo de assegurar a observância da lei e salvaguardar o interesse público, sem qualquer ofensa ao direito do administrado.
[...] o presente caso não se trata de qualquer hipótese apta à fixação da verba em tela por equidade, mas sim se enquadra na fixação geral a que alude o art. 85, §2º, do CPC, entre 10% a 20% do valor da causa, dispositivo este que resultou violado no presente caso.
Nestes termos, clama pelo conhecimento e provimento do apelo.
Conquanto regularmente intimada, Abreu & Andrade Comércio de Revistas Ltda. deixou fluir in albis o prazo para contrarrazões.
Em Parecer do Procurador de Justiça Plínio César Moreira, o Ministério Público opinou pelo conhecimento e desprovimento da insurgência.
Em apertada síntese, é o relatório.
Conheço do recurso porque, além de tempestivo, atende aos demais pressupostos de admissibilidade.
A altercação diz respeito à existência - ou não -, de ilegalidade no ato da Polícia Militar, que culminou na interdição do estabelecimento comercial de propriedade de Abreu & Andrade Comércio de Revistas Ltda., ao argumento de que não foram apresentados os alvarás e licenças necessários ao funcionamento.
Pois bem.
Acerca das atribuições da Polícia Militar, dispõe a Constituição do Estado de Santa Catarina:
Art. 107 - À Polícia Militar, órgão permanente, força auxiliar, reserva do Exército, organizada com base na hierarquia e na disciplina, subordinada ao Governador do Estado, cabe, nos limites de sua competência, além de outras atribuições estabelecidas em Lei:
I – exercer a polícia ostensiva relacionada com:
a) a preservação da ordem e da segurança pública;
b) o radiopatrulhamento terrestre, aéreo, lacustre e fluvial;
c) o patrulhamento rodoviário;
d) a guarda e a fiscalização das florestas e dos mananciais;
e) a guarda e a fiscalização do trânsito urbano;
f) a polícia judiciária militar, nos termos de lei federal;
g) a proteção do meio ambiente;
h) a garantia do exercício do poder de polícia dos órgãos e entidades públicas, especialmente da área fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e ocupação do solo e de patrimônio cultural;
II – cooperar com órgãos de defesa civil; e
III – atuar preventivamente como força de dissuasão e repressivamente como de restauração da ordem pública.
Da leitura do dispositivo legal supra transcrito, extrai-se que cabe à Polícia Militar, no que interessa ao debate travado nestes autos, “exercer a polícia ostensiva relacionada com a preservação da ordem pública e da segurança pública”, o que não pode ser intendido como permissão à fiscalização de alvarás, tampouco à interdição de estabelecimentos comerciais.
Aliás, nos termos da Constituição Estadual, a competência para interditar e fiscalizar alvarás de funcionamento de estabelecimentos comerciais relacionados a jogos e diversões pertence à Polícia Civil:
Art. 106 - A Polícia Civil, dirigida por delegado de polícia, subordina-se ao Governador do Estado, cabendo-lhe:
[...]
VI - a fiscalização de jogos e diversões públicas.
Assim, apesar de legítima a intenção da autoridade policial militar de combater as irregularidades que diz ter constatado, o ato praticado é manifestamente ilegal, porquanto lavrado por quem não detém competência para tanto.
E não há como evocar a manutenção da ordem pública - indubitável e mais relevante competência constitucional da Polícia Militar -, para legitimar a prática de atos fiscalizatórios que competem à autoridade diversa, de quem não se pode usurpar o poder sancionatório.
De mais a mais, além da incompetência da Polícia Militar para a prática do ato, haure-se dos autos que o representante legal da empresa foi notificado em 22/01/2020 (Evento 1, Outros 4), sem que lhe fosse oportunizado qualquer meio de defesa ou tempo hábil para regularização.
À vista disso, tendo a interdição ocorrido sem prévio procedimento administrativo, evidente a violação ao contraditório e à ampla defesa, garantias que são asseguradas pela Constituição Federal, in verbis:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...].
A propósito, trago à lume excerto do bem lançado Parecer do Procurador de Justiça Plínio César Moreira, ao qual adiro e reproduzo, consignando-o em meu voto, nos seus precisos termos, como ratio decidendi:
A Polícia Militar do Estado de Santa Catarina não é competente para realizar a discutida interdição.
As atribuições daquela corporação estão elencadas no art. 107 da Constituição do Estado de Santa Catarina:
[...]
Como se vê, não há menção para o exercício da atividade fiscalizatória em tela. Assim, é nítida a invalidade do debatido ato de interdição. Há incompetência absoluta das autoridades militares para tanto.
[...]
Ademais, além da incompetência, extrai-se do auto de interdição cautelar (Evento 1 – OUT4), que não foi permitida a defesa e o contraditório prévio da parte interditanda. Aliás, não houve nenhum procedimento administrativo para isso.
Sabidamente, não se pode admitir a interdição de um estabelecimento - impedindo por completo seu funcionamento - sem assegurar o mínimo de contraditório a parte interditanda, o que, na hipótese, também, evidência a ilegalidade do ato de interdição.
Sumarizando: a Polícia Militar realizou a fiscalização e a interdição do estabelecimento por suposta ausência de alvará de funcionamento. Contudo, não tinha competência ou atribuição legal para a prática do ato. Não estava revestida dos poderes estatais necessários para a higidez do ato administrativo.
Epitomando: é nula de pleno direito a interdição, afigurando-se imperiosa a manutenção da sentença, no tópico.
De outro vértice, quanto ao pleito para redução dos honorários de sucumbência (na origem fixados em R$ 1.500,00 - hum mil e quinhentos reais), para que sejam arbitrados em percentual sobre o valor da causa, assiste parcial razão ao Estado de Santa Catarina.
Sobre os critérios para fixação dos estipêndios patronais, assim disciplina o Código de Processo Civil:
Art. 85 - A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
[...]
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
Ora, a fixação da verba honorária por equidade é cabível quando o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, hipóteses às quais se subsume o caso em apreço.
Isso porque a demanda em análise não apresenta conteúdo econômico mensurável, e o valor atribuído à causa é ínfimo, porquanto definido em apenas R$ 1.000,00 (hum mil reais).
Logo, escorreita a sentença ao arbitrar os estipêndios com base em apreciação equitativa, nos moldes do art. 85, § 8º, do CPC.
Não obstante, diante do cenário fático do processo e da atividade profissional desenvolvida, entendo que o quantum estabelecido pelo juízo a quo afigura-se desarrazoado e desproporcional.
É que no caso em testilha, há que ser considerada a brevidade da tramitação feito (sentença proferida em pouco mais de 1 (hum) ano a contar da propositura da ação); o fato que os autos tramitaram em meio eletrônico; a diminuta complexidade da demanda e, ainda, a pouca exigência de atuação concreta do advogado patrono da autora, ora recorrida.
Por esse motivo, entendo deva ser reduzido o valor dos honorários advocatícios para R$ 900,00 (novecentos reais), quantia que é suficiente para remunerar de forma adequada e razoável o trabalho do causídico patrono da parte adversa.
Ex positis et ipso facti, reformo em parte o veredicto.
Incabíveis honorários recursais (art. 85, § 11, do CPC), uma vez que a mencionada majoração é devida apenas quando o apelo for “não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente (rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira)” (STJ, EDcl no AgInt no AgInt no REsp n. 1749436/SP, rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, j. em 15/06/2020).
Dessarte, voto no sentido de conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, apenas readequando os honorários de sucumbência para R$ 900,00 (novecentos reais), confirmando os demais termos da sentença em sede de Reexame Necessário.