Direito na Web

A realidade tecnológica desafia o ordenamento jurídico

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15 de fevereiro de 2001, 23h00

O homem é um ser social, sendo portanto a comunicação uma das maiores necessidades da sociedade humana desde os primórdios de sua existência.

Conforme as civilizações se espalhavam ocupando áreas cada vez mais dispersas, geograficamente, a comunicação a longa distância se tornava cada vez mais uma necessidade e um desafio. E, ao que parece, o homem venceu este desafio.

O advento do telégrafo em 1.838 inaugurou o desenvolvimento da comunicação através de sinais elétricos, dando origem aos sistemas que conhecemos atualmente como telefone, rádio e televisão.

Paralelamente a este desenvolvimento, a evolução no processamento e armazenamento de informações resultou na década de 50 no maior avanço do século neste sentido: o computador.

“A conjunção destas duas tecnologias – comunicação e processamento de informações – veio revolucionar o mundo em que vivemos, abrindo as fronteiras com novas formas de comunicação e permitindo maior eficácia dos sistemas computacionais” (SOARES, 1995:3).

A distribuição do poder computacional é consensualmente a melhor topologia, fundamento operacional da rede mundial de computadores, a Internet.

Entretanto, o que parece ser consenso do ponto de vista técnico entre os engenheiros e profissionais desenvolvedores das novas tecnologias, suscita toda uma gama de conflitos e expõe uma série de lacunas e demandas jurídicas. Cria-se de fato um espaço onde os limites físicos territoriais, culturais e a soberania de cada Estado nacional não são obstáculos para as atividades humanas.

A transparência que o sistema operacional dos computadores oferece ao usuário não permite que este avalie a amplitude de suas ações: rotinas locais podem na verdade ser fruto de um processamento distribuído e de dados disponibilizados globalmente em tempo real.

Tais técnicas, aplicadas a universidades, empresas e corporações mundialmente estabelecidas sedimentaram a operacionalização de uma integração jamais vista em nosso planeta.

As novas tecnologias foram indubitavelmente a base para o processo definido como globalização. O entendimento deste fenômeno, entretanto, apesar de decisivamente vinculado à questão tecnológica, suscita questões complexas de ordem social, econômica, jurídica e cultural.

A questão jurídica sedimenta-se como freio deste processo, uma vez que se embasa em valores e tradições seculares.

O interesse dos mercados e a dinâmica propelida às mudanças pelas novas ferramentas tecnológicas disponíveis criam lacunas nos ordenamentos jurídicos nacionais, onde os legisladores e os operadores do Direito não conseguem muitas vezes compreender os fenômenos que balizam esta nova sociedade.

“Os fatos políticos e econômicos que vêm impulsionando os movimentos de integração – e, por via de conseqüência, sua necessária e respectiva disciplina – têm causado expectativa e perplexidade, porquanto, em razão de sua velocidade, não puderam ser precedidos por uma ampla discussão política – no que se refere à oportunidade de constituição de um mercado comum – e jurídica – no que concerne a sua viabilidade do ponto de vista constitucional e aos desdobramentos que lhe são conseqüentes” (BASTOS, 1997:8).

O Direito, como “concretização da idéia de justiça na diversidade de seu dever ser histórico, tendo a pessoa como fonte de todos os valores” (REALE, 1996:67), é sem dúvida atingido em seus pilares por interpretações reducionistas da realidade regional.

Trata-se de uma questão delicada, uma vez que a valoração dos fatos em questões revestidas de ineditismo, em face da realidade tecnológica, tendem a sedimentar um entendimento meramente técnico.

As leis do Estado passam a perder o sentido diante das normas técnicas estabelecidas para os novos padrões tecnológicos mundiais. Ainda é cedo para avaliar as tendências desta nova realidade internacional, certamente inserida em um processo onde “cada época histórica tem a sua imagem ou a sua idéia de justiça, dependente da escala de valores dominante nas respectivas sociedades, mas nenhuma delas é toda a justiça, assim como a mais justa das sentenças não exaure as virtualidades todas do justo” (REALE, 1996:371).

Emerge a convergência entre o Direito interno e o Direito internacional em decorrência do processo de integração mundial. “A mutação do conceito de soberania e suas causas e efeitos levam a considerar superada a já clássica dicotomia monismo/dualismo a respeito do Direito internacional.

As relações entre Direito interno e Direito internacional estão extremamente modificadas, tendendo hoje a uma harmonização, cuja expressão máxima é haurida no próprio Direito comunitário.” (BASTOS, 2000:32).

A delegação de poderes estatais soberanos à comunidades de Estados nacionais concretizaria a supranacionalidade já observada nas demais atividades humanas. O conceito, a princípio incompatível com as doutrinas constitucionalistas clássicas, torna-se plausível e quase compulsório em uma sociedade que disponibiliza meios de comunicação e processamento de informações em volume nunca antes observados na história da humanidade.

Diante de redes de computadores e a demanda pela solução de conflitos em tempo real, o questionamento do primado da Constituição sobre o Direito supranacional torna-se decisivo para o futuro das nações. Dentro deste contexto, a Constituição brasileira mostra-se pouco adaptada às mutações do mundo moderno.

Em seu § 2º do artigo 5º recepciona os direitos e garantias fundamentais previstos nos tratados internacionais firmados pelo Brasil. Entretanto, dentro de sua sistematização, “a Constituição brasileira deixa claro que os tratados se encontram aqui sujeitos ao controle de constitucionalidade, a exemplo dos demais componentes infraconstitucionais do ordenamento jurídico.

Tão firme é a convicção de que a lei fundamental não pode sucumbir, em qualquer espécie de confronto, que nos sistemas mais obsequiosos para com o direito das gentes tornou-se encontrável o preceito segundo o qual todo tratado conflitante com a Constituição só pode ser concluído depois de se promover a necessária reforma constitucional” (REZEK, 1991:103).

O que para o jurista é dilúcido, para os operadores do sistema atual da técnica é simplesmente insustentável por uma razão bem simples: o controle de constitucionalidade e a reforma constitucional são processos demasiadamente lentos quando comparados aos nanosegundos que dispõe os sistemas microprocessados em suas tomadas de decisões.

O tempo que um produto leva entre sua concepção inicial até o mercado está diminuindo para todas as empresas, vendam elas produtos físicos ou informação.

“É provável que em nenhuma outra área o ciclo de produto tenha diminuído mais que na indústria de PCs, e as mudanças provocadas pela diminuição do tempo de chegada ao mercado são uma indicação de que outros setores empresariais serão afetados.(…) Em poucos anos, o ciclo de produto da Compaq Computer caiu de dezoito para doze meses e, ao final de 1998, de seis a nove meses para empresas e quatro meses para produtos aos consumidores” (GATES, 1999:153).

É dilúcido que a morosidade da tutela jurisdicional, bem como do processo legislativo, criam sérios prejuízos à competitividade de um país no cenário internacional. Não se pode, no entanto, abandonar os sustentáculos do Estado de Direito e o devido processo legal, sob pena de instaurar a insegurança jurídica e o enfraquecimento das instituições nacionais.

A velocidade passa a ser uma questão mais jurídica do que técnica, já que a efetiva promoção da justiça exige agora rapidez compatível à nova dinâmica e natureza dos conflitos.

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