Frente de combate

Ministério Público ataca burla aos concursos na administração pública

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23 de janeiro de 2005, 11h19

O combate às contratações irregulares de empresas e de pessoal feitas pela administração pública já tem um novo alvo: as agências reguladoras. Há três anos, a Procuradoria do Trabalho investiga contratos que permitem colocar dentro das repartições públicas pessoas que não prestaram concursos.

O resultado do trabalho começa a ser sentido. “Existem diversas ações judiciais em curso e hoje, só na administração direta, é oferecido algo em torno de 40 mil vagas por concurso”, afirma Fábio Leal Cardoso, que chefia a Coordenadoria Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas na Administração Pública, em entrevista à Consultor Jurídico.

“Praticamente em toda a administração pública existe alguma terceirização irregular. Cerca de 30% das contratações podem ser ilegais”, calcula o procurador.

Segundo Cardoso, a terceirização muitas vezes é necessária. O problema é que o setor público tem desvirtuado seu conceito. O procurador afirma que “não há problema em uma repartição pública contratar uma cooperativa de táxis no lugar de comprar carros. Mas não se pode contratar uma empresa que existe apenas para arregimentar pessoas e colocá-las dentro da administração”.

Leia a entrevista

Quais as próximas frentes de combate do Ministério Público do Trabalho?

Há pouco tempo começamos a investigar contratações irregulares nas agências reguladoras. É importante frisar que diversas regionais e procuradores investigam essas contratações há cerca de três anos, em todas as esferas da administração — federal, estadual e municipal.

Há estimativas sobre o volume de contratações irregulares?

Praticamente em toda a administração pública existe alguma terceirização irregular. Não temos estudos com base científica ou metodologia para apontar números, mas pela experiência cotidiana que adquirimos ao lidar com o problema pode-se dizer que 30% das contratações feitas pela administração pública são irregulares. Muitas vezes nos deparamos com 400 pessoas contratadas de forma irregular num único ministério, por exemplo.

Quais os resultados desse trabalho?

Existem diversas ações judiciais em curso contestando a terceirização ilegal e podemos notar que nos últimos anos cresceu o número de concursos públicos. Só na administração direta é oferecido algo em torno de 40 mil vagas. Isso é um reflexo do nosso trabalho.

Nem toda terceirização é irregular. Como diferenciar as terceirizações legais das contratações irregulares?

Vou dar um exemplo: um ministério pode contratar uma empresa para transportar seus servidores, seus documentos ou seus malotes. Mas essa empresa precisa ser uma empresa de transporte, precisa ter os carros, ônibus, enfim, os meios necessários para prestar o serviço. Não há problema algum também em uma repartição pública contratar uma cooperativa de táxis no lugar de comprar carros. Mas o que acontece com uma freqüência assustadora é que a administração pública contrata o fornecimento de mão de obra. Ou seja, ela contrata uma empresa que existe apenas para intermediar a contratação de pessoal. Então, essa empresa arregimenta pessoas e as coloca para trabalhar dentro de uma repartição pública, sob as ordens de um servidor público, sem que essas pessoas tenham prestado concurso. Trata-se de um intermediário ilegal, uma empresa de locação de mão de obra. E a legislação estabelece que nenhum contrato na administração pública pode envolver intermediação de mão de obra, porque isso dá margem para burlar o princípio do concurso público.

Como a situação chegou a esse ponto?

A administração federal, por exemplo, nunca deixou de fazer concursos para carreiras estratégicas, como juiz, promotor, auditor fiscal, entre outros. Para as carreiras administrativas, há praticamente 20 anos não se faz um concurso público. Mas as pessoas não deixam de se aposentar, de sair do serviço público. Então, o governo passou a desvirtuar a terceirização justamente porque precisava suprir as deficiências de pessoal de maneira mais rápida. Agora, precisamos fazer com que as contratações através de concurso sejam retomadas.

Quais as conseqüências dessa prática?

A primeira conseqüência é social. O trabalho é um fator de inserção social e não pode ser tratado como uma garrafa de Coca-Cola. Não se podem alugar trabalhadores como se aluga um carro, principalmente na administração pública. O servidor tem uma série de garantias e obrigações. O trabalhador terceirizado não tem nenhuma dessas garantias ou obrigações, mas passa a ter acesso até a informações sigilosas do governo. A segunda é a burla à legislação que proíbe a contratação de funcionários sem concurso, com exceção do trabalho temporário, que é permitido em hipóteses especialíssimas.

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