Segurança dos magistrados em ações sensíveis relacionadas às facções criminosas
28 de março de 2025, 6h00
A segurança pública é um pilar essencial para a manutenção da ordem social e do Estado de Direito, especialmente em um país como o Brasil, que enfrenta desafios substanciais relacionados à violência e ao poder de facções criminosas. Nesse cenário, os magistrados, em particular aqueles envolvidos no julgamento de ações sensíveis relacionadas a organizações criminosas, são frequentemente alvo de ameaças e pressões, o que coloca em risco tanto a sua integridade física quanto a imparcialidade e a independência da Justiça.

O ministro Teodoro Silva Santos
O presente artigo busca refletir sobre a vulnerabilidade dos juízes que julgam crimes relacionados a facções criminosas e examinar as estratégias de proteção que se mostram necessárias para assegurar o pleno exercício da função jurisdicional, sem que se perca a confiança da sociedade na Justiça.
Desafio da criminalidade organizada no Brasil
A criminalidade organizada no Brasil, caracterizada por facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), tem expandido sua atuação de forma cada vez mais sofisticada. Estas organizações não apenas operam no tráfico de drogas, armas e no jogo de azar, mas também se infiltram em diversas instituições públicas e privadas, criando uma rede de corrupção e intimidação que afeta diretamente a segurança pública e a integridade do sistema judicial.
Os magistrados responsáveis por julgar processos envolvendo essas facções estão constantemente expostos a riscos de retaliação, uma vez que essas organizações utilizam de sua estrutura para realizar ameaças e até mesmo assassinatos, conforme demonstrado em diversos casos de violência contra juízes, como o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em 2011. Essa realidade exige uma resposta contundente e estruturada do Estado, não apenas no aspecto de segurança física, mas também no que tange à proteção da independência funcional do Judiciário.
Vulnerabilidade dos magistrados e necessidade de proteção
A vulnerabilidade dos magistrados, especialmente aqueles que atuam no julgamento de crimes praticados por organizações criminosas, é um tema que precisa ser abordado com seriedade. A constante ameaça à sua integridade física é apenas uma das facetas desse problema, que se estende à pressão psicológica e ao risco de comprometimento da imparcialidade no julgamento. A intimidação, muitas vezes velada, pode surgir tanto de ameaças diretas aos juízes quanto da coação exercida sobre seus familiares, criando um ambiente de medo e insegurança.
Neste contexto, a criação de mecanismos institucionais para a proteção dos magistrados se torna essencial. A Lei nº 12.694/2012, que prevê o julgamento colegiado em casos de risco à integridade do juiz, surge como uma medida eficaz para mitigar esse tipo de pressão. O colegiado não apenas garante uma maior segurança ao juiz, ao reduzir a personalização do processo, mas também assegura maior imparcialidade e transparência nas decisões, o que é fundamental para o fortalecimento da confiança da sociedade nas instituições judiciais.
Papel do Susp na proteção dos magistrados
A implementação do Sistema Único de Segurança Pública no Brasil, criada pela Lei nº 13.675/2018, traz uma abordagem mais integrada e cooperativa para o enfrentamento da criminalidade organizada. O Susp visa otimizar a gestão de segurança pública, coordenando ações entre os diversos níveis de governo e permitindo o compartilhamento de informações entre as polícias estaduais e federais. No entanto, a aplicação eficaz desse sistema ainda enfrenta desafios, como a resistência ao compartilhamento de dados e a falta de padronização nos protocolos de segurança.
O fortalecimento do Susp, com a inclusão de protocolos específicos para a proteção de magistrados, é fundamental para garantir que a segurança dos juízes seja tratada como uma prioridade. O investimento em inteligência policial, o aprimoramento das bases de dados e a criação de unidades especializadas no acompanhamento e proteção dos juízes são medidas que devem ser adotadas para mitigar os riscos aos quais os magistrados estão expostos. O planejamento estratégico de segurança deve ser integrado com as políticas públicas de segurança, considerando as especificidades de cada região e as ameaças locais.
Estratégias de proteção e desafios institucionais
A proteção dos magistrados requer a construção de uma infraestrutura sólida de segurança, que envolva desde a proteção física de juízes até o fortalecimento das estruturas institucionais que garantem a independência e imparcialidade da Justiça. O uso de escoltas armadas, o monitoramento eletrônico das instalações judiciais e o controle rigoroso de acesso aos prédios dos tribunais são algumas das medidas que podem ser implementadas para proteger os juízes.

Além disso, a colaboração entre o Judiciário, as forças de segurança e a sociedade civil é essencial para que as estratégias de proteção se tornem efetivas. A criação de comissões permanentes de segurança nos tribunais, a realização de avaliações de risco e a capacitação contínua dos agentes de segurança são ações que devem ser constantemente aprimoradas para garantir que os magistrados possam exercer suas funções sem a constante ameaça de retaliações ou pressões externas.
A política nacional de segurança do Poder Judiciário é regida pelos princípios e diretrizes estabelecidos na Resolução nº 435 do Conselho Nacional de Justiça, de 28 de outubro de 2021, cujo artigo 4º prevê como seus princípios a preservação da vida e garantia dos direitos e valores fundamentais do Estado Democrático de Direito, a autonomia, independência e imparcialidade do Poder Judiciário; a atuação preventiva e proativa, buscando a antecipação e a neutralização de ameaças, violências e quaisquer outros atos hostis contra o Poder Judiciário; a efetividade da prestação jurisdicional e garantia dos atos judiciais, a integração e interoperabilidade dos órgãos do Poder Judiciário com órgãos de estado, instituições de segurança e inteligência e gestão de riscos voltada à proteção dos ativos do Poder Judiciário.
Conclusões
A segurança dos magistrados que atuam no julgamento de crimes relacionados a facções criminosas é um desafio complexo que envolve tanto aspectos de proteção física quanto a preservação da independência e imparcialidade do Judiciário. O aumento da violência contra juízes, associado à crescente sofisticação das organizações criminosas, torna imperativo que o Estado adote medidas efetivas para proteger aqueles que exercem a função jurisdicional. A implementação do julgamento colegiado, o fortalecimento do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a criação de estratégias de segurança personalizadas são passos importantes para garantir que os magistrados possam desempenhar seu papel com segurança e imparcialidade.
A construção de uma rede de proteção integrada, que envolva todos os níveis de governo e instituições de segurança, é fundamental para garantir que o Judiciário possa operar de maneira eficiente e sem a interferência de grupos criminosos. A atuação proativa do Estado, combinada com o comprometimento das próprias instituições judiciais em fortalecer suas estruturas de segurança, são medidas necessárias para preservar a ordem jurídica e assegurar que a Justiça seja feita, sem temor ou influência de ameaças externas.
A sociedade brasileira deve reconhecer que a proteção dos magistrados é um elemento crucial para a manutenção do Estado de Direito e da democracia, sendo um dever coletivo garantir a segurança daqueles que zelam pela justiça e pelo cumprimento das leis no país.
Cumpre ressaltar que, embora a situação da violência no Brasil seja de extrema gravidade, o Estado legítimo e constitucional permanece robusto e imbatível, especialmente diante dos desafios impostos pelas deletérias facções criminosas. Não restam dúvidas de que as instituições têm se empenhado, com firmeza e sem arrefecimento, como demonstram as múltiplas ações adotadas e ora narradas, de modo que, o combate à criminalidade tem se desenhado de maneira organizada e persistente a fim de afastar as afrontas aos princípios democráticos.
Referências
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Fernando Tadeu Marques, Guilherme Rodrigues Manuel – Um juiz sem face: as organizações criminosas e as perspectivas da Lei 12.694/ 2012 – REBESP v. 11, n.2 2018.
Franklyn Roger Alves Silva – O Novo Regime Processual dos Crimes Praticados por Organizações Criminosas – Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 59, p. 171-186, jul.-set. 2012.
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Marcelo Yukio Misaka e Fábio Pinha Alonso – Organizações criminosas e julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição – Revista da AJURIS – v. 39 – n. 128 – Dezembro 2012.
RESOLUÇÃO Nº 435 DO CNJ, DE 28 DE OUTUBRO DE 2021 (Ministro Luiz Fux). Dispõe sobre a política e o sistema nacional de segurança do Poder Judiciário e dá outras providências
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