Responsabilidade civil da empresa aérea no transporte de passageiros com necessidades especiais
26 de março de 2025, 17h24
A cada ano aumenta a intenção dos brasileiros de viajar de avião. Essa vontade é impulsionada pela maior oferta de voos e facilidades de pagamento que favorecem a procura pelo meio de transporte considerado mais seguro do mundo.
Com a grande procura pelo deslocamento aéreo, aumentou também a preocupação das empresas em satisfazer o cliente de forma efetiva.
O advento da Constituição de 1988 trouxe transformações significativas no campo jurídico brasileiro. Conhecida como “Constituição Cidadã”, é o marco jurídico da institucionalização da democracia e dos direitos humanos no Brasil. Agrega a concepção da solidariedade social, afirmando a preponderância do coletivo sobre o individual ao incorporar os princípios da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da livre iniciativa, da solidariedade social e da igualdade substancial. A mesma Constituição de 1988 determina, no artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Os direitos das pessoas com necessidades especiais foram tratados inicialmente na Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que, apesar de ter sido promulgada neste ano, somente foi regulamentada em 1999, através do Decreto 3.298/90. Esta lei acabou criando a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Lei da Corde).
A Lei da Corde determinou as medidas que deveriam ser adotadas nas áreas da educação, saúde e trabalho, trazendo, ainda, como deveria ser a atuação do Ministério Público de forma a proteger, judicialmente, os interesses coletivos e difusos das pessoas com necessidades especiais.
De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac, 2014), o embarque dos passageiros que necessitam de assistência especial (PNAE) será realizado prioritariamente em relação aos demais. Os passageiros deverão se dirigir ao balcão de check-in portando documento de identificação e com antecedência estabelecida pelas empresas aéreas.
A responsabilidade civil parte do posicionamento que todo aquele que violar um dever jurídico através de um ato lícito ou ilícito tem o dever de reparar, pois todos temos um dever jurídico originário o de não causar danos a outrem e ao violar este dever jurídico originário, passamos a ter um dever jurídico sucessivo, o de reparar o dano que foi causado (Cavalieri,2008).
Neste sentido, questiona-se até que ponto há a responsabilidade civil das empresas aéreas no transporte aéreo para passageiros com necessidades especiais?
Transporte aéreo de pessoas com necessidades especiais sob a luz dos documentos oficiais
De acordo com a Lei 13.146/2015, artigo 2º, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

No entanto, esse termo não é muito aceito por algumas ONGs e cientistas sociais, pois apresenta um tom pejorativo. Contudo, devemos salientar que este termo não trata apenas de pessoas que possuem deficiência. Também é utilizado para pessoas que tenham toda e qualquer necessidade que seja considerada atípica e que precise de um tratamento específico por parte das instituições, seja na esfera comportamental, social, física, emocional ou, até mesmo, familiar.
Os tipos de deficiências são: visual, auditiva, física e mental. Todas são realidade em nossa sociedade, e, portanto, merecem nossa atenção quanto à inclusão de pessoas com deficiência na sociedade como um todo nos ambientes de lazer, educação, trabalho, entre outros.
O transporte aéreo de pessoas com deficiências
A Resolução 280/2013 da Anac que dispõe sobre os procedimentos relativos à acessibilidade de passageiros com necessidades de assistência especial ao transporte aéreo, em seu artigo 3º, define que entende-se por PNAE (passageiro com necessidade de assistência especial): gestantes, lactantes, pessoas com criança de colo, idosos a partir de 60 anos, pessoas com mobilidade reduzida, pessoas com deficiência, qualquer pessoa que, por alguma condição específica, tenha limitação na sua autonomia como passageiro.
A mesma resolução, em seu artigo 14º, estabelece que o operador aéreo deva prestar assistência aos passageiros com necessidade de atendimento especial desde o check-in até o acesso à área pública, após o desembarque. As companhias aéreas devem, portanto, oferecer atendimento prioritário em todas as fases da viagem.
No Brasil, dados do último censo demográfico realizado em 2024, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que o Brasil tenha cerca de 20 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência.
De acordo com a Resolução no 280 de 11 de julho de 2013 da Anac, os direitos dos passageiros que necessitam de assistência especial são:
– Atendimento prioritário;
– Atendimento de suas necessidades especiais, incluindo o acesso às informações e às instruções, às instalações aeroportuárias, às aeronaves e aos veículos à disposição dos demais passageiros do transporte aéreo;
– Nos casos em que a empresa aérea exigir um acompanhante para pessoa com deficiência, a empresa deverá justificar o fato por escrito e cobrar pelo assento do acompanhante valor igual ou inferior a 20% do valor do bilhete do passageiro com deficiência. Vale ressaltar que o passageiro deverá viajar ao lado de seu acompanhante.
A importância da responsabilidade civil nos contratos de transporte aéreo
Inicialmente, o dano encontrava-se fora da esfera do direito, pois era reparado através da vingança privada. Depois, já tutelado juridicamente, através da Lei do Talião, onde o legislador intervém declarando a condição de retaliação por parte da vítima. Posteriormente, surge a composição a critério da vítima, subsistindo a forma de reintegração do dano sofrido (Dias, 2006).

Disciplinada no artigo 927 e seguintes do Código Civil Brasileiro de 2002, a responsabilidade civil dispõe sobre a obrigação de reparação de danos quando esses forem comprovados. Para os autores, Gagliano & Filho (2009, p. 3) a responsabilidade é um dever jurídico de quem causou os fatos que geraram os danos a outrem. É uma obrigação de restaurar o equilíbrio moral e patrimonial causados, podendo variar as consequências dessa reparação, conforme as necessidades e os interesses do indivíduo que teve seus direitos lesados.
Neste sentido, ensinam os autores que a responsabilidade, para o direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada — um dever jurídico sucessivo — de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionado) de acordo com os interesses lesados. Para Rizzardo (2007, p.15-16), o dano é o pressuposto central da responsabilidade civil.
A responsabilidade civil visa à compensação dos danos causados pelo agente. Nesse sentido, três funções são facilmente encontradas no instituto da reparação civil: compensatória do dano a vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social da conduta lesiva.
Através de pesquisa jurisprudencial, foi constatado um direcionamento na responsabilização das empresas aéreas no transporte de passageiros com deficiência, com base nos seguintes processos:
1. TJ-RS – Apelação Cível 70064489768 RS, publicada em 17/8/2015, onde a empresa de transporte aérea foi condenada a indenizar passageiro usuário de cadeira de rodas, por danos materiais e morais, em decorrência da ausência de equipamento de embarque e desembarque, precisando de ajuda de terceiros, sendo desembarcado no colo de prepostos da empresa em questão.
2. STJ – Recurso Especial 1.611.915 RS 2016/0085675-9, publicada em 4/2/2019, onde a empresa aérea, após condenação por cadeirante ter sido submetido a tratamento indigno ao embarcar em aeronave, teve sua responsabilidade configurada, pede redução do quantum indenizatório. O recurso foi julgado improcedente, reafirmando a responsabilização.
Contrato de transporte
O transporte é uma necessidade humana, um meio de locomover pessoas e coisas que está presente desde as primeiras gerações até a atualidade, atingindo toda sociedade de forma direta ou indireta, com uma demanda cada vez maior e mais exigente.
O Código Civil regulamentou o contrato de transporte em geral a partir do artigo 730, conceituando o contrato de transporte como a obrigação, mediante retribuição, de transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas.
O dispositivo estabelece o conceito do contrato de transporte que tem como características ser bilateral, consensual, oneroso e, quase sempre, de adesão. São partes no contrato de transportes: de um lado, o transportador (condutor); de outro, o passageiro (transporte de pessoas). A remuneração do transportador é a passagem.
Assim sendo, o artigo 734 fixou a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, proibindo cláusula de não indenizar.
O artigo 927, parágrafo único do Código Civil, contém uma cláusula geral de responsabilidade objetiva que integra todos os serviços que geram automaticamente riscos aos usuários e à sociedade como um todo. Não há como afastar a atividade de risco inerente ao transporte de pessoas, via aérea, aplicando-se, portanto, a responsabilidade objetiva.
No mesmo sentido, o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece que o fornecedor de serviços é responsável por reparar danos causados aos consumidores. Isso inclui danos causados por defeitos na prestação de serviços, ou por informações insuficientes ou inadequadas.
Considerações finais
Foi percebido com a pesquisa em questão que a responsabilidade civil no transporte aéreo de pessoas com necessidades especiais está pautada em diversos documentos oficiais. O Código de Defesa do Consumidor, que tutela as relações de consumo, inclusive o transporte aéreo, diz se tratar de responsabilidade objetiva, portanto, não há que se falar em culpa, uma vez que, havendo ocorrência de dano material ou moral, a reparação deverá ser integral, tendo como prazo prescricional cinco anos, estabelecido no artigo 27, do CDC.
É certo afirmar que a democratização do acesso deve acontecer e que o desafio no atendimento de qualidade para pessoas com deficiência nos aviões deve ser cada vez menor. A legislação brasileira através de decisões judiciais responsabilizando as empresas pela negligência ou má prestação de serviços as PNAEs, demonstra que o país está buscando, ainda que de forma tímida, mais comprometimento na inclusão das pessoas com necessidades especiais.
Referências
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2013;
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
Decreto 3.298 de 20 de dezembro de 1999;
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11.ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2006.
Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989;
Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor;
Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil brasileiro;
Lei 13.146/2015;
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho; Novo Curso de Direito Civil – Contratos em Espécie. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
Resolução da ANAC 280 de 11 de julho de 2013;
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil: Lei no 10.406, de 10.01.2012, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
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