Prática Trabalhista

Instituição de pagamento x instituição bancária/financeira

Autores

  • é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

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  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

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20 de março de 2025, 10h13

Conforme já abordado nesta coluna em outra oportunidade [1], existem relevantes diferenças nas atividades comerciais exercidas pelas empresas ligadas ao ramo financeiro em atenção às normas legais e à jurisprudência. Ocorre, porém, que muitas são as dúvidas que ainda existem quando o assunto é instituição de pagamento em comparação com uma instituição bancária/financeira.

Nesse sentido, questiona-se: todo trabalhador que labore nesse ramo será considerado bancário/financiário? Quais são as atividades principais das instituições de pagamento? Pode uma empresa de instituição de pagamento atuar, v.g., como intermediária de operação de investimento?

Por certo, em razão das incertezas que envolvem o debate, a temática foi indicada por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [2], razão pela qual agradecemos o contato.

Instituição de pagamento x instituição financeira/banco

De início, impende destacar que há significativas diferenças nas atividades desempenhadas pelas instituições de pagamento em detrimento com aquelas desempenhadas pelas instituições bancárias/financeiras, não obstante todas elas integrem o Sistema Financeiro Nacional.

Por um lado, a Instituição de pagamento (IP) é a pessoa jurídica que viabiliza serviços de compra e venda, para além de movimentação de recursos, no âmbito de um arranjo de pagamento digital, sem, contudo, ter a possibilidade de conceder empréstimos e financiamentos a seus clientes [3]. Lado outro, banco é a instituição financeira especializada em intermediar o dinheiro entre poupadores e aqueles que precisam de empréstimos, além de custodiar (guardar) esse dinheiro. Ele providencia serviços financeiros para os clientes (saques, empréstimos, investimentos, entre outros) [4].

Claro está que tais empresas possuem escopos de serviços diferentes, pois conquanto a instituição de pagamento ofereça serviços de compra e venda, ou seja, recursos voltados para pagamentos digitais, as instituições bancárias vão muito além, podendo, por força de lei, ofertar empréstimos, financiamentos, dentre outros serviços aos seus clientes/consumidores.

Lição de especialista

Bem por isso, em razão de serviços semelhantes, há por certo dúvidas quanto ao enquadramento sindical dos trabalhadores de instituições de pagamento como bancários/financiários, os quais possuem jornada de trabalho diferenciada, assim como benefícios previstos em norma coletiva.

Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite [5]:

“O exercício das atividades tipicamente bancárias encontra-se no rol das profissões penosas extenuantes. A complexidade e a rapidez das tarefas bancárias, as responsabilidades decorrentes do manuseio de grandes somas, a posição ergonômica de trabalho, os riscos de acidentes emergentes do espantoso número de assaltos a bancos etc., provocam, ao fim de curto tempo, um maior desgaste físico e psíquico do empregado bancário. Problemas de sistema nervoso e os de LER – Lesões por Esforços Repetitivos – são de conhecimento notório, tendo em vista o considerável número de bancários levados à Previdência Social para obtenção de tratamento médico e licenças prolongadas. Tal quadro levou o legislador a estabelecer uma redução da duração normal do trabalho bancário para seis horas diárias ou 30 por semana admitindo a prorrogação somente e caráter excepcional até 8 horas diárias e não podendo ultrapassar 40 horas semanais”.

Legislação

De acordo com o artigo 6º, III, a Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, considera-se instituição de pagamento a pessoa jurídica que tenha como atividade principal ou acessória, alternativa ou cumulativamente: a) disponibilizar serviço de aporte ou saque de recursos mantidos em conta de pagamento; b) executar ou facilitar a instrução de pagamento relacionada a determinado serviço de pagamento, inclusive transferência originada de ou destinada a conta de pagamento; c) gerir conta de pagamento; d) emitir instrumento de pagamento; e) credenciar a aceitação de instrumento de pagamento; f) executar remessa de fundos; g) converter moeda física ou escritural em moeda eletrônica, ou vice-versa, credenciar a aceitação ou gerir o uso de moeda eletrônica; e h) outras atividades relacionadas à prestação de serviço de pagamento, designadas pelo Banco Central.

Spacca

A partir da análise da leitura de tal dispositivo legal, observa-se que conquanto os bancos detenham contas correntes e poupança para os seus cientes, para além de outros serviços tipicamente bancários, as instituições de pagamento não oferecem tais serviços, mas meras contas de pagamentos digitais. Logo, as instituições de pagamento podem atuar como emissora de cartões de débito/crédito e, ainda, servir como uma credenciadora, vale dizer, como uma empresa que habilita os estabelecimentos a aceitarem cartões.

Tribunal Superior do Trabalho

A propósito, a Corte Superior Trabalhista tem sido provocada a emitir juízo de valor em casos em que se discute se as atividades desempenhadas pelos trabalhadores em instituições de pagamento se enquadram como financiários ou bancários.

Para tanto, é salutar a transcrição do entendimento da ministra relatora envolvendo um caso concreto no qual se discutia esta importante questão [6]:

“As empresas operadoras de cartão de crédito não se qualificam, em regra, como instituições financeiras. Nos termos do art. 17 da Lei 4.595/1964, a caracterização de uma instituição como financeira é o desenvolvimento, por pessoa física ou jurídica, das atividades (principal ou acessória) de “coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.

A operação do sistema de cartões de crédito é baseada em um feixe de contratos distintos, com diversidade de partes: a) empresa operadora (administradora) do cartão, que emite o cartão de crédito e funciona como intermediadora entre os fornecedores de bens e serviços, entidades financeiras e os detentores dos cartões, responsabilizando-se pelo pagamento das faturas apresentadas e auferindo, neste contexto, uma comissão, bem como tarifas exigidas pela emissão do cartão; b) o conjunto de estabelecimentos associados, provedores de bens e serviços, que reconhecem os cartões de crédito como meio para realizar transações, recebendo as respectivas faturas, mediante a entrega da comissão acordada, diretamente da entidade operadora do cartão; c) os portadores de cartões, que celebram contrato com a administradora para a utilização do meio de pagamento, aderindo às cláusulas por ela delineadas.

Spacca

Participam, adicionalmente, bancos ou instituições financeiras, que, usualmente gerem as administradoras de cartões e, nesta circunstância, concedem empréstimos, com fundos próprios, para assegurar o pagamento das faturas apresentadas e, no cenário onde a operadora não está vinculada a um banco ou entidade financeira, estas instituições proporcionarão financiamento à empresa emissora do cartão, atuando esta como intermediária em operações financeiras.

Assim, as atividades de emissão e gestão do cartão de crédito podem também ser exercidas por instituição não-financeira. Nessa hipótese, as operadoras de cartão de crédito atuam apenas como intermediárias entre o usuário final, o estabelecimento comercial e as instituições financeiras fiscalizadas pelo Banco Central.

Nesse papel, caracterizam-se como instituição de pagamento, e não como instituição financeira. Nesse sentido, a Lei nº 12.865/2013 incluiu, entre as instituições de pagamento que integram o Sistema de Pagamentos Brasileiro, as que gerem contas de pagamento, com serviço de aporte ou saque de recursos; emitem instrumento de pagamento (a exemplo do cartão de crédito); credenciam a aceitação de instrumento de pagamento; executam remessa de fundos e convertem moeda física/escritural em moeda eletrônica entre outras atividades designadas pelo Banco Central”.

Conclusão

Por todo o exposto, claro está que as atividades desenvolvidas pelas instituições de pagamento são muito diversas daquelas realizadas pelas instituições bancárias/financeiras, notadamente porque, por vedação legal, não poderem realizar empréstimos e financiamentos. Mas isso não significa que haja impedimento para que tais empresas operem nas modalidades de (i) emissora de moeda eletrônica e (ii) emissora de instrumento de pagamento pós-pago. Portanto, tais empresas podem operar em conjunto com outras  instituições financeiras, ofertando os mais diversos serviços e produtos.

 


[1] Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-ago-22/enquadramento-sindical-de-empresas-ligadas-do-ramo-financeiro/ . Acesso em 18/03/2025.

[2] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[3] Disponível em https://www.bcb.gov.br/pre/composicao/instpagamento.asp?frame=1. Acesso em 18/03/2025.

[4] Disponível em https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/bancoscaixaseconomicas. Acesso em 18/03/2025.

[5] Curso de Direito do Trabalho. 14ª edição – São Paulo: Saraiva, 2022. Página 361.

[6] Processo 0100753-34.2020.5.01.0026, Ministra Relatora MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI, Quarta Turma, julgado em 06/02/2024, publicado em 16/02/2024.

Autores

  • é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista, sócio fundador de Calcini Advogados, com atuação estratégica e especializada nos tribunais (TRTs, TST e STF), docente da pós-graduação em Direito do Trabalho do Insper, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do comitê técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é advogado de Calcini Advogados. Graduação em Direito pela Universidade Braz Cubas. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP. Especialista em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC - IUS Gentium Coninbrigae), da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal). Pós-graduando em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Pesquisador do Núcleo de pesquisa e extensão: "O Trabalho Além do Direito do Trabalho" do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da USP, coordenado pelo professor Guilherme Guimarães Feliciano.

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