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STJ autoriza juiz a exigir documentos das partes se suspeitar de litigância abusiva

13 de março de 2025, 17h54

Por Danilo Vital

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Se há indícios de litigância abusiva por meio de ações falsas ou temerárias, o juiz pode exigir do advogado documentos complementares capazes de lastrear minimamente o pedido.

Decisão sobre litigância abusiva foi tomada em julgamento da Corte Especial do STJ

Essa conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que fixou tese vinculante sobre o tema em julgamento encerrado na tarde desta quinta-feira (13/3). A votação foi unânime, com divergência apenas sobre especificidades do caso.

O debate se centrou na necessidade de o juiz exercer o poder de cautela para impedir ações temerárias ou abusivas, mas sem que isso se torne um fator que impeça o amplo acesso à Justiça.

O fenômeno da litigância abusiva se configura quando advogados ajuízam ações de forma massiva, sem fundamento jurídico sólido, em busca de vantagens indevidas, congestionando o Judiciário.

Conforme a decisão desta quinta, quando identificar esse cenário, o juiz poderá, por exemplo, exigir procuração atualizada para que o advogado comprove que tem poderes para representar cada um dos litigantes.

Ele também poderá pedir cópias de contratos e de extratos bancários, em caso de demanda de Direito do Consumidor — terreno fértil para causas de massa, mas não necessariamente abusivas.

Essa exigência, porém, precisa observar a razoabilidade do caso concreto. A ideia é que a emenda da inicial não exija da parte informações ou atos que dificultem sua participação processual.

O uso do termo “litigância predatória” foi substituído no caso por “litigância abusiva” para se adequar à nomenclatura usada pelo Conselho Nacional de Justiça, que aprovou recomendação sobre o tema em 2024.

Tese aprovada

Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial afim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.

Sem abuso

A tese aprovada nesta quinta partiu da sugestão do ministro Moura Ribeiro, que não integra a Corte Especial (composta pelos 15 ministros mais antigos do STJ), mas participou do julgamento porque o caso foi afetado pela 2ª Seção, de Direito Privado.

O relator procurou expor a necessidade de contrabalancear a existência legítima de processos de massa com os abusos praticados por advogados.

Esses processos de massa derivam de casos sobre planos de saúde, fornecimento de energia, telefonia, Previdência Social e outros campos em que o desrespeito à lei e aos direitos do consumidor é praticado de maneira extensiva.

Isso não se confunde com o ajuizamento de processos infundados, com documentos falsos, muitas vezes à revelia dos cidadãos representados, um fenômeno que é experimentado em todo o país, como defenderam diversos centros de inteligência de tribunais estaduais.

A posição foi defendida por advogados de empresas e membros do Judiciário na audiência pública organizada pelo ministro Moura Ribeiro para subsidiar a análise do caso. A complementação de documentos deriva do poder de cautela do magistrado.

Controle do juiz

O voto de Moura Ribeiro ainda abordou uma preocupação manifestada pela advocacia, a de evitar complicações irrazoáveis por magistrados interessados em receber menos e menos processos.

Ele apontou que o risco de exigências judiciais excessivas sempre existe, mas deve ser controlado em cada processo. Esse temor, portanto, não pode servir de obstáculo para a adoção de boas práticas na condução judicial do feito.

Para evitar decisões genéricas, Moura Ribeiro retirou da tese exemplos de documentos que podem ser solicitados pelo julgador.

Em voto-vista, o ministro Humberto Martins propôs que os documentos a serem exigidos pelos juízes sejam apenas os previstos na lei processual, desde que isso não gere desrespeito às regras de distribuição do ônus da prova.

Esse trecho do julgamento, sobre a inclusão da distribuição do ônus da prova na tese, teve divergência no colegiado. Foram contra incluí-la os ministros João Otávio de Noronha, Raul Araújo, Isabel Gallotti e Ricardo Villas Bôas Cueva, que acabaram vencidos.

Também em voto-vista, o ministro Luis Felipe Salomão propôs acrescentar à tese que, passada a fase de conhecimento do processo, a regra deva ser a dispensa de novos documentos para o desenrolar do cumprimento da sentença. Essa sugestão acabou deixada de lado.

Amplo impacto

O tema é de amplíssimo impacto e diz respeito a demandas frívolas que ajudam a atolar um Poder Judiciário com mais de 80 milhões de causas em andamento. Por isso, Moura Ribeiro organizou audiência pública para ouvir os interessados.

O caso concreto julgado é o de um recurso contra um incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) analisado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que fixou a tese segundo a qual o juiz pode exigir a apresentação de novos documentos que entender pertinentes.

Como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, só em São Paulo, a litigância abusiva é responsável por 337 mil processos por ano.

Clique aqui para ler o voto do ministro Luis Felipe Salomão
REsp 2.021.665