Opinião

Lucros cessantes x teoria da perda de uma chance: incidência do imposto sobre a renda

Autor

  • é advogado tributarista mestrando Acadêmico pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e pelo IBDT e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP)SP e tem formação em Arbitragem Tributária em Lisboa pela mesma instituição onde é membro do grupo de pesquisa: “Métodos Adequados de Resolução de Conflitos em Matéria Tributária”.

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13 de março de 2025, 15h15

A Coordenação-Geral de Tributação da Receita Federal (Cosit) orientou, por meio da Solução de Consulta nº 29, de 29 de fevereiro de 2025, publicada em 7 de março de 2025, pela incidência do imposto de renda sobre auxílio financeiro mensal a pessoas atingidas por plano de ação de emergência de barragem de mineração, por possuir natureza substitutiva de remuneração e de lucros cessantes.

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O caso envolve um “conjunto de famílias atingidas pelo acionamento do Plano de Ação de Emergência da Barragem de Mineração (PAEBM), devido à declaração de situação de emergência nível 2 e, posteriormente em nível 3, conforme regulamentação da Agência Nacional de Mineração (ANM), da barragem de rejeitos do Complexo Minerário de Serra Azul, de propriedade da ArcelorMittal Brasil S.A. (AMB), em 8 de fevereiro de 2019”.

“Com o risco de rompimento da barragem, as famílias das comunidades de Pinheiros, Lagoa das Flores e Vieiras precisaram ser retiradas de suas casas e passaram a negociar com a mineradora a reparação integral aos danos, tanto os de natureza individual homogênea, quanto os de natureza coletiva e difusa, com apoio da Associação Estadual para Defesa Ambiental e Social (Aedas), entidade de assessoria técnica independente.”

Na consulta, as famílias afirmam ter “dúvidas quanto à incidência do imposto sobre a renda sobre valores pagos no âmbito dos acordos firmados pela ArcelorMittal e o Ministério Público, em decorrência do Plano de Ação de Emergência da Barragem de Mineração, denominados auxílio emergencial e prestação mensal”.

Entendimento da Cosit

Na resposta, a Cosit discorre sobre o conceito de renda, definido, segundo o órgão fazendário, no Código Tributário Nacional (CTN) e na literalidade de seu artigo 43, invocando também os princípios constitucionais da universalidade e da generalidade, previstos no artigo 153, § 2º, inciso I, da Constituição (CF/1988).

Além disso, extrai do CTN os artigos que tratam da legalidade tributária (artigo 97) e da interpretação e integração da Legislação tributária (artigos 108 a 111), além de transcrever trechos do Termo de Acordo Preliminar Extrajudicial (TAP), e do Termo de Acordo Complementar (TAC), firmados pela ArcelorMittal e o Ministério Público.

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O órgão fazendário afirma que a compensação por ganho que se deixou de auferir pela não fruição de um bem ou direito se caracteriza como lucros cessantes, mais especificamente pela não obtenção da renda que se esperava obter em condições normais, independentemente do desalojamento decorrente de acionamento do PAEBM, ante risco de rompimento de barragem, socorrendo-se ainda da Solução de Consulta Cosit nº 258, de 2019, para fundamentar seu posicionamento.

Em vista disso, concluiu que os valores pagos a título de auxílio emergencial e prestação mensal se adequam ao conceito de renda ou provento de qualquer natureza, devendo ser tratados como rendimentos tributáveis e sujeitos à retenção na fonte, na forma do artigo 43 do CTN e dos artigos 35, 677 e 701 do Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018).

Lucros cessantes x teoria da perda de uma chance

De pronto, cumpre ressaltar que a discussão acerca da diferença entre lucros cessantes e a teoria da perda de uma chance não é meramente conceitual. O tema reflete diretamente na incidência ou não do imposto de renda sobre os valores recebidos. Para melhor compreensão do assunto, vejamos os conceitos separadamente, para então, identificar a diferença.

  • Lucros cessantes

Nos termos do Código Civil (CC), os lucros cessantes são uma espécie de prejuízo (perdas e danos), que “consiste no que a pessoa deixou de receber ou lucrar em razão de um ato ou evento que lhe causou danos” (TJ-DFT, 2022). É o que se depreende da leitura do artigo 402 do CC, que estabelece: “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”

Ou seja, os lucros cessantes representam aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor. Significa que, para haver lucros cessantes, a atividade geradora dos lucros deve ter sido iniciada ou impedida de se iniciar apenas e tão somente em decorrência do ato ilícito, “sem o qual não é possível aferir a probabilidade de que os lucros reclamados de fato ocorreriam.” (STJ, 2020)

Dito de outro modo, “os lucros cessantes representam aquilo que, após o fato danoso, deixou o ofendido de receber à luz de uma previsão objetiva, que não se confunde com meras hipóteses. Dependem, portanto, para sua concessão, da preexistência de circunstâncias e de elementos seguros que, concreta e prontamente, demonstrem que a lucratividade foi interrompida ou que não mais se iniciaria em decorrência especificamente do infortúnio, independente de outros fatores” (STJ, 2020).

  • Teoria da perda de uma chance

A teoria da perda de uma chance, também chamada de oportunidades perdidas, não está expressa em lei, mas, segundo o entendimento dos tribunais, “é a indenização decorrente de ato ilícito que retirou da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor”. (TJDFT, 2022)

De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino no julgamento do REsp 1.291.247, a característica essencial da perda de uma chance é a certeza da probabilidade. “A chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível”, destacou. (STJ, 2020)

Em seu voto no julgamento do REsp 1.750.233, a ministra relatora, Nancy Andrighi, enfatizou que a perda de uma chance “traz em si a ideia de que deve ser indenizado o ato ilícito que priva a pessoa da oportunidade de obter uma situação futura melhor”. É possível dizer que “nos lucros cessantes há a certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há a certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem”. (STJ, 2020)

No julgamento do REsp 1.540.153, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que na configuração da responsabilidade pela perda de uma chance não se responsabilizará o agente causador por um dano emergente, ou por eventuais lucros cessantes, “mas por algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado”.(STJ, 2020)

Riqueza nova e indenização por perda

De acordo com os conceitos abordados, é razoável concluir que os lucros cessantes, por abranger, além do que o credor efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar, possui natureza de riqueza nova, passível de ter uma parcela captada pelo Estado por meio da cobrança de tributos.

Não se admite lucros cessantes sem comprovação, pois nessa hipótese serão meros lucros hipotéticos, remotos ou presumidos, incluídos nessa categoria aqueles que supostamente seriam gerados pela rentabilidade de atividade que sequer foi iniciada. Uma vez comprovados, portanto, configuram riqueza nova, diferentemente da indenização por perda. (STJ, 2019)

Já na oportunidade perdida a natureza é de indenização, com base na teoria da perda de uma chance. Adotada no âmbito da responsabilidade civil, essa teoria considera que quem, de forma intencional ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de um dado benefício deve responder pelo fato. (STJ, 2020)

De aplicação normalmente complexa, a teoria da perda de uma chance como dever de indenizar é continuamente analisada em diversos contextos e tem tido ampla aceitação na jurisprudência do STJ. O objeto da indenização é justamente a chance perdida, em função da existência de um dano certo e específico pela perda da oportunidade, determinando-se o arbitramento da indenização em conformidade com a maior ou menor probabilidade de sucesso. (STJ, 2020)

A teoria da perda de uma chance traz em si a ideia de que o ato ilícito que tolhe de alguém a oportunidade de obter uma situação futura melhor gera o dever de indenizar. A teoria, desenvolvida na França (la perte d’une chance), tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda. (STJ, 2020)

Incidência do imposto sobre a renda

O STJ já decidiu que os lucros cessantes não constituem mera recomposição de patrimônio do contribuinte, pois têm a função de remunerá-lo antecipadamente pelo acréscimo patrimonial que deixou de obter. No julgamento do REsp 1.900.807, a ministra Assusete Magalhães se pronunciou pela incidência de imposto de renda sobre lucros cessantes, por representar parcela de natureza remuneratória, “isto é, por representar indiscutível acréscimo patrimonial, por se cuidar de obtenção de riqueza nova, que seria tributada se não houvesse o evento danoso”.

No que se refere à perda de uma chance, enquadrada como indenização “por perda”, é possível inferir que ela não estaria sujeita ao imposto sobre a renda, ressalvado o entendimento do STJ no Tema Repetitivo 397, segundo o qual “a incidência do imposto de renda tem como fato gerador o acréscimo patrimonial (artigo 43, do CTN), sendo, por isso, imperioso perscrutar a natureza jurídica da verba percebida, a fim de verificar se há efetivamente a criação de riqueza nova”.

Já no Tema Repetitivo 370, o STJ deixou claro que “não incide imposto de renda sobre o valor da indenização paga a terceiro”. Destacou ainda que essa ausência de incidência não depende da natureza do dano a ser reparado. Qualquer que seja a “espécie de dano (material, moral puro ou impuro, por ato legal ou ilegal) indenizado, o valor concretizado como ressarcimento está livre da incidência de imposto de renda. A prática do dano em si não é fato gerador do imposto de renda por não ser renda. O pagamento da indenização também não é renda, não sendo, portanto, fato gerador desse imposto”.

Conclusão

A Receita Federal sustenta que há incidência do imposto de renda sobre auxílio financeiro mensal pago a pessoas atingidas por plano de ação de emergência de barragem de mineração, por possuir natureza substitutiva de remuneração e de lucros cessantes.

O STJ decidiu que os lucros cessantes não constituem mera recomposição de patrimônio do contribuinte, pois têm a função de remunerá-lo antecipadamente pelo acréscimo patrimonial que deixou de obter. Representam um lucro futuro que poderia advir, caracterizando riqueza nova e, consequentemente, parcela uma parcela tributável.

Contrapondo-se aos lucros cessantes, as oportunidades perdidas passíveis de reparação, também chamadas de teoria da perda de uma chance, não encontram previsão em lei, mas, segundo o entendimento dos tribunais, se relacionam à indenização decorrente de ato ilícito que retirou da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor.

Na perda de uma chance, o objeto da indenização é justamente a chance perdida, em função da existência de um dano certo e específico pela perda da oportunidade, determinando-se o arbitramento da indenização em conformidade com a maior ou menor probabilidade de sucesso.

O STJ definiu que não incide imposto de renda sobre o valor a título de indenização. Essa ausência de incidência independe da natureza do dano a ser reparado. Qualquer que seja a espécie de dano indenizado (material, moral puro ou impuro, por ato legal ou ilegal), o valor concretizado como ressarcimento está livre da incidência do imposto sobre a renda.

É evidente que a apuração de responsabilidades e caracterização da natureza da verba a ser paga pelo causador do dano é matéria complexa, disciplinada pelo direito civil. Por essa razão, qualquer definição acerca da tributação dos valores recebidos pelo ofendido deve considerar todas as possibilidades de enquadramento, sob pena de se interpretar o direito tributário de forma a modificar o conteúdo e o alcance de institutos regulados pelo direito privado, situação vedada pelo CTN.

Autores

  • é mestre em Direito pela EPD-SP, especialista em Direito Empresarial pela FGV-SP e em Direito Tributário pela PUC-SP, pesquisador do Grupo Métodos Adequados de Solução de Conflitos em Matéria Tributária da FGV Direito SP e advogado tributarista.

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