A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça começou a julgar nesta quarta-feira (12/3) um caso que pode alterar a orientação sobre a presunção do crime de estupro de vulnerável contra menor de 14 anos.

Turmas criminais do STJ vêm admitindo exceções em casos de estupro de vulnerável presumido
Até o momento, só o relator, ministro Sebastião Reis Júnior, votou. Pediu vista o ministro Rogerio Schietti.
O processo trata de uma das hipóteses em que o crime é afastado pelas instâncias ordinárias por causa das especificidades do caso concreto: houve um relacionamento entre maior de idade e menor de 14 anos, que não resultou em condenação.
A conduta é tipificada no artigo 217-A do Código Penal e prevê pena de oito a 15 anos de reclusão. Segundo a própria 3ª Seção, o crime é presumido: basta que a vítima seja menor de 14 anos.
Isso significa que elementos como consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso com o réu não afastam a condenação (Tema 918 dos recursos repetitivos). Essa posição gerou a Súmula 593 do STJ.
Na prática, porém, as turmas criminais volta e meia passam por cima dessa orientação, embora em número percentualmente ínfimo. Isso ocorre quando os elementos do caso concreto mostram que a condenação não seria recomendável.
Por outro lado, há casos em que mesmo a constituição de família entre vítima e réu é insuficiente para a absolvição. Mais do que isso: pode ser até fator a reforçar o crime, pela sexualização precoce do menor de idade.
Estupro de vulnerável e fator etário
O caso dos autos é de um homem de 22 anos que iniciou um relacionamento amoroso com uma menina de 13, o qual perdurou por meses. Eles viveram juntos na casa dos pais da vítima, relação só encerrada por causa da ação penal.
A denúncia foi feita pelo conselho tutelar local, que recebeu a informação de que vítima e réu viviam como casados. A sentença não reconheceu qualquer violência, sendo que a responsabilidade discutida decorre unicamente do fator etário.
Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior votou por validar a interpretação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que absolveu o réu. Isso porque rever o caso demandaria reexame de fatos e provas, medida inviável no STJ.
Seu voto destacou que, para que o fato seja considerado criminalmente relevante, não basta a mera subsunção formal a um tipo penal. É preciso considerar o desvalor da conduta e a extensão da lesão ao bem jurídico tutelado pela lei.
Constitucionalidade da lei
O recurso especial foi afetado à 3ª Seção por sugestão do ministro Og Fernandes. Na 6ª Turma, ele votou por dar provimento ao recurso do Ministério Público e condenar o réu pelo crime de estupro de vulnerável.
Alternativamente, propôs o envio dos autos à Corte Especial do STJ, para discutir a inadequação formal do artigo 217-A do Código Penal — composta pelos 15 ministros mais antigos da casa, a Corte Especial é o único órgão que pode fazer controle difuso de constitucionalidade.
Em uma terceira alternativa, que acabou aceita, ele sugeriu o envio do caso à 3ª Seção para reavaliação da tese repetitiva e da Súmula 593.
Na ocasião, o ministro Schietti concordou que, em casos de estupro de vulnerável, o STJ não estava cumprindo sua principal função, que é dar estabilidade à interpretação da lei federal.
O ministro Antonio Saldanha Palheiro, que não votará no caso por ser o presidente da 3ª Seção, ponderou na 6ª Turma que é preciso avaliar qual é a finalidade da pena por estupro de vulnerável, que não é só retributiva.
“Há casos de casal com família constituída, filhos, e depois de seis, sete anos de processo, com convivência contínua, aí se retira o autor do fato da convivência para cumprir oito, nove anos em regime fechado. Não creio que a finalidade da pena esteja contemplada.”
REsp 2.045.280