Cada um por si

Acesso de golpistas a dados cadastrais, por si só, não gera dever de indenizar pelo banco

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12 de março de 2025, 8h53

O fato de criminosos estarem em posse de dados cadastrais do cliente de um banco, por si só, não representa falha na prestação de serviço, nem justifica a indenização à vítima do golpe.

TJ-SP revogou condenação de um banco ao pagamento de indenização de danos morais ao julgar recurso do autor do processo

Golpistas enganaram correntista depois de entrarem em contato com ela em posse de seus dados cadastrais

Essa conclusão é da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que rejeitou a condenação de um banco por causa da ocorrência do chamado “golpe do motoboy”. A votação foi por 3 votos a 2.

O julgamento foi encerrado nesta terça-feira (11/3), com voto de desempate do ministro Antonio Carlos Ferreira, que foi convocado da 4ª Turma porque, quando o empate foi formado, a 3ª Turma estava desfalcada.

O precedente é relevante porque indica como o colegiado deve tratar os casos de responsabilização das instituições financeiras quando seus clientes são alvos de golpes de engenharia social.

Golpe do motoboy

O caso concreto é de uma mulher, idosa e em tratamento de grave doença, que foi enganada por golpistas. Eles entraram em contato com ela e a convenceram a instalar um programa em seu computador para permitir o acesso remoto.

Esse ato levou os criminosos a obter a senha para acesso ao aplicativo do banco. Com esses dados em mãos, fizeram transações de mais de R$ 16 mil, que não foram bloqueadas ou informadas pela instituição.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o pedido de indenização por danos materiais e morais. Essa posição prevaleceu no julgamento da 3ª Turma, com o voto divergente do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva tendo sido acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro e Antonio Carlos Ferreira.

Apenas dados cadastrais

Para a corrente vencedora, não há confirmação da falha na prestação do serviço porque, até o momento do acesso remoto ao computador da vítima, os golpistas tinham apenas dados que não são exclusivos dos bancos.

O ministro Cueva destacou que, conforme o acórdão do TJ-MG, a vítima relatou que só após o acesso remoto dos golpistas ao computador dela é que eles descobriram informações sobre contas, TEDs e demais operações bancárias.

“Não há nada que faça crer ter havido violação do sistema do banco de modo a fundamentar a falha na guarda segura dos dados sensíveis”, afirmou Cueva.

Nesta terça, o ministro Antonio Carlos Ferreira apontou que a compra foi feita com inserção de código secreto, servindo-se de parcelamento e com valores comportados pelo crédito que o banco disponibilizou para a vítima.

“Diante desse procedimento astuto dos criminosos, que usaram elaborado golpe, foi disfarçada a excepcionalidade da operação, reduzindo evidências sobre irregularidades”, disse ele, destacando que, em hipóteses assemelhadas, o STJ afastou a responsabilidade do banco.

Falha do banco

Ficou vencida a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, acompanhada pelo ministro Humberto Martins. Para eles, o banco deve ser condenado porque falhou na guarda segura dos dados da cliente. Além disso, os protocolos de autenticação de operações e comunicação com o cliente se mostraram falhos ao não identificar as transações suspeitas.

Somam-se a isso a insuficiência dos mecanismos de identificação de idoneidade das compras feitas online e o fato de a vítima ser pessoa hipervulnerável — idosa e em tratamento de câncer.

“O golpe do motoboy pressupõe a aquisição, de forma ilegal, de dados dos correntistas, que não são ou não deveriam ser de acesso público. Não deveria ser pública a informação sobre em quais bancos um correntista possui contas cadastradas”, disse a ministra.

Em sua análise, a lei não prevê o comércio de dados cadastrais bancários como excludente de sigilo. Quando a vítima é contatada, o vazamento de dados cadastrais já ocorreu. Assim, é irrelevante que o cartão e a senha tenham sido entregues por ela para os golpistas, pois o banco já havia falhado na proteção dos dados.

“Se o Poder Judiciário não proteger o consumidor vítima desse duplo ilícito — o vazamento de dados e o estelionato —, dificilmente haverá incentivo aos bancos para melhorarem seus sistemas de segurança”, acrescentou a ministra.

REsp 2.155.065

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