Consultor Jurídico

A importância do apoio técnico para as mediações fundiárias coletivas

12 de março de 2025, 20h40

Por Agenor de Andrade

imprimir

No dia 18 de fevereiro de 2025, em sessão plenária do Conselho Nacional de Justiça, foi assinado o acordo de cooperação técnica (ACT) nº 16/2025 pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça, Luís Roberto Barroso, pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, e pelo reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Gilmar Pereira da Silva.

O acordo de cooperação técnica firmado entre o CNJ, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e a UFPA tem como objetivo principal a implementação da Resolução nº 510/2023 do CNJ [1] nos estados da Amazônia Legal. Essa resolução estabelece diretrizes para a realização de visitas técnicas em áreas de conflitos fundiários e institui protocolos para ações judiciais de despejo e reintegração de posse.

A Resolução nº 510/2023 regulamenta a atuação das comissões, que poderá ter seu trabalho aprimorado com o apoio técnico proporcionado pelo acordo, sendo o ACT um mecanismo de concretização de várias diretrizes estabelecidas na própria resolução.

O artigo 1º, § 4º, inciso IV, dispõe sobre a necessidade de as Comissões Regionais interagir permanentemente com as universidades e o artigo 2º, § 3º, estabelece que a Comissão Regional poderá contar com equipe multidisciplinar, sendo possível a cooperação interinstitucional com outras entidades.

Nesse sentido, a iniciativa busca proporcionar suporte técnico e institucional às Comissões de Soluções Fundiárias dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs e TRTs), fornecendo capacitação, diretrizes metodológicas e apoio especializado na condução de mediações complexas. O acordo viabiliza o aprimoramento das práticas de diálogo interinstitucional e participativo, essenciais para a construção de soluções pacíficas e sustentáveis em disputas envolvendo terras rurais e urbanas.

O apoio técnico previsto no ACT permitirá às Comissões de Soluções Fundiárias atuar com maior eficiência na prevenção e resolução de conflitos, promovendo a regularização fundiária, a segurança jurídica e a proteção dos direitos das comunidades envolvidas. Além disso, a colaboração entre os órgãos signatários possibilita o desenvolvimento de estratégias inovadoras para reduzir a judicialização de litígios fundiários, garantindo maior celeridade e efetividade na mediação desses casos.

O acordo prevê o apoio técnico-científico para as Comissões Regionais de Soluções Fundiárias, com o intuito de melhorar a mediação coletiva de conflitos fundiários. Isso inclui a realização de diagnósticos, a sistematização de demandas e a criação de indicadores para monitorar a eficácia das políticas de mediação.

O instrumento em questão tem como objetivo central fortalecer a governança fundiária e promover a pacificação social, por meio da implementação e disseminação de metodologias eficazes de mediação coletiva de conflitos fundiários. A proposta visa não apenas aprimorar os mecanismos já existentes, mas também ampliar e consolidar a atuação das Comissões de Soluções Fundiárias, tanto em nível regional quanto nacional, garantindo que essas instâncias disponham dos recursos e do suporte técnico indispensáveis para lidar com disputas fundiárias de alta complexidade.

O foco do instrumento está direcionado, sobretudo, para questões ambientais, climáticas e territoriais, que frequentemente envolvem múltiplos atores, como comunidades tradicionais, pequenos agricultores, grandes proprietários, órgãos ambientais e empresas do setor produtivo. Nesse contexto, torna-se essencial estruturar processos de mediação que considerem a diversidade de interesses em jogo, assegurando que as negociações ocorram de maneira justa, equilibrada e orientada para soluções de longo prazo.

Além disso, o instrumento pretende fortalecer as capacidades institucionais das Comissões de Soluções Fundiárias, garantindo que mediadores e demais agentes envolvidos disponham de ferramentas adequadas para conduzir mediações coletivas com eficiência e efetividade. A iniciativa assume especial importância na região amazônica, onde os conflitos fundiários são historicamente intensos e muitas vezes ligados a dinâmicas de desmatamento, mudanças climáticas e pressão sobre territórios indígenas e áreas de conservação.

Por meio da assistência técnica às Comissões de Soluções Fundiárias, as equipes multiprofissionais poderão fornecer instrumentos cartográficos, georreferenciais e registrais que possam servir de apoio para limitar as pretensões e identificação das sobreposições de interesses.

A UFPA, por meio de sua Clínica Multivercidades, desempenhará o papel de realização de diagnósticos preliminares e na articulação de cooperação entre as universidades da Amazônia Legal, fornecendo subsídios técnicos qualificados para as Comissões e sendo responsável por capacitar outros núcleos técnicos de universidades federais para atuação e diagnóstico de áreas próximas ao conflito. A clínica já possui expertise em promover atividades práticas, pesquisas e formação continuada de melhoria de políticas públicas de ordenamento territorial na Amazônia Legal, direito à moradia e às cidades justiça socioambiental, em conjunto com as instituições populações beneficiárias.

O acordo tem abrangência nos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins), onde os conflitos fundiários são intensos e estão frequentemente associados a questões ambientais, climáticas e de violência.

O público-alvo direto são os tribunais e instituições de ensino superior da região, mas os benefícios indiretos alcançam populações vulneráveis, como comunidades tradicionais, indígenas e ribeirinhas, que sofrem com conflitos territoriais e a falta de acesso à justiça.

Spacca

A concretização desse acordo demonstra um grande avanço na qualidade técnica para a realização das mediações coletivas fundiárias, tendo em vista que seu objetivo é melhorar no acesso às informações para o tratamento de conflitos fundiários coletivos, especialmente em casos complexos. A mediação coletiva é vista como uma estratégia essencial para resolver conflitos de forma consensual, promovendo o diálogo entre as partes envolvidas e evitando a judicialização desnecessária.

Esse instrumento normativo demonstra a importância de sistematizar a demanda por meio da mediação coletiva com a criação de indicadores para monitorar a política permanente de mediação de conflitos fundiários e consolidar fluxos e indicadores para a implementação de políticas de acesso à justiça na Amazônia Legal, com foco em questões fundiárias, ambientais e climáticas.

A mediação de conflitos coletivos agrários e urbanos exige uma abordagem multidisciplinar, que alia conhecimento jurídico, técnico e social para a construção de soluções eficazes e duradouras. A assistência técnica especializada desempenha um papel fundamental nesse processo, oferecendo suporte para a delimitação da área em disputa, obtenção de informações qualificadas e aplicação de ferramentas da mediação. Esses elementos são essenciais para garantir a condução eficiente do procedimento e para assegurar que as partes envolvidas tenham um entendimento claro da realidade do conflito e das possíveis alternativas de resolução, permitindo-se identificar, com a espacialização detalhada, os limites da disputa e os diferentes interesses possessórios em jogo.

A primeira etapa fundamental da mediação coletiva agrária e urbana consiste na delimitação da área sob conflito e na identificação dos interesses possessórios. Esse mapeamento possibilita compreender quais grupos estão envolvidos, quais territórios são reivindicados e quais são as sobreposições de direitos. Por meio da assistência técnica, é possível utilizar ferramentas cartográficas, registros fundiários e levantamentos socioeconômicos para estabelecer os limites da área em disputa e determinar os vínculos históricos e sociais das comunidades com o território.

A definição espacial clara da área em conflito evita distorções, amplia a transparência no processo e reduz o risco de decisões equivocadas. Além disso, permite que o mediador tenha uma visão ampla das dinâmicas territoriais e das condições específicas de cada parte envolvida, facilitando a criação de soluções adequadas e equitativas.

Mediação como pilar da governança fundiária

Outro aspecto essencial da assistência técnica é a coleta e análise de informações qualificadas que subsidiam a interpretação jurídica do conflito. Os conflitos agrários e urbanos muitas vezes envolvem questões fundiárias complexas, sobreposições de direitos e divergências quanto à posse e propriedade da terra. Para que o procedimento de mediação seja bem fundamentado, é indispensável a obtenção de documentos como: registros cartoriais e fundiários, que demonstram a cadeia dominial da propriedade; laudos técnicos e relatórios ambientais, que indicam a vocação da terra e eventuais restrições legais; histórico de ocupação e relação social com a terra, essencial para compreender os vínculos históricos das comunidades com a área em disputa; legislação aplicável, incluindo normas de regularização fundiária e políticas públicas voltadas à solução dos conflitos, entre outros.

O acesso a esses dados permite ao mediador compreender a complexidade das demandas e dos direitos envolvidos, garantindo que a mediação seja conduzida com base em elementos concretos e alinhada com a realidade do conflito.

No mesmo sentido, a identificação dos interesses possessórios é fundamental para compreender as motivações e as necessidades de cada grupo envolvido, facilitando a busca por soluções que atendam a todos e com a possibilidade de fornecimento de informações qualificadas sobre o histórico do conflito, as legislações aplicáveis e os aspectos socioeconômicos da região. Essas informações subsidiam a interpretação jurídica do conflito e permitem que os mediadores e as partes envolvidas tomem decisões informadas e conscientes. Além de que a coleta de dados e a produção de laudos técnicos imparciais contribuem para a transparência e a credibilidade do processo de mediação.

Por fim, a assistência técnica também é crucial para a aplicação de ferramentas da mediação, que ajudam a guiar as partes na construção de acordos sustentáveis. Duas das técnicas mais relevantes nesse contexto são o teste de realidade e a geração de opções.

O teste de realidade consiste em fazer com que as partes avaliem os impactos práticos das suas decisões e expectativas. Muitas vezes, os envolvidos nos conflitos possuem percepções distorcidas sobre seus direitos ou sobre as consequências de determinadas escolhas. A assistência técnica contribui com dados objetivos que ajudam a demonstrar os riscos de um litígio prolongado e os benefícios da solução consensual, proporcionando uma visão mais pragmática da disputa.

A geração de opções, por sua vez, busca ampliar o leque de alternativas viáveis para a solução do conflito, incentivando as partes a explorarem possibilidades além do simples “ganha-perde”. A assistência técnica é essencial nesse momento, pois fornece informações sobre regularização fundiária, compensações territoriais, reassentamentos e políticas públicas disponíveis, permitindo que as soluções construídas sejam inovadoras e viáveis.

O acordo de cooperação técnica representa um marco na articulação entre o Poder Judiciário e demais instituições, reforçando o compromisso com a pacificação social e o fortalecimento da justiça multiportas na solução de conflitos coletivos agrários e urbanos. Dessa forma, ao oferecer suporte técnico e metodológico para a realização de mediações coletivas eficazes, o instrumento contribui diretamente para a redução da judicialização dos conflitos, a prevenção de disputas violentas e a construção de soluções sustentáveis e pacíficas, consolidando a mediação como um pilar essencial da governança fundiária na Amazônia e em outras regiões do país.

 


Referências

 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 510 de 26 de junho de 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original13433320230628649c3905c2768.pdf.

[1] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 510 de 26 de junho de 2023. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original13433320230628649c3905c2768.pdf. Acesso em 27/02/2025.