Fábrica de Leis

Reflexões sobre um 'novo obstruir parlamentar'

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  • é doutor em Direito Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás (UFG) pós-graduado em Ciência da Legislação e Legística pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) pós-graduado em Direito Constitucional (UFG) bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (FDF) com formação complementar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC) analista de Processo Legislativo e Gestão na Câmara dos Deputados com lotação na Assessoria de Plenário do Partido Liberal professor da Pós-Graduação em Direito Legislativo (IDP) ex-professor substituto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) ex-procurador municipal e associado à International Association of Legislation (IAL).

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11 de março de 2025, 12h19

Este artigo pretende se debruçar sobre contemporâneas nuances da atuação parlamentar, com novas formas de “obstruir” o trâmite legislativo, em que trago três exemplos que servem para iluminar a compreensão dos novos tempos, e que apesar da distância geográfica, guardam semelhanças entre si.

Para tanto, exponho reflexões levantadas na tese de doutorado no programa de pós-graduação em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais (2024), e apresento alguns outros questionamentos que permeiam os estudos para futuras incursões. Desde já agradeço a oportunidade e o convite para a escrita pelo amigo Victor Marcel.

Obstrução parlamentar é um tema que gradativamente tem sido de interesse em estudos acadêmico-científicos. Entretanto, a dificuldade em estudá-lo reside em diversos fatores, principalmente formas variadas de incidência e dinamismo nas práticas legislativas, muitas vezes não registradas ou mesmo conhecidas por quem se debruça sobre a sua (não) efetividade.

O primeiro óbice à pesquisa sobre práticas obstrucionistas é a sua própria definição. Bell (2017), uma das estudiosas que mais se debruça sobre o tema em um período recente, relata ser quase impossível chegar a uma definição que descreva exaustivamente todo tipo de manobra parlamentar que poderia ser usada por membros de parlamentos para impedir o progresso do trâmite legislativo.

Expõe, ainda, que Rutherford (1914), por exemplo, distinguiu entre formas conscientes e inconscientes de obstrução — a última, ele argumentou, era um subproduto de condições políticas nas quais o comportamento parlamentar normal inadvertidamente resultava no atraso da execução da agenda legislativa.

Em Bell, com referência a Bücker (1989, 231), encontramos uma concepção globalmente adotada: “a obstrução não consiste em uma violação formal das regras de procedimento; é uma conduta que, em termos formais, está em conformidade com as regras processuais, mas ainda constitui um abuso das formas. Como regra, tal abuso é projetado para atrasar ou impedir decisões parlamentares”.

Então, em suma, obstrução se trata de um instrumento formal e previsto regimentalmente em países como EUA e Brasil, do qual se valem, principalmente, as minorias parlamentares para prorrogar votações de determinadas proposições na tentativa de mudar a situação política sobre aquele tema em específico, visando, por exemplo, ganho de tempo, obtenção de novos votos contrários ou favoráveis etc., ressaltando o seu caráter legal e institucional.

Em sua autobiografia intitulada Uma Terra Prometida, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama reserva uma parte do livro à descrição de algumas obstruções no Congresso que sofrera durante seu mandato.

Reconhece tanto a institucionalização da prática quanto a dificuldade em se lidar com ela, ao mencionar que “também precisava enfrentar uma artimanha institucionalizada nos procedimentos — a obstrução no Senado — que, ao fim e ao cabo, se tornaria a dor de cabeça política mais crônica de meu governo” [1].

Há adeptos e opositores à obstrução parlamentar. Se por um lado se defende a possibilidade de minorias reagirem às maiorias decisórias, a fim de evitar eventual “ditadura da maioria”, por outro critica-se justamente que um pequeno grupo de parlamentares possa suspender importante processo político decisório, a desrespeitar, portanto, o princípio democrático, a constituir abuso de direito.

Sobre a utilização de táticas parlamentares específicas, Nascimento (2021) considera a obstrução como “todas as formas, regimentais ou não, de retardar a discussão parlamentar, notadamente com o propósito de impedir que o projeto de lei seja aprovado pelas maiorias”. Elenca para tanto algumas de suas principais formas no Brasil:

1) impedir a formação do quórum para a abertura da sessão através do não comparecimento ou o não registro da presença;

2) requerimento de verificação de quórum a fim de derrubar a sessão, ou mesmo protelar as votações em si;

3) requerimento de votação nominal;

4) a obstrução propriamente regimental (ou legítima) declarada pelo líder em processo de votação nominal;

Para além destas, cita inscrição para uso da palavra, apresentação de emendas, pedido de vista, destaque para votação em separado, requerimentos para adiar discussão e/ou votação, bem como para realização de audiências, em que o processo retornaria às comissões.

ConJur

Globalmente, várias práticas são conhecidas como essencialmente obstrucionistas, como o Filibustering (filibusterismo), em que os senadores nos EUA discursam por horas a fio a fim de retardar o processo legislativo, ou mesmo a prática de gyuho, no Japão, que permite aos legisladores se moverem o mais lentamente possível para dar seus votos, atrasando assim o processo legislativo.

Mas vamos à análise de alguns casos atuais a que me referi no início.

Três exemplos

Recentemente foram noticiados momentos de tensão no parlamento sérvio, quando deputados da oposição lançaram bombas de fumaça e sinalizadores a fim de interromper os trabalhos legislativos e que o governo aprovasse novas leis momentos antes de deixar o poder.

“Acreditamos que um governo de saída não pode propor leis”, disse Radomir Lazović, da Frente Verde-Esquerda, em um discurso antes que os oposionistas jogassem bombas de gás e granadas de fumaça no parlamento sérvio [2].

O ocorrido se deu em concomitância a várias outras manifestações populares e parlamentares em razão da crise política vivenciada pelo primeiro-ministro sérvio, cuja renúncia estava pendente de aprovação pelo parlamento.

O que se viu não foi a utilização procedimental e institucional para o atraso do trâmite legislativo, mas sim a deturpação na utilização de prerrogativas parlamentares para a declaração de insatisfação e instauração do caos, como definido em alguns meios de imprensa.

Ainda, recentemente [3] na Câmara dos Deputados brasileira, houve suspensão da sessão em razão de manifestações veementes por parlamentares de esquerda e direita que se valeram de cartazes e gritos, xingamentos e interrupções à fala de deputados(as) contrários, com prorrogação do tempo de fala por sucessivas vezes ao então deputado orador.

No mesmo sentido deste ocorrido, relata-se a ocupação da Presidência da Mesa por parlamentar sem competência e atribuições para tal, para se posicionar contra a votação de requerimento de urgência do projeto de lei que aprovara a reforma trabalhista em 2017. Famosa a frase: “Com a palavra o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), relator dessa desgraça!”

E por último, o exemplo do parlamento da Nova Zelândia, quando os trabalhos legislativos foram temporariamente interrompidos por parlamentares que realizavam a dança haka, em meio à indignação com um projeto de lei controverso que buscava reinterpretar o tratado de fundação do país com o povo maori.

À ocasião, a deputada oposicionista Hana-Rawhiti Maipi-Clarke deu início à tradicional dança após ser questionada se seu partido apoiava o projeto de lei, claramente contrários aos interesses do seu povo, reconfigurando antigo tratado com a corte britânica. Assista aqui.

Nos três exemplos acima, a obstrução e posicionamentos políticos não se deram através de falas intermináveis, esvaziamento de sessão ou mesmo apresentação de requerimentos. O denominador comum de todos os casos relatados é a utilização de práticas comportamentais para a delonga do trâmite legislativo, e não votação de proposições específicas, ou mesmo manifestações de contrariedade entre grupos parlamentares opostos.

Em tempos de transmissões simultâneas na mídia especializada, inclusive com canais institucionais como a TV Câmara, e larga utilização das redes sociais por parlamentares, mesmo durante as sessões, com resposta simultânea do público-alvo, fiquemos atentos e de olho em novas práticas de obstrução e interatividade parlamentares, para muito além das previstas constitucional, legal e regimentalmente nas Casas Legislativas.

 


Referências

BELL, Lauren (2010). Filibustering in the U.S. Senate. Amherst: Cambria Press. Edição do Kindle.

BELL, L. C. (2018). Obstruction in parliaments: a cross-national perspective. The Journal of Legislative Studies, 24(4), 499–525.

NASCIMENTO, Roberta Simões (2021). 13 táticas parlamentares para aprovação das leis. Revista Bonijuris, Curitiba, ano 33, n. 670, p. 54–82, jun./jul.. Disponível em: https://www.editorabonijuris.com.br/revista/revista-bonijuris/670/

 

OBAMA, Barack (2020). Uma terra prometida. São Paulo: Companhia das Letras. Edição do Kindle.

[1] Obama, 2020, pp. 409-410.

[2] Disponível em: https://www.politico.eu/article/serbian-parliament-chaos-opposition-hurl-smoke-bombs-flares-protests/. Acesso em: 10 de março de 2025.

[3] https://www.camara.leg.br/noticias/1134978-discursos-sobre-denuncia-contra-bolsonaro-geram-tumulto-no-plenario-motta-cobra-melhor-conduta-de-deputados

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  • é doutor em Direito, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás (UFG), pós-graduado em Ciência da Legislação e Legística pelo Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), pós-graduado em Direito Constitucional (UFG), bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (FDF), com formação complementar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC), analista de Processo Legislativo e Gestão na Câmara dos Deputados, com lotação na Assessoria de Plenário do Partido Liberal, professor da Pós-Graduação em Direito Legislativo (IDP), ex-professor substituto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), ex-procurador municipal e associado à International Association of Legislation (IAL).

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