Opinião

Cedaw e o combate à violência de gênero no Brasil: impactos e limitações

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11 de março de 2025, 20h41

Com a celebração do último 8 de Março, muito se passa a discutir acerca dos direitos da mulher, com diversas e importantes reflexões sobre mecanismos e estratégias para o fortalecimento da luta pela igualdade no Brasil. Nesse contexto, um aspecto se faz de extrema importância: resgatar o histórico de conquistas, refletindo sobre sua influência e impacto na criação e desenvolvimento de ações relevantes para o real exercício e acesso a direitos de grupos vulnerabilizados.

Divulgação

Na temática dos direitos da mulher, existem alguns marcos importantes nas últimas décadas que merecem ser resgatados. Nesta oportunidade, nos dedicaremos à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (Cedaw na sigla em inglês), refletindo sobre seus impactos na atuação do Estado brasileiro na proteção dos direitos das mulheres e combate à discriminação a partir do viés da violência, em suas mais diferentes manifestações, a partir da análise de alguns diplomas legais aprovados no país relacionados à temática, quais sejam a Lei Maria da Penha, a Lei Mariana Ferrer, e a Lei da Violência Política de Gênero.

Cedaw e Estado brasileiro: impactos e influências no combate à discriminação

Produto da luta feminista, fortalecida desde a década de 1960, a Cedaw abrange uma ampla gama de questões, incluindo direitos políticos, direitos econômicos, sociais e culturais, educação, saúde, emprego, enfatizando a necessidade de eliminar as barreiras que impedem as mulheres de participar plena e ativamente na vida política, econômica e social de seus países.

A abordagem do texto do diploma destaca-se por sua multidimensionalidade, expressando que o fim da discriminação contra as mulheres demanda ações na esfera pública e privada, destacando que os Estados devem comprometer-se a agir para a modificação de padrões socioculturais e mentalidade discriminatórios que possam contribuir para a perpetuação da desigualdade, de modo que, além da igualdade formal, alcance-se a igualdade substantiva.

No Brasil, a Cedaw foi ratificada em 1984. Entretanto, verificou-se que, mais do que o desenvolvimento de respostas institucionais imediatas, tais iniciativas internacionais contribuíram   para a legitimação do discurso e demandas feministas em prol do combate às desigualdades de gênero, dando maior visibilidade para a ocorrência de violações e fornecendo subsídios legais e políticos para que movimentos sociais e organizações de mulheres reivindicassem ações mais efetivas de combate à discriminação.

Nesse contexto é possível verificar o desenvolvimento de diversas ações de proteção e promoção de direitos tais como a própria Constituição Federal de 1988. A ampliação de garantias formais trouxe legitimidade e forneceu subsídios para e exigência do exercício e acesso aos direitos, fato que teve como desdobramento uma maior aproximação das mulheres com o Poder Judiciário, que passou a ter um papel fundamental na garantia das prerrogativas previstas constitucionalmente.

Desde então, uma das grandes pautas das demandas por políticas e ações no país se refere à questão da violência. Curiosamente, se trata de um tema que não foi abordado pela Cedaw, lacuna que começou a ser preenchida apenas com a aprovação de outros documentos e declarações. Em 1992, por exemplo, houve a aprovação da Recomendação nº 19 pelo ONU, reforçando a importância da temática. Tais disposições, somadas a outros diplomas de relevo deram o substrato necessário à elaboração e à aprovação de diversas iniciativas relacionadas à temática da violência no país. Seria impossível discuti-las em sua totalidade. Portanto, elencamos, para fins de reflexão, alguns dos diplomas legais relacionados à temática.

Lei Maria da Penha

A Lei n. 11.340/2006 representou um marco na luta contra a violência de gênero no Brasil. A norma expressamente coloca a violência doméstica e familiar contra a mulher como violação dos direitos humanos, e, estabelece um conjunto articulado de medidas que transformam a violência doméstica e familiar de uma questão individual em um problema de interesse público, exigindo a implementação e o fortalecimento de uma rede multidisciplinar que abrange desde o atendimento às vítimas e às mulheres em situação de risco até ações dirigidas aos agressores.

Apesar dos avanços, desafios persistem na sua implementação, incluindo dificuldades no acesso à justiça, a subnotificação de casos e a necessidade de maior investimento em políticas públicas preventivas. Dessa forma, o compromisso assumido pelo Brasil com a Cedaw continua a ser um instrumento essencial na exigência de ações concretas para a erradicação da violência contra a mulher, reforçando a necessidade de fiscalização, aprimoramento das políticas públicas e fortalecimento da rede de proteção às vítimas.

Violência política de gênero: a Lei nº 14.192/2021

A lei em análise é fruto dos esforços e movimentos promovidos pela sociedade civil organizada, particularmente após a repercussão do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018. Com a norma, alterou-se o Código Eleitoral para tornar crime a violência política de gênero, qualificando-a como crime eleitoral.

Além de regulamentar a proteção explícita contra a violência política das candidatas e das mulheres eleitas, a lei visa também incentivar a participação das mulheres na política brasileira e assegurar que o exercício de seus mandatos ocorra sem obstáculos causados pelo machismo e pela misoginia. gozo ou exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo.

Entretanto, a aplicabilidade da legislação e seu impacto na prevenção e combate às violações de direitos humanos contra mulheres ainda necessitam de aprimoramentos. Desta feita, fundamental a divulgação da lei para que possa cumprir efetivamente seu papel na proteção das mulheres contra a discriminação, garantindo não apenas a implementação de medidas de defesa durante o período eleitoral, mas também sua continuidade ao longo dos mandatos.

Spacca

Lei nº 14.245/2021 (Lei Mariana Ferrer)

O caso de Mariana Ferrer teve início em 2018, após sua denúncia de estupro ocorrido em uma casa de eventos em Florianópolis/SC. De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Santa Catarina, Mariana teria sido dopada e violentada por um homem desconhecido. Durante o julgamento, a defesa do acusado utilizou imagens de campanhas publicitárias protagonizadas por Mariana, bem como fotos manipuladas de teor sensual, com o objetivo de induzir o juízo a concluir que a jovem teria provocado o ato sexual, buscando assim desqualificar a denúncia. O julgamento foi marcado por humilhações dirigidas à vítima.

Com sua aprovação, a Lei n. 14.245 passou a integrar o conjunto de dispositivos jurídicos voltados para a proteção da mulher vítima de crimes contra a dignidade sexual, resguardando-a não apenas do agressor, mas também do próprio sistema, cujas bases estruturais frequentemente legitimam a subjugação feminina.  A norma modificou o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei n. 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), com o objetivo de coibir atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas, além de estabelecer uma causa de aumento de pena para o crime de coação no curso do processo.

A análise das ferramentas de proteção aos direitos das mulheres no Brasil, a partir da Cedaw, evidencia avanços significativos no combate à discriminação e à violência de gênero. A Convenção foi um marco importante para a consolidação de direitos, na medida em que se tornou uma das principais ferramentas na proteção internacional dos direitos humanos das mulheres, impulsionando a elaboração de diplomas legais de combate à discriminação. As legislações analisadas podem sem dúvida figurar como respostas concretas ao disposto na Convenção, pois abordam a temática da discriminação levando em consideração a necessidade de transformações, tanto no ambiente público como no privado, atravessados por normas sociais e culturais que não raro reproduzem e perpetuam a violência e a desigualdade.

Entretanto, a persistência da violência contra a mulher reflete a dificuldade na implementação efetiva dessas medidas e na transformação estrutural necessária para a erradicação do problema. A discriminação e a violência de gênero, manifestadas de formas diversas e muitas vezes sutis, exigem não apenas legislação adequada, mas também a efetivação de políticas públicas que garantam proteção, acolhimento e acesso à justiça para as vítimas. É fundamental fortalecer mecanismos de fiscalização, ampliar a formação de profissionais que lidam diretamente com essas questões e fomentar mudanças culturais que desconstruam padrões machistas e misóginos enraizados na sociedade.

*este artigo é uma prévia do trabalho completo, que aborda os impactos e limitações da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (Cedaw) no combate à violência de gênero no Brasil
**clique aqui para ler o artigo na íntegra

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