Manifesta ilegalidade da Resolução 569/2024 do CNJ sobre prazos processuais
11 de março de 2025, 6h31
O Conselho Nacional de Justiça divulgou, em agosto do ano passado, a resolução 569/2024, que alterou a forma de contagem dos prazos de intimação aos advogados nos processos eletrônicos. De acordo com a nova redação dada ao parágrafo 30, do artigo 11, da Resolução 455/2022, os prazos serão contados a partir da publicação da intimação no Diário da Justiça Eletrônico Nacional (Djen), prevalecendo esta sobre as intimações realizadas pelo processo eletrônico. A OAB, por meio do Conselho Federal e do Colégio de Presidentes de Seccionais, reagiu, protocolando o pedido de providências nº 0005460-55.2024.2.00.0000.

Luiz Fernando Casagrande Pereira
O CNJ mexeu em tema que já estava bem definido pela decisão proferida pela Corte Especial do STJ no EAREsp nº 1.663.652, em cujo julgamento decidiu-se que “há de prevalecer a intimação prevista no art. 5º da Lei do Processo Eletrônico, à qual o § 6º do art. 5º atribui status de intimação pessoal, por ser forma especial sobre a genérica, privilegiando-se a boa-fé processual e a confiança dos operadores jurídicos nos sistemas informatizados de processo eletrônico, bem como garantindo-se a credibilidade e eficiência desses sistemas”.
A mudança realizada por uma resolução do CNJ não pode modificar o que consta da lei. O Conselho não tem competência legislativa para mudar textos aprovados no Congresso. O CPC e a Lei do Processo Eletrônico (Lei 11.419/2006) estabelecem que, nos processos eletrônicos, as intimações serão preferencialmente realizadas pela via eletrônica e, apenas se impossível esta, é que valerá a intimação realizada pelo Djen. Na concomitância entre as duas formas de intimação, pelo processo eletrônico e pelo Djen, prevalece aquela.
Contagem dos prazos
A leitura do artigo 231, V do CPC, que trata do marco inicial da contagem dos prazos revela, cristalinamente que o dia do começo do prazo é “o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica”. E o artigo 270 estabelece que “as intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei”. Ou seja, a forma de intimação eletrônica é expressamente prevista no ordenamento jurídico. A resolução 569/2024 trata o tema como se, doravante, só exista a possibilidade de intimação da advocacia pelo Diário da Justiça, ignorando completamente que a forma eletrônica continua a existir e prevalece, por ser forma de intimação especial, como assinalou o STJ.
A intimação pelo Djen, conquanto necessária para dar publicidade geral ao ato, não se sobrepõe, para fins de intimação aos advogados, àquela expedida nos portais do processo eletrônico. Essa é a interpretação fiel do artigo 272, do CPC, ao estabelecer que, “quando não realizadas por meio eletrônico, consideram-se feitas as intimações pela publicação dos atos no órgão oficial”. O legislador, nitidamente, diz que somente se consideram feitas as intimações pelo Diário quando não forem realizadas pelo meio eletrônico. Naturalmente, uma resolução não poder acabar com uma forma de intimação que está prevista em lei e que é praticada rotineiramente pelos tribunais.
A mudança promovida pela Resolução 569/2024, no parágrafo 3o, do artigo 11, da Resolução 455/2022, é, portanto, totalmente contrária ao que estabelece o CPC. De igual maneira, contraria diretamente a regra estabelecida há anos pelo artigo 5º, da Lei 11.419/2006, que disciplina a forma de intimação pelo processo eletrônico.
Insegurança jurídica
O CNJ trouxe insegurança jurídica enorme, pois, de forma contrária à lei e ao até aqui estabelecido pela jurisprudência do STJ, procura eliminar as intimações aos advogados pelo processo eletrônico e estabelece que só valerão as intimações pelo Djen. A imprudência dessa deliberação se mostra ainda mais notória, quando é realizada na pendência do julgamento do tema repetitivo 1180, afetado na Corte Especial do STJ, que tem por fim dar a correta interpretação do CPC neste caso.

Contraditória também se revela a resolução 569/2024, pois o CNJ, no pedido de providências nº 0000560-97.2022.2.00.0000, formou maioria expressiva, no sentido de que na concomitância das intimações do Diário e do processo eletrônico, prevalece esta para fins de contagem dos prazos dos advogados. O placar estava em 13 x 0, quando houve um pedido de vista. Porém, como a maioria dos que votaram (11) já encerraram seu mandato, seus votos prevalecerão e esse entendimento não poderá mais ser alterado. Isso mostra a incongruência de posicionamento dentro do próprio CNJ.
Na formação anterior, sob a presidência da ministra Rosa Weber, entendeu pela prevalência da intimação do processo eletrônico, o que, em última análise, significa a correta aplicação do CPC. Na formação atual, sob a presidência do ministro Luiz Roberto Barroso, adota outro posicionamento, legislando e sem aguardar a decisão do STJ.
Pedido de mudança sem sucesso
O CFOAB e o colégio de presidentes de Seccionais apresentaram ao CNJ pedido de providências contra essa alteração, mas a liminar não foi deferida pela conselheira relatora. Ainda apresentaram requerimento à presidência do CNJ para suspensão dos efeitos da Resolução 569/2024, até que seja julgado o Tema 1180, no STJ, também sem sucesso até o momento.
Fato é que a deliberação do CNJ traz enorme insegurança jurídica em uma questão extremamente sensível, que é a contagem de prazos processuais. Tudo funcionava bem, mas a Resolução 569/2024 alterou, precipitadamente, o que estava pacífico. Na pendência de julgamento repetitivo sobre a matéria, no STJ, o mais seguro e correto é a suspensão da decisão. Ressalta-se que não está se combatendo a necessidade de publicação no Djen (ela é necessária para publicidade geral), mas se defende que a intimação pelo processo eletrônico é prevista em lei. Ela não está revogada, pois o CPC em vigor a prevê e é um direito do advogado que suas intimações sejam realizadas sob essa forma.
A seccional da OAB-PR encaminhou solicitação ao CFOAB para ajuizamento de ADI, perante o STF, contra a resolução 569/2024 devido à manifesta inconstitucionalidade de seu texto.
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