Direito Eleitoral

A condenação de Pablo Marçal por abuso de poder político e a política do 'toma lá dá cá'

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  • é advogado procurador da Câmara Municipal de Serra (ES) mestre em história social das relações políticas especialista em teoria da Constituição e Direito Constitucional e conselheiro estadual e presidente da Comissão Estadual de Direitos Políticos e Eleitoral da OAB/ES.

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10 de março de 2025, 14h21

Conforme amplamente divulgado na imprensa nas últimas semanas, o ex-candidato a prefeito da cidade de São Paulo Pablo Marçal foi condenado por abuso de poder político e econômico, ficando inelegível por oito anos. Em síntese, a Justiça Eleitoral entendeu que o empresário praticou irregularidades ao prometer vídeo de apoio político a quem fizesse uma “doação por Pix de R$ 5.000” para a sua campanha eleitoral.

Reprodução/YouTube/Veja

Em que pese as questões jurídicas propriamente ditas, que ainda serão debatidas no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) e quiçá pelo Tribunal Superior Eleitoral, intriga-nos a recorrência nos dias atuais de práticas arraigadas historicamente na política brasileira desde a proclamação da República. Refiro-me especificamente à ideia de que é possível “mercantilizar” a política, como se a mesma fosse uma permuta de favores entre particulares.

Em sua obra A Cidadania Ativa: Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular, a PHD em Ciência Política Maria Victória de Mesquita Benevides faz uma retrospectiva histórica para tratar da insatisfação popular com a representação política dita “tradicional”, segundo a qual o povo elege seus representantes, mas os mesmos não possuem responsabilidade política efetiva para com os seus eleitores, tornando-se “dono” do mandato uma vez eleitos [1].

Para referida autora, a “representação popular” no Brasil surge do patrimonialismo desde a época do império português, para a qual existe um “exacerbado” caráter privatista nas questões que deveriam ser de interesse público, mas que continuam a serem praticadas durante a República, através de novas formas como o coronelismo e o clientelismo. Em outras palavras, a representação política, a busca do voto é realizada por meio de “trocas” típicas das relações privadas.

Infelizmente, ainda encontramos casos em que verificamos, sob roupagens sofisticadas, as mesmas velhas práticas clientelistas, sendo comum que empresários filiem-se a partidos por questões meramente “formais – burocráticas” sem qualquer identidade ideológica com os programas ou valores defendidos pela agremiação política escolhida [2].

É interessante observar que a Justiça Eleitoral condenou o candidato por abuso de poder político, apesar de não possuir cargo público (e não unicamente por abuso de poder econômico, como seria esperado pela jurisprudência) pelo fato de que o candidato realizava função pública estando filiado a um partido político e com candidatura escolhida em convenção partidária. Assim, por exercer atribuição pública atrelada ao processo político brasileiro, o mesmo seria equiparado a um agente político quando prometeu vídeo de apoio político em troca da “doação de R$ 5.000,00”.

Não se desconhece que, numa análise estritamente jurídica, pessoas físicas podem fazer doações a candidatos, desde que dentro dos limites previstos na legislação eleitoral. Todavia, a partir do momento em que esta doação é feita como contrapartida financeira de quem possui o valioso produto de 13 milhões de seguidores nas redes sociais, saem de cena a sincera contribuição para um candidato filiado a um partido político com ideologia semelhante ao do doador para o famigerado “toma lá dá cá” típicos de uma plutocracia.

Mercantilização da política

Também é interessante observar que a defesa do candidato buscou justificar que as doações realizadas foram “devolvidas” aos doadores, e que isso teria o condão de “apagar” a irregularidade de sua conduta. Todavia, ao que me parece, a gravidade da conduta não foi o prejuízo econômico causado a quem “comprou” o apoio político, mas a reiteração de práticas mercantilistas que, se não eram toleradas em períodos pretéritos, são consideradas ainda mais graves em tempos atuais por envolver simulada “troca de serviços”.

Admitir a possibilidade de troca de apoio político a qualquer pessoa, genericamente, em redes sociais, em troca de dinheiro, ainda que a pretexto do financiamento de campanhas políticas é prática que deve ser rigorosamente repelida pela nossa Constituição democrática. Não se está aqui a defender um “purismo” político que proíba o financiamento privado das campanhas políticas, mas isso deve ocorrer por meio de práticas republicanas minimamente com afinidade política ideológica entre doadores e candidatos, dentro dos limites da legislação eleitoral (o que também é um problema, pois a lei não faz qualquer exigência legal quanto a isso, podendo gerar críticas de que a constatação é casuística).

Em conclusão, a decisão da Justiça Eleitoral de São Paulo busca impor limites à mercantilização da política brasileira e, numa perspectiva pedagógica, busca reforçar os laços de lealdade política que deveriam permear as doações privadas a candidatos a cargos eletivos, fazendo com que as próximas estratégias para angariar recursos privados em campanhas políticas sejam pautadas primeiramente em valores programáticos defendidos pelos Partidos Políticos, que foram distinguidos pela Constituição como únicas agremiações legitimadas a indicar os detentores dos mandatos políticos, portanto guardiões do constitucionalismo democrático.

 

 


 

[1] BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A cidadania ativa: referendo, plebiscito e iniciativa popular. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003.

[2]  Candidatos dito “outsiders” costumam “bater no peito” defendendo o não uso de recursos públicos porque estão usando recursos próprios, esquecendo-se que o financiamento público veio exatamente para equalizar as chances dos candidatos de diferentes partidos políticos e evitar corrupção posterior por financiamento de empresas)

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