A responsabilidade do Cerro Porteño por discriminação ao jogador Luighi
9 de março de 2025, 8h08
O Cerro Porteño é um clube fundado em 1912 em Assunção, Paraguai, possui o maior estádio de futebol do país, construído com a ajuda de trabalho voluntário de seus torcedores e, de 1990 até o presente momento, é o clube paraguaio que ganhou mais campeonatos.

Vladimir Passos de Freitas
No dia 6 passado, durante o jogo Cerro Porteño contra o Palmeiras, em Assunção, na disputa da Taça Conmebol Libertadores sub-20, o jogador Luighi, do Palmeiras, quando saía do campo para ser substituído, foi xingado por torcedores do time adversário, sendo que um fez gestos imitando macaco e outro cuspiu no atleta, através do alambrado.[i] O fato viralizou na mídia porque Luighi, ao ser entrevistado, chorando, não respondeu as perguntas e pediu providências. O Palmeiras, no dia seguinte, protocolou na Conmebol um pedido de punição do Cerro Porteño.
Normas que regulam o racismo no futebol sul-americano
Os clubes participantes do torneio aderem às normas que o regulam. E no tocante à discriminação, o Regulamento[ii] tem disposições genéricas no Capítulo 17, reportando-se ao Código Disciplinar.[iii] Este traz previsão explícita sobre discriminação no art. 15, cujos itens 1 a 4 dispõem:
- Qualquer jogador ou oficial que insultar ou atentar contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, tendo como motivos a cor da pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem, será suspenso por pelo menos dez (10) partidas ou por um período mínimo de quatro (4) meses. Em caso de reincidência, podem ser penalizados com a proibição de exercício de atividades relacionadas ao futebol por cinco (5) anos, ou quaisquer outras sanções adicionais estabelecidas no artigo 6º deste Código.
- Qualquer Associação Membro ou clube cujos torcedores insultarem ou atentarem contra a dignidade humana de outra pessoa ou grupo de pessoas, por qualquer meio, tendo como motivo a cor da pele, raça, sexo ou orientação sexual, etnia, idioma, credo ou origem, será sancionado com uma multa de pelo menos CEM MIL DÓLARES AMERICANOS (USD. 100.000). Em caso de reincidência, o infrator poderá ser punido com multa de QUATROCENTOS MIL DÓLARES AMERICANOS (USD 400.000).
- Se as circunstâncias particulares de um caso assim o exigirem, o Órgão Judicial competente poderá impor ordens e/ou sanções adicionais à Associação Membro ou ao clube, bem como ao jogador ou ao oficial responsável, tais como: sanção de jogar um ou vários jogos à baliza fechado, fechamento parcial do estádio, proibição de entrada de torcedores e exposição de mensagens contra a discriminação.
- A Comissão Disciplinar poderá aplicar sanção inferior à prevista na seção 2 deste artigo, levando em consideração todos os fatores relevantes do caso, incluindo a assistência, o grau de colaboração do infrator ao revelar ou esclarecer a violação de uma norma da CONMEBOL, a identificação dos torcedores, as circunstâncias do caso e o grau de culpa do infrator, tal como qualquer outra informação relevante.
Além destes dispositivos, a legislação paraguaia pune o racismo através da Lei 6.940, de 2022. Todavia, ao contrário do Brasil, o racismo no país vizinho não é crime, mas sim infração administrativa, penalizada com multas que vão de 50 a 100 salários mínimos diários.[iv]
O julgamento da ocorrência
O Palmeiras já ingressou com representação junto ao Tribunal de Disciplina da Conmebol, pedindo, em caráter preventivo, a proibição de atuar com torcida em suas partidas e, em definitivo, aplicação de multa e desclassificação do clube do campeonato. Evidentemente, a vítima ou seu clube podem, concomitantemente, pedir à autoridade administrativa paraguaia a aplicação da sanção prevista na Lei 6.940, de 2022. Mas isto, certamente, não será feito, porque seus resultados são imprevisíveis e sem prazo definido.
O julgamento dos fatos será submetido aos órgãos judiciais da Conmebol, previstos no art. 30 do Código Disciplinar. São eles, a Comissão Disciplinar, a quem cabe fazer as medidas de investigação e julgar em primeira instância; a Comissão de Ética, que atua com base no Código de Ética, cujos dispositivos vão muito além de normas de conduta[v]; e a Comissão de Apelações, que julga em segunda instância. A Comissão Disciplinar e a Comissão de Apelações são constituídas por cinco julgadores, um Presidente, um Vice-presidente e três membros, devendo ser cada um de um país. Na Comissão de Apelações, o Brasil está bem representado por Rui Cesar Públio Borges Correa que, além do nome que tem a tradição de Publius Quirinius, senador e cônsul do Império Romano, é doutor pela PUCSP e Juiz do Trabalho.
No Código Disciplinar da Conmebol há previsão de responsabilidade objetiva dos clubes pelos atos do público assistente (art. 8, item 1). Isto significa que à vítima ou seu clube não cabe fazer prova alguma da intenção do Cerro Porteño. Cabe-lhes apenas provar os fatos e isto está demonstrado em inúmeros sites, através de vídeos que mostram as ações racistas da torcida adversária.
O Cerro Porteño é reincidente. Com efeito, o site do Palmeiras, em 22 de julho de 2022, informa que referido clube já sofreu condenação a U$ 100,000 por ofensa racista contra o próprio Palmeiras. Curiosamente, em atitude idêntica à ocorrida nesta semana.
A reincidência está prevista no art. 27 do mesmo Código e, no caso, pode ser considerada válida, pois não passaram dois anos entre o estabelecimento da primeira punição e o cometimento da segunda (art. 27, alínea “b”). Evidentemente, isto precisa ser conferido com certidão do órgão julgador e conferência de datas. Uma vez reconhecida, ela agrava a pena nesta segunda infração.
Perspectivas do julgamento
As normas que regulam a matéria, as provas dos autos, a reincidência e o comportamento do jogador, que não provocou a torcida adversária, levam à conclusão de que a punição é certa. Todavia, há peculiaridades que podem levar a uma reprimenda menor do que a pretendida pelo Palmeiras.
Os órgãos judiciais da Conmebol não são Tribunais do Poder Judiciário, o que significa que os julgamentos podem levar em conta aspectos políticos. O interesse da Conmebol é o da participação de grandes times, esquadrões que atraiam torcida e boa renda. E o Cerro Porteño é um deles.
A medida preventiva de proibição de acesso à torcida já é uma sanção grave, face aos efeitos que gera, ausência de renda e do estímulo dos torcedores. A multa provavelmente será imposta e desta vez agravada pela reincidência. Já a exclusão do time do campeonato, muito embora merecida, é de duvidosa aplicação. Igor Siqueira analisa as decisões das Comissões da Conmebol e conclui que ela é mais severa na análise de questões comerciais do que nas de racismo.[vi]
Conclusão
Resta esperar que as Comissões Judiciais da Conmebol ajam com o necessário rigor, afastando o clube paraguaio do campeonato, a fim de que se intimidem as torcidas de praticar atos racistas como os noticiados neste triste episódio e também a cusparada, ação que simboliza o máximo desrespeito ao próximo.
No mais, o episódio mostra a crescente importância do Direito Esportivo, o que serve de alerta a estudantes de Direito para esta boa área de trabalho. E com um detalhe, Direito Esportivo vai muito além do futebol, abrange uma enorme quantidade de esportes, todos com as suas regras, sanções e órgãos julgadores.
[i] Agência Brasil. Jogador do Palmeiras é vítima de racismo em competição da Conmebol. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2025-03/jogador-do-palmeiras-e-vitima-de-racismo-em-competicao-da-conmebol. Acesso em 8 mar. 2025.
[ii] CONMEBOL. Regulamento. Libertadores Sub20 2024. Disponível em: https://cdn.conmebol.com/wp-content/uploads/2024/01/CONMEBOL-Libertadores-Sub20-2024-Reglamento_v1.pdf. Acesso em 8 mar. 2025.
[iii] CONMEBOL. Código Disciplinar.Disponível em: https://cdn.conmebol.com/wp-content/uploads/2022/12/Codigo-Disciplinario-2023_02-DIC-PT.pdf. Acesso em 8 mar. 2025.
[iv] PARAGUAI. Lei 6.940, de 2022. Disponível em: https://www.bacn.gov.py/leyes-paraguayas/10547/ley-n-6940-establece-mecanismos-y-procedimientos-para-prevenir-y-sancionar-actos-de-racismo-y-discriminacion-hacia-las-personas-afrodescendientes. Acesso em 8 mar. 2025.
[v] CONMEBOL. Código de Ética. Disponível em: https://cdn.conmebol.com/wp-content/uploads/2022/12/Codigo-Etica-2023_02-DIC-PT.pdf. Acesso em 8 mar. 2025.
[vi] UOL. Igor Siqueira. Conmebol pune com mais rigor infrações de marketing do que o racismo. Disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2022/04/28/conmebol-pune-com-mais-rigor-infracoes-de-marketing-do-que-racismo.htm. Acesso em 8 mar. 2025.
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