O nome delas é coragem: um Oscar para as advogadas que defenderam presos políticos
8 de março de 2025, 7h01
Em razão do formidável e impactante filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional — baseado no livro homônimo (2015) de Marcelo Rubens Paiva —, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres (vencedora do Globo de Ouro de melhor atriz), tendo no elenco Selton Melo e Fernanda Montenegro, entre outros, que narra a vida e trajetória de Eunice Paiva, mulher do ex-deputado Rubens Paiva, que foi capturado e morto no ano de 1971 pelo regime militar ditatorial e, notadamente, da luta de Eunice Paiva, o período conhecido como “anos de chumbo” — no qual inúmeras pessoas que se opuseram ao regime de exceção foram mortas, presas e torturadas — voltou a ser debatido no país e até mesmo no exterior.

A repercussão do filme, assistido por mais de 5 milhões de pessoas, também se refletiu no campo do Direito [1] por meio da Resolução nº 601, de 13 de dezembro de 2024 — data marcada pelos 56 anos do abominável AI-5 —, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina que nas certidões de óbito de todos os mortos e desaparecidos vítimas da ditadura conste como causa morte: “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instalado em 1964”.
Necessário rememorar que Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva (1929-2018), além de sua incomensurável luta para que o Estado brasileiro, de uma vez por todas, admita que Rubens Paiva foi torturado e morto nos porões do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) no Rio de Janeiro, passou, também, como advogada — formou-se em Direito aos 47 anos pela Universidade Mackenzie — a lutar pelos direitos humanos dos desaparecidos durante a ditadura e pela causa indígena.
Importante reconhecer que vários advogados e advogadas — vivos e que já morreram — atuaram na defesa de presos políticos durante o regime militar ditatorial. Foram eles homenageados em sessão solene na Câmara dos Deputados em 4/12/2003 — por iniciativa do ex-deputado José Mentor (1948-2020) —, que culminou com o Livro Coragem: A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo (2014). A obra registra testemunhos de 161 profissionais da advocacia que atuaram naquele período.
Como é sabido, no dia 8 de março é comemorado o Dia Internacional da Mulher. A proposta de tornar a data internacional veio da ativista comunista e defensora dos direitos da mulher Clara Zetkin em 1910, durante uma Conferência Internacional de Mulheres Socialistas. Sendo certo que a data de 8 de março foi, posteriormente, escolhida após uma greve de mulheres russas durante à guerra em 1917 em que exigiram “pão e paz”. Contudo, o Dia Internacional da Mulher só foi oficializado pela ONU no ano de 1975.[2]
Assim, em razão do Dia Interacional da Mulher, faço neste artigo uma singela homenagem às mulheres que lutaram e às que foram vítimas do regime ditatorial militar (1964-1985), destacando as advogadas destemidas e corajosas que defenderam presos políticos durante os tempos sombrios.
Conforme assevera Fragoso, “a defesa nos processos políticos, nessa época, apresentava dificuldades enormes e não se exercia sem risco pessoal”. Dentre os inúmeros desafios da defesa — que sofria com inúmeras restrições diante das arbitrariedades, impedidos de ter acesso aos autos dos “inquéritos” e até mesmo de acompanhar os interrogatórios de seus clientes que eram mantidos incomunicáveis —, era o de tentar localizar os presos e desqualificar as confissões obtidas sob tortura.
Sem prejuízo de outras advogadas que ora não são mencionadas por mero desconhecimento deste autor, destacamos as atuações daquelas que são referidas no livro Coragem: A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo. São elas:

Angélica Mello de Almeida, Anina Alcântara Carvalho, Dyrce Drach, Elizabeth Diniz Martins Souto, Eny Raimundo Moreira, Flora Strozemberg, Herilda Balduíno, Irene Dias Luque, Jeanne D’Arc Cruz Lima Narézi, Leticia Alencar, Loreta Valadares, Márcia Ramos de Souza, Maria Luíza Flores da Cunha Bierrenbach, Maria Regina Pasquale, Maria Tereza de Assis Moura, Mercia Albuquerque Ferreira, Regina Helena Afonso, Ronilda Noblat e Rosa Cardoso da Cunha, Wanda Rita Othon Sidou.
Marcio Barandier em artigo intitulado “Meu Pai me Contou: Eny Moreira” [3], relata que seu pai — Antonio Carlos Barandier, que defendeu vários presos políticos — dizia ter profunda admiração pelas mulheres advogadas criminais porque, “se para os homens a especialidade é altamente desafiadora, em todos os sentido, para elas as dificuldades sempre foram extraordinariamente maiores”. No referido artigo, o respeitável criminalista, ao se referir a Eny Moreira, recorda episódios por ela protagonizados que “dignificam a Advocacia e marcaram a História da resistência democrática”. Lembra da coragem de Eny pela forma “como ela denunciou em juízo a tortura sofrida por Paulo Vanuchi no DOI-CODI”, bem como “a revelação do terrível caso de Aurora Maria Nascimento Furtado, 26 anos, que o Exército anunciara ter falecido num tiroteio quando, na verdade, fora brutalmente torturada até a morte nos porões dos órgãos de repressão” [4]. Destacando, ainda, que a própria Eny Moreira foi presa duas vezes.
A advogada criminalista Rosa Cardoso da Cunha, professora e ex-coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, narra no já citado livro Coragem: A Advocacia Criminal nos Anos de Chumbo, que a “Justiça Militar, contrariando sua competência em um Estado Democrático, passou a julgar civis”. Em primeira instância, nas auditorias militares, composta por um juiz togado e outros quatro miliares, quase todos, segundo a criminalista, eram “orientados pela voz dos porões da estrutura repressiva do Estado”.
A advogada pernambucana Mércia Albuquerque (1934-2003) – que agora tem sua história, baseada em seu diário, retratada no monólogo Lady Tempestade, dirigido por Yara de Novaes e interpretada pela atriz Andréa Beltrão – se destacou, também, na defesa de inúmeros presos políticos na década de 1970.
A trajetória dessas advogadas na defesa de presos políticos enfrentando com denodo e resistência um regime de exceção que, além de cercear liberdade e garantias fundamentais, perseguiu, torturou e matou seus opositores, quando não “desapareceu” com eles tornando-os insepultos, como fez com Rubens Paiva.
A ditadura, como bem observou Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach — advogada e membro da Comissão de Indenização aos ex-Presos Políticos do Estado de São Paulo — “intimidava a todos, espalhava o medo. Qualquer atividade do cidadão poderia ser considerada como atentatória à ‘segurança nacional’ e suficiente para atirá-lo ao domínio absoluto dos órgãos investigatórios, afastadas as garantias fundamentais”.
Os tempos mudaram
Salienta Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach.
“Se o medo, é verdade, não é mais o sentimento predominante, se o regime não é mais o mesmo daqueles nefastos dias de ditadura, louvando-se aqui os recentíssimos avanços nas políticas sociais, não menos verdade é que estas conquistas democráticas ainda não se consolidaram plenamente.
A impunidade dos agentes da ditadura que torturam e assassinaram, a falta de aprimoramento das instituições políticas, a violência contra as minorias, contra os pobres, contra as crianças e adolescentes marginalizados, o recrudescimento da brutalidade da polícia nos Estados, a falta de ética na prática pública estão aí para demonstrar que ainda se tem muito por conquistar, que a batalha ainda não foi totalmente vencida.”
Mas, para isso, como disse o poeta,
“É preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca, Maria Maria
Mistura a dor e a alegria”
8 de março de 2025 (Dia Internacional da Mulher)
[1] https://diariodeminas.com.br/direito-e-cinema-ainda-estou-asqui-e-suas-repercussoes-institucionais/
[2] https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9w9n4kyemxo
[3] Boletim da SACERJ (Sociedade de Advogados Criminalistas do Estado do Rio de Janeiro) – Rio de Janeiro – julho/dezembro 2023 – nº 15.
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