segunda geração de ADIs

Estados testam limites para taxas de fiscalização e abrem novo round no STF

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7 de março de 2025, 8h49

O Supremo Tribunal Federal está prestes a iniciar um segundo round da disputa sobre a constitucionalidade de leis estaduais que criam taxas de fiscalização para exploração de recursos hídricos e minerais.

mineração

Taxas de fiscalização de exploração de recursos minerais vêm sendo analisadas sob prisma da proporcionalidade

A corte vai julgar ações diretas de inconstitucionalidade que contestam leis que estabeleceram essas taxas de fiscalização, em substituição a normas que já foram consideradas inconstitucionais pelo STF.

A jurisprudência do Supremo indica que a criação das taxas, por si só, não é o problema. O critério de arrecadação é que deve respeitar o princípio da capacidade contributiva e ter proporcionalidade entre o que será arrecadado e o custo dessa fiscalização.

Em outras palavras, a possibilidade de cobrar da indústria pelo custo de fiscalizar o impacto de suas atividades sobre o meio ambiente não pode ser usada para simplesmente aumentar a arrecadação, como se imposto fosse.

Round 2

Um exemplo é o da Lei 11.991/2022, em que o estado do Mato Grosso criou a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários.

Em janeiro de 2024, o STF julgou a lei inconstitucional a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), uma vez que a taxa excedeu os custos da atividade estatal (ADI 7.400). A previsão era de arrecadar R$ 158,8 milhões por ano, enquanto a fiscalização ambiental exigiria apenas R$ 12,2 milhões.

Essa norma foi substituída pela Lei 12.370/2023, que impôs coeficientes menores para calcular a taxa: a redução é de cerca de 20%. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), então, foi ao STF para dizer que, ainda assim, a desproporcionalidade entre arrecadação e custo persiste. O relator da ADI 7.598 é o ministro Luiz Fux.

Outro exemplo é o da Lei 8.091/2014, do Pará, que criou a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização de Atividades de Exploração e Aproveitamento de Recursos Hídricos, julgada inconstitucional pelo Supremo em 2020 em outra ação da CNI, por também exceder desproporcionalmente o custo da atividade estatal de fiscalização (ADI 5.374).

Por causa dessa lei, a Eletronorte apontou ao STF que foi autuada em R$ 1,3 bilhão de abril de 2015 a abril de 2018. O estado do Pará, então, substituiu-a pela Lei 10.311/2023, que reduziu os coeficientes de cálculo da taxa também em 20%.

Dessa vez, a Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) ajuizou ação pedindo, mais uma vez, a declaração de inconstitucionalidade da norma (ADI 7.618). O relator é o ministro Luiz Edson Fachin. Nenhuma dessas ADIs tem data para julgamento ainda.

Fachada do Supremo Tribunal Federal, sede do STF

STF tem duas ADIs sobre leis que substituíram normas pelo abuso na fixação de taxas de fiscalização

Limites da proporcionalidade

Por meio dessas novas leis, os estados vêm testando os limites da proporcionalidade entre arrecadação e custo da fiscalização. E não só dessa forma.

Quando descobriu que sua lei foi alvo de ação no STF, na ADI 5.374, o governo do Pará editou o Decreto Estadual 58/2019 para reduzir significativamente o valor da taxa. A tentativa de evitar a declaração de inconstitucionalidade preveniria também a devolução de valores já pagos por contribuintes. Não deu certo.

Já o estado de Minas Gerais teve sucesso quando fez o mesmo depois de ajuizada a ADI 4.785 contra a Lei 19.976/2011, que tratou da taxa de fiscalização da exploração de minérios. Foi editada uma nova lei (Lei 20.414/2012) autorizando o Poder Executivo a reduzir o valor da cobrança, o que foi feito em 60% por meio do Decreto Estadual 46.072/2012.

Nesse caso, deu certo. Quando o STF julgou a ação, em 2022, declarou a constitucionalidade da taxa porque ela representaria cerca de 1% da receita bruta e 2,5% do lucro das empresas do setor minerário, percentual claramente suportável pelos contribuintes.

Esses limites podem ser testados inclusive graças ao STF. Em 2022, quando julgou a ADI 4.786, a corte esclareceu que “o princípio da proporcionalidade impõe não equivalência estrita, mas, sim, equivalência razoável entre o valor da taxa e os custos da atividade estatal”, nas palavras do relator, ministro Nunes Marques.

Com isso, a corte entendeu serem constitucionais as previsões da Lei 7.591/2011, do Pará, que tratou de taxa de fiscalização da exploração de minérios. Segundo dados do governo paraense, em 2019, a taxa gerou arrecadação de R$ 521,9 milhões, ao passo que as despesas de fiscalização totalizaram R$ 441,7 milhões — uma diferença de R$ 80,2 milhões que, para o STF, não gera problema.

Pode aumentar?

Os limites foram, inclusive, novamente testados pelo próprio estado do Pará, que depois da vitória na ADI 4.786 decidiu majorar a taxa de fiscalização para três diferentes minérios: cobre, ouro e estanho/cassiterita. A alteração foi feita pela Lei 10.840/2024. Não há qualquer justificativa conhecida para a majoração.

A problemática foi exposta em coluna do advogado e professor titular da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Facury Scaff na revista eletrônica Consultor Jurídico. O caso foi apresentado como um exemplo da estratégia dos estados de jogar com a correspondência entre o valor exigido e o custo da atividade estatal, motivo de críticas recorrentes do colunista.

“O aumento do valor dessas taxas só tem uma justificativa: aumento da arrecadação, sem amparo na Constituição, que exige a equivalência e a correlação”, destacou Scaff no texto, publicado em janeiro deste ano. Ele defendeu que o STF coloque o tema nos trilhos porque “a situação só tende a piorar, fruto das amarras que a reforma tributária impôs aos estados para arrecadar via IBS”.

A depender do STF

Para o advogado Carlos Renato Vieira, sócio da área tributária do escritório TozziniFreire Advogados, os estados podem estar testando os limites da jurisprudência do STF para ver o que passa ou não. No entanto, ele destacou que, como a corte julga tendo como ponto de partida a Constituição, que é baseada em princípios, nem sempre é possível estabelecer critérios concretos.

Há, ainda, um fator complicador: as taxas de fiscalização, por vezes, têm valor relativamente baixo, o que torna mais barato pagá-las do que discuti-las judicialmente. E, para sua instituição, a fiscalização não precisa ser efetiva, basta ser potencial.

“A depender da posição do STF nessas novas ADIs, os estados e os municípios podem ficar ainda mais confortáveis para lançar mão desse expediente. Por fim, regra geral, o aumento da carga tributária costuma ser repassado de forma direta ou indireta para o consumidor final”, explicou o advogado.

Em sua análise, o fato de a cobrança se basear no cálculo do volume de recursos explorados não necessariamente é um problema, porque as taxas funcionam na lógica do custo-benefício: o contribuinte deve pagar proporcionalmente ao que usufrui de um serviço público ou do poder de polícia. “Logo, se comprovado que o volume de recursos explorados nada tem a ver com o custo da fiscalização exercida pelo Estado, essa correlação é desarrazoada.”

ADI 7.400
ADI 7.598
ADI 5.374
ADI 7.618
ADI 4.785
ADI 4.786

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