Veja a análise de João Grandino Rodas sobre o terremoto de Donald Trump
4 de março de 2025, 14h14
Em que medida o rearranjo das relações internacionais, em cuja ponta do iceberg equilibra-se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vai afetar o Brasil?

Para o presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), João Grandino Rodas, o melhor caminho é delegar o desafio ao “reconhecido mundialmente corpo diplomático” do Itamaraty. “É só deixá-lo atuar”, recomenda o ex-reitor da USP, ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e ex-consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores.
Em análise global, Rodas, que também é Mestre em Direito pela Universidade de Harvard, lembra que o mundo atua por ciclos. “Tudo indica que a atual política dos EUA busca colocar uma pá de cal nos arranjos, econômicos e militares, feitos ao final da Segunda Guerra Mundial.”
Por esgotamento ou não, “a série de organizações internacionais intergovernamentais que se materializaram mergulhou em alguns paradoxos”.
A fotografia da Europa hoje é a de um continente e sua Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) enfraquecidos, “mormente por depender demais dos EUA”. Isso resulta em um momento em que, “por força da ficção de que todos os Estados são iguais por serem soberanos (embora na realidade sejam grandemente desiguais), não mais existem colônias, no sentido tradicional do termo”.
O fator China
É de se lembrar que a Otan foi uma aliança política e militar entre países da América do Norte e da Europa criada em 1949, no contexto de Guerra Fria, exatamente para conter o avanço da influência soviética sobre os países europeus.
O cenário de fundo, agora, “é um fator que assombra a todos, nos últimos anos — o crescimento gigantesco da China, o que gerou um mutirão de Estados poderosos com o objetivo de contê-lo”.
Nesse estado de coisas, examina o professor, “é compreensível (embora inaceitável para muitos) que os EUA procurem cooptar a Rússia, mesmo sacrificando a Ucrânia”.
Afinal, afirma, “o Direito Internacional Público (queiramos ou não) é o mais político dos direitos. A realidade muitas vezes contradiz o dogma de que deve prevalecer a força do Direito e não o Direito da força, quer se trate de poder militar ou econômico”.
Indagado sobre a sinceridade do declaracionismo dos líderes políticos que se têm manifestado, após as acusações feitas por Trump no encontro com o presidente da Ucrânia, Rodas diz que “fica difícil aquilatar o que há de sincero e altruísta, quer no apoio da Europa a Zelenski (pois é difícil saber se apoiá-lo significa o mesmo que apoiar a Ucrânia), quer na política atual dos EUA a respeito”.
O mundo sem fronteiras
Países, continentes, blocos. A divisão convencional do mundo hoje é desafiada pelo poderio das big techs. Com capacidade para eleger ou derrubar governos, criar ou extinguir fortunas e empresas, esse novo poder tem a regência que país algum possui.
“Quem são, agora, os atores relevantes no cenário internacional?”, pergunta Rodas. “Os Estados, ditos soberanos, em número aproximado de 200, são considerados sujeitos originários de Direito Internacional Público; praticamente, desde que surgiram, grosso modo, há cerca de 500 anos.”
Encerrada a era da Segunda Guerra Mundial, frisa ele, “passou-se a aventar que as grandes empresas multinacionais, por sua força econômica e política (que muitas vezes superam a de grande número Estados), poderiam também comungar dessa subjetividade, mas essa tese continua no limbo”.
Nova ordem mundial
O advento das big techs, continua, “possibilita a nulificação das fronteiras dos países, inclusive dos mais potentes, coloca por terra pressupostos sobre que, até há pouco, o status quo se sustentava”. Certamente, conclui, “são atores que muito contribuirão para chegar-se à nova ordem político-econômico-militar internacional”.
Sobre o contexto do Brasil, hoje submetido a fortes pressões da indústria do agribusiness mundial, Grandino Rodas diz que, “nessa temporada tectônica em que o globo vive, todos sofrem a seu modo”.
Provocado sobre as campanhas pretensamente ambientalistas que subordinam o país, o professor enaltece o agro brasileiro, que descreve “como sustentáculo da economia em tempos difíceis, devido à sua pujança”, o que leva países importadores (entre os quais a própria China) “a levantar barreiras, inclusive não tarifárias, com o intuito tanto de tentar minimizar as importações, quanto de mandar avisos políticos”.
“Obviamente, não se pode, simplesmente, esperar a poeira baixar”, recomenda. “A diplomacia deve atuar fortemente para diminuir a problemática, referentemente ao Brasil. É o que resta. Nesse tocante, temos um corpo diplomático reconhecido mundialmente. É só deixá-lo atuar.”
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!