Opinião

Ao tribuno Barroso: que não se realize o desejo de Napoleão de cortar a língua dos advogados

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4 de março de 2025, 11h22

Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), já era reconhecido há tempos como um dos maiores constitucionalistas do país, fato demonstrado por sua titularidade em Direito Constitucional na Uerj (Universidade do Estado do Rio) nos idos de 1995 e muitos outros títulos acadêmicos que a antecederam. E participou, como tribuno, dos mais importantes julgamentos não criminais do país nas tribunas das Cortes superiores, de onde alçou voo para a cadeira do jurista e poeta Ayres Britto, que se aposentaria em breve.

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Não há medo na afirmação: o nome Luís Roberto Barroso quebrou a arrebentação do mundo do Direito para se tornar conhecido no mundo político nacional a partir de sua eloquência clara, cultura invejável e criatividade ímpar.

Um exemplo disso foi sua luta pelo reconhecimento das uniões civis homoafetivas, lembrando, no início da sua oração, do soldado das forças especiais americanas que soltou célebre frase após seu julgamento marcial por ser homossexual: “Recebi uma medalha por matar dois homens e fui expulso das forças armadas por amar outro”. Apenas o tribuno poderia impactar os julgadores, e viram-se ministros incomodados em suas cadeiras diante do argumento genial.

Da tribuna do STF

O advogado Barroso também lutou contra o nepotismo judicial e cruzou lanças sobre a possibilidade do aborto de fetos sem a base cerebral. No CNJ, que hoje preside, sua oração convenceu os conselheiros sobre o absurdo das entrevistas secretas realizadas durante processo seletivo para a magistratura, em que aconteceu de tudo um pouco ao longo da história: de preconceitos de gênero por perguntas sexualmente inadequadas às candidatas (“a senhora usa biquíni na praia?”) a muitas outras barbáries.

Napoleão, fosse o nosso soberano, certamente teria desejado cortar-lhe a língua, como pretendeu fazer com os advogados franceses que o incomodavam, pois é justamente esta a nossa missão: constranger o poder para que ele se limite à lei e jamais permitir que o poderoso pense-se divino. O que está cada vez mais difícil.

A expressão latina ad vocare nos define como advogados: falamos por alguém.

Mas será que ainda poderemos falar diante dos juízes? A resposta, aparentemente, é não.

O CNJ, provocado pelas instituições judiciais, definiu regras que constrangem o dever dos advogados de estarem na tribuna diante dos juízes, justamente como é a magnífica história de Barroso que, quis a madrastaria do destino, fosse o chefe do Judiciário neste momento de grande constrangimento.

Ao longo do tempo, um sintoma grave apareceu no dia a dia dos tribunais: os advogados dos casos vencedores (segundo os votos trocados pelos juízes antes das sessões) eram convidados a não sustentarem oralmente. Com isso, aqueles que iam à tribuna, os sustentadores, lutavam contra a derrota já aprovada pelos colegiados. E o que se viu? Casos e mais casos sendo, a cada sessão, retirados de pauta depois das defesas orais, em razão de erros ou possíveis erros dos juízes e seus gabinetes.

Um segundo fator também se revelou

O fato de os tribunais estarem se reunindo muito menos vezes do que antes, gerando a sensação de entupimento a cada sessão realizada.

Mas o suporte que a inteligência artificial já proporciona — além do belíssimo e custoso staff dos gabinetes — permite que os tribunais voltem à sua razão de existir: local de juízes sêniores a receberem e ouvirem os advogados, que lhes chamarão a atenção para pontos centrais dos apelos sob as vistas de suas experiências diante dos fatos. Sim, os fatos importam ao mundo dos tribunais, pois esses jamais se repetem. O direito, sim, se repete.

E a advocacia não teria culpa nesse cartório de equívocos? Sim. Petições longas e mal escritas, advogados que assomam a tribuna sem qualificação técnica retórica para a concisão, a lapidação do argumento e sua exposição incisiva, nós temos aos montes, e por isso chegou a hora… Precisamos sentar e conversarmos.

Nós, os advogados e os magistrados, mas não em convescotes, não presos às instituições políticas de classe que muitas vezes têm os seus próprios interesses, mas nós, para falarmos de nossos flagelos e ansiedades, e não para debatermos o sexo dos anjos, teorias germânicas, e sim como resolveremos o nosso problema, que, é importante reafirmar, passa muito, mas muito longe das sustentações orais.

Uma memória: o processo de extradição 1.406 no STF. Este subscritor defendia um cidadão israelense contra o Estado de Israel. Acabada a sustentação oral, veio o pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, com sérios elogios aos tribunos.

Luís Roberto Barroso pediu a palavra e referendou os elogios de Moraes, lançando frase lapidar: “O problema das boas sustentações orais é que elas, ao invés de nos ajudarem, elas nos deixam cheios de dúvidas”.

Permita-nos, ministro Barroso, ainda tentarmos seguir os seus passos para colocarmos a dúvida na cabeça dos detentores do poder.

E que não seja, nem em sua presidência nem em nenhuma outra, que o desejo de Napoleão de cortar a língua dos advogados seja realizado.

*artigo publicado originalmente no Estadão

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