Tema 1.224/STF: reajuste de proventos e pensões dos servidores federais anterior à Lei 11.784/08
1 de março de 2025, 9h23
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral, sob o Tema 1.224, abordou questão relevante no campo do direito previdenciário e da administração pública.

A decisão trata da possibilidade de reajuste de proventos e pensões concedidos aos servidores públicos federais e seus dependentes, nos anos que antecedem a Lei nº 11.784/08, que instituiu novas normas sobre o reajuste de benefícios previdenciários.
A problemática em questão envolve a aplicação de índices de reajuste do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) aos benefícios dos servidores públicos que não usufruíam da garantia de paridade com os servidores ativos.
A importância desse julgamento é inegável, uma vez que define parâmetros para o reajuste de pensões e aposentadorias de servidores públicos federais que não estavam sujeitos à paridade de revisão com o RGPS, especialmente no período entre 2004 e 2008.
Contexto histórico e jurídico
O artigo 40 da Constituição estabeleceu, em sua redação original, a paridade e a integralidade para os servidores públicos federais.
Isso significava que, sempre que houvesse alteração na remuneração dos servidores ativos, os benefícios dos aposentados e pensionistas seriam ajustados com o mesmo índice, garantindo a manutenção do poder aquisitivo dos inativos.
Contudo, com a promulgação da Emenda Constitucional 41/03, houve uma alteração significativa no regime dos servidores públicos. A emenda extinguiu a paridade e a integralidade para os servidores ativos e inativos, mantendo, no entanto, a previsão de um reajuste dos benefícios dos inativos, conforme o § 8º do artigo 40 da Constituição, com a finalidade de preservar o valor real dos benefícios: “§ 8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei.”
Lei nº 10.887/04 e Medida Provisória 431/08
A Lei nº 10.887/04, em seu artigo 15, estabeleceu que os proventos de aposentadoria e pensões dos servidores públicos federais seriam reajustados na mesma data dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

No entanto, a lei não especificou os índices de reajuste, gerando lacunas normativas que perduraram até a edição da Medida Provisória nº 431/08, convertida na Lei nº 11.784/08. Esta última, ao regulamentar o reajuste dos benefícios de servidores públicos, estabeleceu parâmetros para os índices a serem aplicados.
Antes da edição da Lei 11.784/08, o Ministério da Previdência Social, por meio de orientações normativas, buscou regulamentar a questão. A Orientação Normativa nº 3/04 e a Orientação Normativa nº 1/07 indicavam que, na ausência de um índice específico, os benefícios dos servidores públicos deveriam ser corrigidos de acordo com os índices aplicados ao RGPS.
Decisão do STF no Tema 1.224
O recurso extraordinário que deu origem ao Tema 1224 foi interposto por servidores públicos que buscavam o reajuste de seus proventos e pensões de acordo com os mesmos índices aplicados aos benefícios do RGPS, no período compreendido entre 2004 e 2008, ou seja, antes da promulgação da Lei nº 11.784/08.
A principal alegação dos recorrentes era a de que, mesmo não tendo a paridade garantida, os servidores deveriam ser beneficiados com o reajuste aplicado ao RGPS, uma vez que não havia outro critério de correção no período.
O STF reconheceu a possibilidade de reajuste dos proventos e pensões de servidores públicos, apesar da ausência de um índice específico previsto na legislação, com base na interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais.
O tribunal concluiu que, mesmo na ausência de um índice definido pela Lei nº 10.887/04, a aplicação do reajuste do RGPS para os servidores públicos no período de 2004 a 2008 era uma medida constitucionalmente válida.
A decisão do STF se baseou na necessidade de garantir a preservação do valor real dos benefícios, conforme o § 8º do artigo 40 da Constituição. A Corte entendeu que, na ausência de uma regra clara sobre o índice a ser aplicado, seria legítimo o uso do índice do RGPS, o que beneficiaria os servidores e pensionistas.
A tese fixada pelo STF no Tema 1.224 foi a seguinte:
“É constitucional o reajuste de proventos e pensões concedidos a servidores públicos federais e seus dependentes não beneficiados pela garantia de paridade de revisão pelo mesmo índice de reajuste do regime geral de previdência social (RGPS), previsto em normativo do Ministério da Previdência Social, no período anterior à Lei 11.784/2008.”
A tese reafirma a possibilidade de reajuste dos benefícios de servidores públicos federais, mesmo que não haja a paridade, considerando os critérios de preservação do valor real dos benefícios, conforme previsto na Constituição.
Implicações da decisão do STF: lesão administrativa contínua
A decisão do STF no Tema 1224 tem um impacto considerável para os servidores públicos aposentados ou pensionistas, especialmente aqueles que não estavam sujeitos à paridade de revisão com os servidores ativos, como é o caso dos servidores federais que não usufruíam da garantia de reajuste automático do RGPS.
No entanto, um ponto crucial que emerge desta decisão é a natureza contínua da lesão ao direito dos servidores públicos. A falta de atualização dos proventos de aposentadoria durante esse período resultou em uma defasagem significativa no valor dos benefícios pagos.
Os valores que deveriam ter sido corrigidos com os mesmos índices do RGPS não o foram, o que implica em um prejuízo constante aos aposentados e pensionistas.
Essa defasagem não é um evento isolado, mas sim uma violação persistente que impacta os beneficiários ao longo do tempo, visto que a não atualização entre 2004 e 2008 continua a afetar o valor dos proventos de forma direta até os dias atuais.
A teoria da lesão contínua, como já discutido na jurisprudência, é de grande relevância para a análise do caso.
No direito previdenciário, as relações jurídicas de natureza continuada, como é o caso dos benefícios de aposentadoria e pensão, permitem que os servidores públicos que tiveram seus proventos defasados recebam a correção dos valores devidos, mesmo que o reajuste não tenha sido realizado no momento devido.
Ou seja, o prejuízo causado pela falta de atualização dos valores não é um ato único e isolado, mas sim uma violação contínua, que se reflete em cada pagamento de provento que é feito de forma equivocada.
Em casos análogos, os tribunais federais têm rejeitado a alegação de prescrição do fundo de direito, argumentando que, em se tratando de uma relação jurídica continuada, a prescrição não atinge o fundo do direito, mas apenas os créditos que se referem a parcelas vencidas há mais de cinco anos da data de ajuizamento da ação.
Tal entendimento está respaldado pela Súmula nº 85 do STJ, que estabelece que, em relações jurídicas continuadas, a prescrição atinge apenas os créditos vencidos no período de cinco anos antes da propositura da demanda:
“Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.”
Conclusão
Portanto, a lesão decorrente da não atualização dos proventos de aposentadoria entre 2004 e 2008 é, de fato, contínua, e o impacto financeiro para os servidores públicos se estende até o momento atual.
O não reajuste, conforme previsto pela legislação, resultou em uma defasagem de valores, e a medida que os pagamentos continuam a ser feitos com os valores defasados, o prejuízo também se perpetua.
A jurisprudência corroborada pelo STF e pelos tribunais regionais reflete a necessidade de proteção contínua aos direitos dos servidores, garantindo a revisão e o reajuste de seus benefícios para a preservação de seu valor real, conforme a Constituição.
Dessa forma, a decisão do Supremo, ao permitir o reajuste retroativo dos proventos, também tem a função de corrigir uma injustiça que se arrasta ao longo dos anos. Ela reconhece a continuidade da lesão e assegura que os servidores públicos afetados tenham seus direitos restabelecidos, preservando sua dignidade e a efetividade do sistema previdenciário como um todo.
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Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
BRASIL. Lei n. 10.887, de 18 de junho de 2004.
BRASIL. Medida Provisória n. 431, de 4 de agosto de 2008. Convertida na Lei n. 11.784/08.
BRASIL. Lei n. 11.784, de 22 de setembro de 2008.
BRASIL. Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula n. 85.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tema 1224.
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