Porto Alegre, Brasília, Curitiba, São Paulo e Manaus têm mais em comum do que apenas serem capitais de estados brasileiros. O estresse hídrico que enfrentam nos últimos anos, resultante tanto do excesso quanto da falta de água, tornou-se uma realidade cada vez mais evidente em suas regiões. Enchentes destrutivas, como as que causaram severos prejuízos em 2024 no Rio Grande do Sul, demonstraram de forma clara a gravidade das consequências associadas aos extremos climáticos.

Por outro lado, a escassez hídrica em centros urbanos também provoca prejuízos difíceis de mensurar, afetando a saúde e a qualidade de vida da população. Desde pequenos negócios, como lanchonetes e salões de beleza, até grandes indústrias que geram milhares de empregos, todos sofrem com a falta de água, um elemento imprescindível para a maioria das atividades humanas, se não todas.
Diante destes desafios, gerir os excessos ou a escassez de água é uma tarefa que requer, e exigirá cada vez mais, um planejamento adequado e urgente por parte das cidades brasileiras. Os grandes centros urbanos, em particular, são os mais afetados por esses extremos climáticos. Diariamente, os meios de comunicação relatam os efeitos devastadores enfrentados por populações inteiras, em geral, as mais vulneráveis sendo mais negativamente impactadas.
Para enfrentar esses desafios, é essencial que as cidades e o poder público planejem e preparem seus territórios e a expansão urbana para se tornarem mais resilientes. Um dos caminhos promissores é a adoção do conceito de cidades esponja, uma alternativa que oferece soluções inovadoras para a gestão das águas urbanas. Ao incorporar sistemas que permitem a absorção, armazenamento e filtragem da água da chuva, as cidades esponja podem ajudar a mitigar os impactos das enchentes e da escassez hídrica.
Planejar urbanizações que integram espaços verdes, infraestrutura permeável e tecnologias de gestão sustentável de águas pluviais é fundamental para transformar nossos centros urbanos em verdadeiras cidades resilientes. Apenas com ações coordenadas será possível enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas e garantir um futuro sustentável e seguro para as próximas gerações.
Muitas cidades estão focando em soluções baseadas na natureza, como aumentar a quantidade de áreas verdes, melhorar o transporte público, e promover a eficiência energética. Estes esforços são projetados para melhorar a resiliência, permitindo que as cidades enfrentem e estejam melhor preparadas para desastres climáticos.
O manejo e responsabilidade pelo planejamento e gestão do território urbano estão conferidas, por força do artigo 182 da Constituição da República, ao poder público municipal a quem cabe, portanto, a política de desenvolvimento urbano. Estabelece ainda a Constituição o estabelecimento de diretrizes fixadas em lei geral, atribuída à União.
Aos estados da federação não é dado nenhum papel relevante, nem pela Constituição, nem pela lei geral, o Estatuto das Cidades, Lei 10.257/01, a não ser o de cooperar com a União e os Municípios em relação à política urbana (artigo 3º, II), o que parece ter sido um grande equívoco constitucional já que os estados são os primeiros a agirem e socorrer os municípios em caso de eventos extremos, logo, seu papel no planejamento territorial dos municípios deveria ser melhor considerado inclusive para apoiar com recursos para a estruturação do desenvolvimento das cidades.
Estatuto das Cidades
Importante registrar que o Estatuto das Cidades que entrou em vigor no início dos anos 2000 traz elementos suficientes à visão de cidades sustentáveis capazes de se constituírem em espaços territoriais equilibrados e que gerem qualidade de vida para a população e prevê expressamente o planejamento do desenvolvimento das cidades e sua distribuição espacial como ferramenta essencial a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (artigo 2º, IV).
Nesse contexto, é evidente que a legislação reconhece que a expansão urbana para fins de moradia e desenvolvimento de atividades econômicas é um fator significativo na potencial degradação ambiental, inclusive nas áreas sob influência direta das cidades, conhecidas como espaços periurbanos. Esses espaços, muitas vezes localizados na zona de transição entre o ambiente urbano e rural, são áreas de intensa dinâmica ecológica e social, sofrendo grande pressão por ocupação e uso do solo.
Sob o olhar do potencial poluidor e dos efetivos efeitos adversos ao ambiente, empreendimentos imobiliários, industriais, serviços e todas as demais atividades que se pretendem instalar nas cidades estão sujeitas ao licenciamento ambiental, já que potencialmente causam impactos ambientais negativos.
Nesse sentido, não se pode olvidar que o licenciamento ambiental ao tempo em que se afigura como um dos principais instrumentos para a regulação de atividades que possam causar degradação ambiental, assegurando que essas atividades sejam previamente analisadas e autorizadas com base em seu impacto ambiental potencial ou efetivo, pode e deve ser utilizado como instrumento de controle das adversidades decorrentes da expansão das áreas urbanas e ocupação desses espaços.
Assim, para que as cidades brasileiras sejam sustentáveis e resilientes aos extremos climáticos, há que se alinhar a implementação e o cumprimento do licenciamento ambiental às políticas de planejamento urbano e planos diretores, desafio a mais a ser enfrentado pelo poder público, já que, em geral, esse alinhamento não é dado na imensa maioria das cidades brasileiras.
Desta feita, garantir que o crescimento urbano não comprometa os recursos naturais e a qualidade de vida das populações locais dependerá do enfrentamento dessas questões que passam certamente pelos princípios do direito ambiental e do direito à qualidade de vida nas cidades.
Registre-se que o licenciamento ambiental, sobretudo onde os planos diretores e de ordenamento, ocupação e uso do solo não são eficazes para dinamizar o conceito das cidades resilientes e sustentáveis passa a ter um papel crucial para determinar a mitigação de impactos negativos decorrentes do crescimento urbano, controlando em certa medida o crescimento desordenado das cidades, sobretudo no quesito da gestão das águas.
O licenciamento ambiental que olha individualmente para os empreendimentos e atividades deverá ainda, fortalecer-se para avaliar impactos ambientais relevantes da ocupação urbana. Temas como absorção e reutilização de água de chuva; sistemas de drenagem de águas pluviais eficiente; proibição da ocupação e impermeabilização de locais geologicamente aptos à recarga de aquíferos ou sujeitos a deslizamentos de terra; integração e ampliação de áreas verdes e não edificáveis capazes de absorver a água da chuva e promover a regulação térmica e o micro clima nas cidades; avaliação de densidade ocupacional verificada em relação a impactos sinérgicos em relação à ocupação pré-existente no território urbano; o estabelecimento de infraestrutura verde como parques, jardins, telhados verdes, tecnologias de biorretenção, jardins filtrantes, ruas e calçadas com materiais permeáveis; bacias de retenção de águas pluviais; sistemas ecológicos de coleta e tratamento de esgotos em locais não atendidos por serviços públicos, dentre outras medidas são essenciais a serem exigidos no licenciamento ambiental como requisito para a mitigação de impactos negativos nas cidades.
Evidencia-se assim que nos municípios não contemplados por um planejamento que incorpore estratégias para o enfrentamento das mudanças climáticas e os extremos de escassez e enchentes podem ser atendidos, ainda que não de forma ideal, por licenciamento ambiental eficaz na gestão dos impactos ambientais negativos na ampliação da ocupação dos espaços territoriais urbanos e periurbanos.
Evidentemente que o licenciamento ambiental, sozinho, não terá plena eficácia porque tem foco no empreendimento e não no espaço territorial da cidade como um todo. Além disso é sabido o desafio imposto para a avaliação dos impactos sinérgicos e cumulativos, no âmbito do licenciamento ambiental que pela sua natureza, tem dificuldade de dirigir ações e medidas fora do empreendimento licenciado.
Acrescente-se ainda que a questão jurídica que emerge do possível conflito entre os planos de ordenamento urbano e o licenciamento ambiental é um desafio significativo no âmbito do desenvolvimento sustentável das cidades. De um lado, os planos de ordenamento urbano são instrumentos desenhados para definir o uso e a ocupação do solo em áreas urbanas, visando organizar e facilitar o desenvolvimento e o crescimento das cidades de maneira planejada. Contudo, frequentemente, esses planos não incorporam de maneira suficiente as dinâmicas complexas dos impactos ambientais, focando mais em aspectos econômicos e sociais do desenvolvimento urbano.
Por outro lado, o licenciamento ambiental é um processo regulador que visa proteger o meio ambiente, assegurando que atividades e empreendimentos sejam conduzidos de maneira a minimizar seus impactos negativos. Este licenciamento tem um olhar mais detalhado e individualizado, analisando o impacto específico de cada empreendimento, com dificuldade de avaliar a sua inserção no contexto mais amplo do ordenamento territorial.
Quando ocorre um conflito entre ambos, a questão sobre qual diretriz deve prevalecer torna-se urgente. A resolução desse atrito demanda uma análise jurídica cuidadosa, considerando os princípios de direito ambiental, como o princípio da precaução, da função social da propriedade e o princípio do desenvolvimento sustentável. Tanto a legislação urbanística quanto a ambiental possuem marcos legais e diretrizes que devem ser respeitados, mas em contextos de conflito, uma abordagem integrativa e sustentável é essencial.
A integração das políticas de ordenamento urbano e de licenciamento ambiental deve ser buscada como solução. Isso implica em reformar ou revisar os planos de ordenamento urbano para que contemplem de maneira mais abrangente as questões ambientais, e garantir que o licenciamento ambiental não seja um processo isolado ou meramente burocrático, mas sim integrado ao planejamento urbano.
Diante desse panorama, é crucial que haja uma harmonização entre o ordenamento territorial urbano e o licenciamento ambiental. Deve-se buscar estratégias e políticas que conciliem o desenvolvimento urbano com a sustentabilidade ambiental, fazendo com que uma abordagem não exclua a outra, mas que trabalhem de maneira sinérgica. A prevalência de uma diretriz sobre a outra não deve ser a norma, mas sim a excepcionalidade.
O verdadeiro caminho para a sustentabilidade urbana é a integração entre a paulatina modernização dos planos de ordenamento urbano e a rigidez técnica do licenciamento ambiental. Essa integração promoverá um desenvolvimento urbano mais consciente, onde o crescimento econômico e social caminham de mãos dadas com a preservação ambiental, beneficiando não apenas a geração atual, mas também as futuras.