'Justiça climática: o que as nações ricas devem ao mundo', de Cass Sunstein
31 de maio de 2025, 10h21
A crise climática não é um fenômeno que bate a nossa porta. Trata-se de emergência global que transcende fronteiras exigindo cooperação internacional e solução coordenada, com vistas ao atingimento de metas sustentáveis de longo prazo que compreendem financiamento aos países em desenvolvimento, o fortalecimento da resiliência e o aprimoramento das capacidades básicas de adaptação.

A intensidade e frequência com que os eventos climáticos extremos têm ocorrido demanda aceleração de ações em todas as áreas, como revelou o primeiro balanço global sobre os esforços para implementação do Acordo de Paris divulgado no ano de 2023, na COP 28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos [1].
É neste cenário, em plena Era do Antropoceno, que o professor da Universidade de Harvard Cass R. Sunstein, lançou em 2025, pela MIT Press, a obra Climate Justice: What Rich Nations Owe the World — and the Future (Justiça Climática: O que as Nações Ricas Devem ao Mundo — e ao Futuro). No livro, ainda não traduzido para o português, Sunstein apresenta uma análise rigorosa e fundamentada sobre as responsabilidades das nações desenvolvidas frente à crise climática global, estabelecendo imperativos morais e éticos claros aos países ricos, tanto em relação às nações pobres, quanto às gerações futuras [2].
Apesar do lançamento recente, Climate Justice já foi incluído na lista das leituras obrigatórias do Next Big Idea Club e na badalada lista dos “12 livros para ajudar você a criar um futuro justo e sustentável”, da Yale Climate Connection, além de ter recebidos excelentes críticas em publicações acadêmicas, como na Harvard Law Today, e veiculadas igualmente em alguns dos mais renomados jornais norte-mericanos, como o The New York Times e o Washington Post [3].
Ainda, diversos Professores do MIT, de Harvard e da Georgetown University destacam a obra de Sunstein, por abordar as mudanças climáticas de forma eficaz e equitativa, numa perspectiva inovadora por ser cosmopolita e que leva a sério os danos causados pelas nações ricas às pobres e as gerações futuras [4].
Em que pese o início do seu sucesso acadêmico tenha ocorrido na Universidade de Chicago, onde sofreu notável influencia do professor Richard Posner, e da análise econômica do direito, e ser publicamente grato aos seus colegas e parceiros de pesquisa daqueles tempos, como os professores Eric Posner e David Weisbach, Sunstein, em Climate Justice, chegou a conclusões diferentes das adotadas por eles em 2009 [5] e as do próprio Sunstein isoladamente em Laws of Fear (2005) e em Worst-Case Scenarios (2007) em uma nítida influência que recebeu de colegas de Harvard, nos últimos anos, após migrar para esta instituição, humanizando o seu pensamento e amenizando a sua visão do procedimento da análise do custo-benefício das decisões e sua consequente tendência utilitária amealhada naturalmente como professor da Universidade de Chicago por 27 anos (embora com Alma Mater conquistada na própria Harvard Law School).
A mudança aqui narrada pode ser observada, sem grandes esforços, em algumas de suas obras mais recentes como Valuing Life: Humanizing the Regulatory State (2014) e Averting Catastrophe: Decision Theory for Covid -19, Climate Change and Potential Disasters (2021).
Ideias
Voltemos, em tempo, a recente obra lançada com impacto mundial. Mas, afinal, quais são as mais relevantes ideias de Cass Sunstein inseridas em Climate Justice?
O autor talentosamente desenvolve o seu pensamento ao longo dos vários capítulos a partir de abordagens sobre o cosmopolitismo das mudanças climáticas, discussões sobre as nações ricas e pobres, o custo social do carbono, as gerações futuras, o valor estatístico da vida humana, quem ganha e quem perde com o aumento das emissões, a adaptação, e o papel dos consumidores, articulando a necessidade de compreensão dos deveres jurídicos e morais, como imposições inadiáveis diante da tripla crise: do clima, das poluições e da perda da biodiversidade
Refere que as nações ricas têm uma responsabilidade maior na mitigação dos impactos climáticos e um evidente dever de compensar às nações pobres pelos prejuízos sofridos, bem como às gerações futuras. Reconhece que as nações ricas contribuíram mais para as emissões de gases de efeito estufa (lucrando com isto) e possuem uma responsabilidade intergeracional clara.
Sunstein expõe que a crise climática é uma realidade presente e de impactos severos. Desde 1990, as emissões de fato causaram prejuízos de trilhões de dólares, atingindo especialmente os países mais vulneráveis, enquanto o maior emissor da atualidade é a China e o maior emissor histórico é o seu próprio país, os Estados Unidos. Para Sunstein, em uma visão que pode ser sujeita a várias críticas, que não cabem neste espaço, cada pessoa deve ter o mesmo valor, e utiliza, como base deste pensamento, a ética utilitarista de John Stuart Mill que ele se esforça para conciliar com a “regra de ouro” de Jesus Cristo: amar o próximo como a si mesmo.

Independentemente do peso do nacionalismo e das fronteiras políticas das nações, ele defende uma visão moral ampla, amealhada a partir de sua experiência no governo dos EUA (nas gestões Obama e Biden) e propõe um “custo social do carbono global” para fundamentar políticas públicas. Com os exemplos hipotéticos, bem ao gosto norte-americano, de Finley (países ricos) e Maya (países pobres), discute responsabilidade, justiça e bem-estar. Também defende a neutralidade entre as gerações e o uso de tecnologias que incentivem escolhas sustentáveis, o que é previsível para quem já passou os olhos pelo seu best seller escrito em coautoria com Richard Thaler, Nudge: The Final Edition (2021).
Nesta perspectiva, Sunstein defende que os países devem levar em conta os danos climáticos causados as outras nações ao decidir sobre suas metas de emissões, rejeitando, neste sentido, o nacionalismo, para abrir espaço ao cosmopolitismo climático, que é ético e estrategicamente necessário. Ele argumenta a favor do uso do “custo social do carbono” (SCC — Social Cost of Carbon), imbricado num custo global, em vez de um custo doméstico, consubstanciado pelo elemento da escolha mais justa, fortalecendo um conceito de solidariedade entre os povos.
Embora reconheça limitações nos modelos econômicos usados para estimar o custo social do carbono, Sunstein sustenta que um valor global, mesmo que imperfeito, é mais honesto do que um número doméstico fictício e autocentrado. Como não poderia deixar de ser, não abre mão da análise de pesquisas de economistas do quilate de Nicholas Stern e de Joseph Stiglitz, os quais sustentam que a precificação do carbono e as demais externalidades climáticas devem incorporar elementos distributivos e intergeracionais, afinal, como sabido e consabido, são os mais pobres os seres humanos mais atingidos pelos desastres climáticos, apesar de terem contribuído minimamente para as emissões de gases de efeito estufa.
Com base em sólidos conceitos dos referidos economistas, refere que é extremamente importante focar em sede de justiça climática em dilemas morais, que incluem aspectos distributivos (como quem está mais em risco?) e os direitos e interesses das gerações futuras. De fato, para Stern e Stiglitz, “as mudanças climáticas têm impactos muito desiguais: geralmente são as pessoas mais pobres que são atingidas mais cedo e com mais força; elas vivem em áreas mais vulneráveis, têm menos acesso aos seguros e possuem mecanismos de enfrentamento mais frágeis. Os que menos contribuíram para as emissões estão sempre entre os mais severamente afetados” [6].
No capítulo sobre as “Futuras Gerações”, o foco é a ética intergeracional, a importância da taxa de desconto nas decisões climáticas e o enfrentamento do dilema entre quem paga e quem se beneficia da mitigação climática, como uma espécie de presente, das gerações atuais para as gerações futuras. As gerações atuais devem arcar com os custos das políticas climáticas necessárias, enquanto os maiores benefícios serão sentidos pelas gerações futuras.
A escolha da taxa de desconto — usada para calcular o valor presente dos danos futuros — é crucial para esta conclusão. Pequenas variações nessa taxa alteram drasticamente o resultado das análises. Ele compara as abordagens de Stern (1.4%) e Nordhaus (5.5%) e mostra que a divergência entre eles se resume à taxa adotada, revelando que a discussão é profundamente ética, por implicar eleger um percentual que assegure a melhor taxa de retorno dos investimentos hodiernos.
Sunstein apresenta dois grupos focais: os que seguem a lógica do mercado (positivistas) e os que defendem a igualdade entre gerações (eticistas/moralistas), e propõe um meio-termo: aplicar critérios de mercado ajustados, sem abandonar a obrigação moral de proteger os que ainda não nasceram. Para ele, descontar dinheiro é aceitável, mas descontar vidas e bem-estar é algo moralmente inaceitável. A responsabilidade com o futuro exige, portanto, escolhas equilibradas e bem fundamentadas nos aspecto jurídico, político, ambiental e climático.
Quando à discussão envolve quem ganha e quem perde após decisões públicas, surge outro desafio, o de atribuir um valor monetário à vida humana nas políticas públicas, e se esta prática é benéfica ou prejudicial, especialmente nas decisões relacionadas às mudanças climáticas. Neste ponto, Sunstein cita vários exemplos de como essas decisões afetam de forma desigual os ricos e os pobres.
O ponto central nesta questão é a abordagem da aplicação do Valor Estatístico da Vida (VSL — Value of a Statistical Life) e suas implicações normativas, distributivas e éticas, com ênfase na forma de como esse valor influencia decisões políticas relacionadas às mudanças climáticas, inclusive na formulação do custo social do carbono que no Brasil, por exemplo, tem provocado análises tão ingênuas e equivocadas.
No governo dos EUA, o VSL, por exemplo, gira em torno de US$ 12 milhões, mas em outros países varia conforme a renda. Sob essa lógica, uma vida canadense pode valer 16 vezes mais que uma haitiana; uma inglesa, 20 vezes mais que uma cambojana; e uma catari, 118 vezes mais que uma burundesa.
A moralidade disso é questionável vez que todas as vidas devem ter o mesmo valor sob uma perspectiva de justiça distributiva, exigindo considerar o bem-estar e proteger os mais vulneráveis prioritariamente, inclusive no futuro. Essa estrutura deveria combinar: i) Mecanismos de subsídios (para compensar os mais vulneráveis, com financiamentos direcionados, por exemplo); ii) Intervenções regulatórias (que aumentem a saúde, a segurança e a proteção ambiental, mesmo que não atinjam diretamente os grupos-alvo).
Para Sunstein, o VSL deve ser pensado a partir da perspectiva distributiva evidenciando a necessidade de integração entre economia do clima, equidade social e direitos humanos fundamentais, especialmente quando se trata da formulação de políticas públicas transnacionais em um contexto de justiça climática cosmopolita.
Na perspectiva da “Adaptação” é indispensável a adoção de padrões que permitam o ajuste à realidade dos impactos inevitáveis das mudanças climáticas. Enquanto a mitigação busca reduzir emissões de gases de efeito estufa para evitar danos futuros, a adaptação visa ajustar infraestruturas, comportamentos e políticas para lidar com os riscos já existentes ou esperados. Já a resiliência é a capacidade de uma comunidade ou sistema de absorver choques climáticos e se recuperar rapidamente com respostas efetivas.
Ferramentas de adaptação como subsídios, regulações e nudges (pequenos incentivos comportamentais) podem contribuir também, mas têm efeitos diferentes sobre a distribuição social. Os subsídios, a ferramenta preferida por Sunstein, ajudam diretamente quem os recebe(evitando má gestão e corrupção); as regulações, apesar de positivas, podem aumentar custos para os mais pobres; e os nudges são soluções baratas, mas dependem do contexto e da capacidade de resposta da população.
Inspirado por Rawls, a partir de um olhar prioritarista, o autor refere que é preciso focar na proteção dos que têm menos bem-estar absoluto, mesmo que o ganho total seja menor, sem desconsiderar os riscos de baixa probabilidade, mas de alto impacto, e assim agir, sempre com base no princípio da precaução, diante de incertezas científicas extremas. Nesse horizonte, Sunstein propõe duas etapas para alcançar a justiça adaptativa: (a) educar a população sobre os riscos climáticos [7], e (b) fornecer apoio técnico e financeiro para as nações mais pobres. Diante da desigualdade global, ele conclui que países ricos têm a obrigação moral e ética de financiar a adaptação nos países pobres, com foco no bem-estar real e não apenas em valores econômicos.
As discussões sobre o comportamento do consumidor, por sua vez, mostram que escolhas de consumo também são essenciais na política das mudanças climáticas. Muitos consumidores agem com base em impulsos, e estão profundamente desinformados sobre os riscos imbricados nos produtos e nos serviços, o que gera danos a si mesmos (internalidades) e aos outros (externalidades). O comportamento dos consumidores é moldado pela preferência excessiva pelo presente, pelo imediato e por uma quase total negligência em relação a um futuro ecologicamente sustentável.
Somados a isso, ferramentas como impostos, rótulos ou mandatos têm efeitos variados e nem sempre ajudam quem mais precisa. O uso dos Choice Engines — tecnologias com inteligência artificial que oferecem opções personalizadas e ajudam o consumidor a tomar decisões melhores pode ser uma ferramenta para corrigir erros de julgamento, como o viés do presente, e promover políticas mais justas e sustentáveis, desde que sejam bem desenhadas e reguladas no aspecto da gestão dos riscos ambientais e climáticos.
O livro, em conclusão, é um bom guia para navegar pelas complexidades da política climática atual, sem maniqueísmos, e está embebido de necessários fundamentos éticos e morais que não conseguem se divorciar totalmente, no entanto, de pitadas de utilitarismo.
A obra é oportuna e essencial para players públicos e privados por tratar das implicações de longo prazo das mudanças climáticas e da necessidade urgente da adoção de justiça e de equidade nas políticas climáticas globais e nos convoca, elegantemente, a repensarmos nossas responsabilidades de uns para com os outros, tanto no presente, como em relação as gerações futuras, contribuindo assim para as áreas do direito, da política ambiental, da ética e, claro, da própria justiça climática.
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[1] UNITED NATIONS. Climate Action. Disponível aqui
[2] SUNSTEIN, Cass R. Climate Justice: What Rich Nations Owe the World — and the Future. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2025.
[3] O MIT Press disponibiliza o acesso completo e as repercussões na mídia de Climate Justice, o qual pode ser consultado aqui
[4] As avaliações completas podem ser lidas no Legal Theory Blog aqui
[5] Sunstein refere-se à Climate Change Justice (2009), livro do qual ele era originalmente coautor com Posner e Weisbach, mas que por estar trabalhando no governo do presidente Barack Obama teve de abandonar os escritos. Os fundamentos da obra não estavam alinhados com as políticas públicas de Obama. Entretanto, Sunstein afirma que naquela época concordava com aquelas ideias, mas que hoje, apesar de admirar o escrito originário, discorda da essência dele.
[6] SUNSTEIN, Cass R. Climate Justice: What Rich Nations Owe the World — and the Future. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2025. p. 40.
[7] Cass Sunstein traz como o exemplo os projetos educativos norte-americanos do site heat.gov.
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