Tema nº 1.263/STJ e os desafios do seguro garantia
30 de maio de 2025, 17h26
Tramitam no Superior Tribunal de Justiça os recursos especiais 2.098.943/SP e 2.098.945/SP, que foram afetados como representativos de controvérsia do Tema nº 1.263/STJ, o qual irá “definir se a oferta de seguro garantia tem o efeito de obstar o encaminhamento do título a protesto e a inscrição do débito tributário no Cadastro Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal (Cadin)”.

Trata-se de mais um capítulo de um assunto que há anos ocupa a prática forense. Introduzido na Lei nº 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) pela Lei nº 13.043/2014, o seguro garantia ingressou na legislação tributária com status equivalente ao da fiança bancária, que já constava na redação original da Lei de Execução Fiscal. Menos oneroso ao contribuinte, passou a ser preferido por este na garantia da execução fiscal.
Para além de sua equivalência à fiança bancária, a legislação o equipara, desde a introdução do §2º no artigo 656, do CPC/73 pela Lei nº 11.382/2006, à penhora, ao permitir a substituição desta pelo seguro. Mais expressamente, o CPC/15, no §2º de seu artigo 835, equiparou ao dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia, para fins de substituição da penhora, e o inciso II do artigo 15, da Lei nº 6.830/80, com redação da Lei nº 13.043/2014, fez previsão semelhante.
À primeira vista, poderia um leitor, a partir de uma interpretação literal, concluir que no âmbito das execuções cíveis ou fiscais se permite a substituição de depósito judicial por seguro garantia sem maiores problemas. Contudo, embora possa ser considerada uma realidade nas execuções entre particulares, a situação se diferencia quando se está em discussão os créditos tributários da Fazenda Pública.
Em primeiro lugar, é pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o rol do artigo 151 do CTN, que prevê as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, é taxativo. Isso significa dizer que, entre o depósito em dinheiro, a fiança bancária e o seguro garantia, somente a primeira opção suspende a exigibilidade do crédito tributário, ao passo que as demais não têm esse condão.
Embora a ausência de suspensão da exigibilidade do crédito tributário não esgote a aplicabilidade do seguro garantia, por vezes esse argumento é utilizado para indeferir eventual substituição, a teor do Tema nº 378/STJ [1]. A esse argumento se somam outros, como a ordem de preferência do artigo 11, da Lei nº 6.830/80 ou a necessidade de excepcional situação financeira apta a justificar a aplicação do princípio da menor onerosidade, consagrado no artigo 805, do CPC.
Seguro e regularidade
Pois bem, se é pacífico então que o seguro garantia não suspende a exigibilidade do crédito tributário e que há dificuldades em sua substituição ao dinheiro, por que os contribuintes possuem tanto apreço por essa modalidade de garantia da execução fiscal?

Embora a suspensão da exigibilidade do crédito tributário tenha efeitos mais amplos, como a impossibilidade de inscrição em dívida ativa e ajuizamento da execução fiscal, além de, na garantia do crédito em execução, os valores depositados judicialmente serem atualizados pelo próprio banco, em regra o seguro garantia é suficiente para manter a regularidade fiscal do contribuinte.
Isso porque o artigo 206 do CTN permite a concessão de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (CPEN), não somente nos créditos tributários com a exigibilidade suspensa, mas também nos casos em que seja efetivada a penhora para garantia de créditos em cobrança executiva. Para esse fim, não há maiores discussões acerca da equiparação do seguro garantia à penhora, sendo até mesmo regulado seu oferecimento e aceitação por diversas entidades, a exemplo da Portaria PGFN nº 2.044/2024 e Portaria Normativa PGF nº 41/2022, aplicáveis no âmbito dos créditos tributários sob responsabilidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Procuradoria-Geral Federal (PGF).
Além disso, o seguro garantia teria o condão de afastar métodos de cobrança indireta. No âmbito federal, o artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.522/2002 (Lei do Cadin), prevê que são suspensos do Cadin quando o devedor comprovar que “tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei”. A Portaria PGFN nº 2.044/2024 e a Portaria Normativa PGF nº 41/2022 também preveem a possibilidade de exclusão do Cadin.
Quanto ao protesto do título, não há, na Lei nº 9.492/1997, clareza quanto às hipóteses de sustação, se limitando o Capítulo VII a destacar a possibilidade de o protesto ser judicialmente sustado. No entanto, seria possível sustentar, com base no Tema 902/STJ [2] que a contracautela é apta a sustar o protesto do título, embora o litígio que originou o entendimento não tenha envolvido a Fazenda Pública.
Ou seja, ao optar pelo seguro garantia, o contribuinte espera que poderá manter sua regularidade fiscal e impedir ou suspender cobranças indiretas, por um meio muito menos oneroso que o depósito em dinheiro, na medida em que não precisará, no momento da garantia, ter um desembolso de caixa equivalente ao valor do débito em cobrança. Vale destacar que no âmbito do seguro garantia o prêmio pago à seguradora é em valor muito inferior, de até 3% do débito ao ano [3].
Esse dinheiro, que por vezes pode envolver quantias milionárias, poderá circular na economia, gerando emprego, renda, expandindo as atividades do contribuinte e até mesmo adimplindo tributos, enquanto se discute um débito que, ao fim, poderá ser desconstituído ou, se considerado devido, será pago com a garantia de uma instituição financeira.
Assim, não é difícil compreender a busca dos contribuintes pela utilização do seguro garantia como forma de garantir a execução fiscal, travando discussões sobre seu alcance e a possibilidade de substituir o depósito em dinheiro, pois são diversos os benefícios em sua adoção.
Risco associado ao Tema 1.263
No entanto, parte desses benefícios se encontra ameaçada com o julgamento do Tema nº 1.263/STJ. Como já exposto na primeira parte deste escrito, o STJ irá definir, em sede de recursos repetitivos, se o seguro garantia possui o condão de obstar a inscrição no Cadin e de realizar o protesto do título.
A discussão chega ao STJ por meio de recurso especial do estado de São Paulo, que possui legislação própria sobre o Cadin Estadual (Lei nº 12.799/2008), a qual não considera o seguro garantia instrumento idôneo a obstar ou suspender a inscrição no Cadin, justamente por não se tratar de causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
O tema é alarmante para os contribuintes. Acaso se entenda pela impossibilidade de o seguro garantia obstar a inscrição no Cadin e o encaminhamento a protesto, o instrumento contará com aplicabilidade reduzida, limitando-se, basicamente, à expedição de certidão de regularidade fiscal, nos termos do art. 206, do CTN.
Ainda que não seja desprezível a possibilidade de expedir CPEN, dados os relevantes efeitos que dela decorrem, a inscrição no Cadin e o protesto do título possuem efeitos altamente prejudiciais ao contribuinte, que terá sua credibilidade no mercado afetada, dificultando a obtenção de crédito e a realização de suas atividades.
O seguro garantia passará a ter grande desvantagem se comparado ao depósito judicial, compelindo o contribuinte a adotá-lo, tendo que retirar vultosos recursos da economia para aplicá-los em uma conta de depósito judicial que não se sabe por quantos anos ficarão retidos.
Nesse sentido, são preocupantes os dados apresentados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em seu pedido de ingresso como amicus curiae no REsp nº 2.098.943/SP, em que aponta um contencioso tributário total de R$ 5,44 trilhões, cujos processos tramitam, em média, por 8 anos e 1 mês, e que 48,6% dos débitos são desconstituídos ainda em primeira instância [4].
Igualmente impactantes são os dados apresentados pela Federação Nacional de Empresas Seguradoras (Fenseg) também no seu pedido de ingresso como amicus curiae no REsp nº 2.098.943/SP, segundos os quais o mercado de seguro garantia judicial movimentou, de 2020 a 2024, R$ 18 bilhões em emissão de prêmios, com um índice de sinistralidade médio de 19,25% [5].
Ou seja, minguar a utilidade do seguro garantia poderá ter desdobramentos negativos na economia, seja pela perspectiva do contribuinte, que terá menos recursos para o desempenho de suas atividades por tempo indefinido para garantir um crédito que não raramente será desconstituído ainda em primeira instância, seja pela perspectiva do setor de seguros, que perderá parte de sua arrecadação com essa modalidade de garantia.
Tudo isso para um privilégio do crédito público que não parece se justificar. O seguro garantia é modalidade confiável de assegurar que o crédito tributário executado será pago caso, ao fim, seja considerado devido pelo Poder Judiciário. Pode-se assumir que foi essa a intenção do legislador ao inseri-lo na Lei de Execução Fiscal e equipará-lo à penhora em dinheiro.
Nessa linha, vale mencionar o posicionamento do Ministério Público Federal nos autos do REsp nº 2.098.945/SP, em que, alterando sua manifestação anterior em sentido contrário, opinou pelo desprovimento do recurso especial, pois, em suas palavras:
“o seguro-fiança, embora não se equipare ao depósito do montante integral para que se verifique a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, constitui mecanismo idôneo para obstar a inscrição no Cadin ou Serasa ou o protesto de Certidão de Dívida Ativa.
Isso porque tal mecanismo garante de forma razoável a satisfação do crédito da Fazenda Pública e viabiliza a continuidade da atividade empresarial” [6].
Por outro lado, não foi demonstrado pelo Estado de São Paulo, em ambos os recursos especiais, possíveis danos ao erário que justifiquem tamanha preferência pelo depósito judicial, a ponto de quase inviabilizar o seguro garantia.
Assim, a partir de um juízo de razoabilidade, parece ser menos prejudicial à estrutura do contencioso tributário que se reconheça a possibilidade de o seguro garantia impedir medidas indiretas de cobrança, pois traz equilíbrio à execução fiscal.
Espera-se, portanto, que o STJ dê fim à controvérsia no sentido de reconhecer que, embora o seguro garantia não seja causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, é instrumento apto a garantir a execução fiscal e impedir os efeitos secundários da dívida ativa tributária, obstando a inclusão no Cadin e o protesto do título.
Caso não aconteça, há ainda esperança ao contribuinte no PLP 124/2022. Aprovado no Senado e já tendo sido emitido parecer favorável na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, o projeto de lei complementar eleva o seguro garantia a causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Nessa hipótese, entende-se que, independentemente do que decidir o STJ no Tema nº 1263, o seguro garantia passaria a impedir quaisquer atos de cobrança direta ou indireta, obstando o protesto do título e a inclusão no Cadin.
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema nº 378/STJ. Tese firmada: a fiança bancária não é equiparável ao depósito integral do débito exequendo para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ante a taxatividade do art. 151 do CTN e o teor do Enunciado Sumular nº 112 desta Corte.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Tema nº 902/STJ. Tese firmada STJ. Tese firmada: A legislação de regência estabelece que o documento hábil a protesto extrajudicial é aquele que caracteriza prova escrita de obrigação pecuniária líquida, certa e exigível. Portanto, a sustação de protesto de título, por representar restrição a direito do credor, exige prévio oferecimento de contracautela, a ser fixada conforme o prudente arbítrio do magistrado.
[3] JUNTO SEGUROS. Seguro garantia judicial: a quem se destina e quais são seus benefícios? Blog Junto Seguros, 23 maio 2023. Disponível aqui.
GENEBRA SEGUROS. Seguro garantia judicial. Genebra Seguros. Disponível aqui.
[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Petição de ingresso como amicus curiae da Fiesp no Recurso Especial nº 2.098.943/SP. Rel. min. Afrânio Vilela.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Petição de ingresso como amicus curiae da Fenseg no Recurso Especial nº 2.098.943/SP. Rel. min. Afrânio Vilela.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Parecer apresentado pelo Ministério Público Federal no Recurso Especial nº 2.098.945/SP. Rel. min. Afrânio Vilela.
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