Opinião

Subcomissão técnica nas licitações de publicidade: teoria e prática

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  • é advogado especialista em Direito Público e Digital pós-graduando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) membro do Grupo de Estudos de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (USP) e bacharel em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

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30 de maio de 2025, 15h16

A combinação entre julgamento apócrifo, havido como princípio [1], e atribuição do juízo acerca das propostas técnicas a uma subcomissão composta por profissionais de comunicação, publicidade ou marketing mostrou-se decisiva para o sucesso do projeto de moralização — e racionalização — das licitações de publicidade consubstanciado na Lei nº 12.232/2010.

O diploma legal se estabeleceu como alternativa à incompatibilidade entre os serviços de publicidade e a objetividade estrita [2] idealizada pela então Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993). Além disso, implicou o esvaziamento da tese de que, rigorosamente, o objeto seria ilicitável [3].

Completados 15 anos de vigência da Lei nº 12.232/2010, o tema da subcomissão, originalmente prevista no Decreto nº 6.555/2008 para licitações realizadas pelo Poder Executivo federal, segue a ensejar dúvidas no cotidiano administrativo — em face do predomínio da Lei nº 14.133/2021, atual lei geral, no regime de contratações públicas — e divergências jurisprudenciais em sede de controle externo.

Composição e sorteio da subcomissão técnica

Nos termos do § 1º do artigo 10, a subcomissão deve reunir três ou mais profissionais, sendo pelo menos um terço deles externo, isto é, sem vínculo direto ou indireto, ao órgão ou entidade responsável pela licitação. A escolha dos membros do colegiado técnico se dá mediante sorteio, em sessão pública, a partir de relação formada pelo triplo do número de profissionais a serem sorteados, observada a proporcionalidade mínima citada.

Nesse sentido, colhe-se precedente do Tribunal de Contas da União (TCU) no qual restou consignado que a lei não exige a participação de membros vinculados à administração-licitante, fixando tão somente percentual de profissionais externos a fim de guardar a imparcialidade das decisões [4]. Em razão da centralidade da subcomissão no resultado dos certames, o TCU acrescentou que descabe a designação de membro interno, sem prévio sorteio, ainda que se trate do único servidor que atenda aos requisitos legais.

A composição da subcomissão deve ser definida antes do recebimento das propostas. Eis a regra extraída do § 1º do artigo 11, que impede a presença dos membros na sessão pública destinada a tal [5]. Inexiste, no entanto, previsão legal sobre o momento exato. Parcela da doutrina defende a realização do sorteio antes mesmo da publicação do instrumento convocatório [6], posição contestada, de outro lado, sob a alegação de que a inexistência de edital impediria a previsão de licitação [7].

Interface entre subcomissão e comissão permanente

Embora, do ponto de vista semântico, o prefiro sub sugira inferioridade hierárquica, na dinâmica adotada pela Lei nº 12.232/2010 inexiste hierarquia entre a subcomissão e a comissão permanente ou especial, incumbindo-lhes tarefas distintas.

Spacca

A repartição de competências entre os colegiados foi enfatizada em decisão proferida pelo Poder Judiciário paranaense. In casu, licitante impetrou mandado de segurança alegando a abusividade de ato de membro da comissão que realizou análise – atribuição exclusiva da subcomissão – de proposta técnica e fez constar em ata alerta quanto à tendencial autoria. Diante da desclassificação da agência, deferiu-se a liminar pleiteada para suspensão da concorrência, reconhecendo a quebra do sigilo [8].

Elemento-chave da proposta de objetividade na subjetividade [9], o princípio do julgamento apócrifo deve conduzir a interpretação dos incisos do § 4º do artigo 11. Destaca-se o processamento dos elementos das propostas técnicas em blocos autônomos. Isto é, a subcomissão somente analisará a capacidade de atendimento dos proponentes depois de concluído o julgamento dos planos de comunicação publicitária. Tal procedimento objetiva impedir a “contaminação” retroativa da avaliação dos planos, efetuada a partir da via não identificada, em face do acesso a informações sobre as agências [10].

Nesse passo, anota-se a boa prática vigente no âmbito do Poder Executivo Federal, cuja Instrução Normativa (IN) nº 3/2018 — SG/PR estabelece, nos incisos VI e VIII do artigo 24, a remessa dos elementos à subcomissão em tempos distintos [11]. A orientação se estende, na forma dos incisos I e VII do artigo 55 da IN nº 1/2023 — Secom/PR, ao acesso às chaves para visualização dos planos publicitários e dos arquivos com informações sobre os licitantes em certames realizados sob a forma eletrônica [12], consagrada na Lei nº 14.133/2021.

Análise individualizada e devidamente motivada

A análise individualizada das propostas e a necessidade de justificativa das pontuações atribuídas, ditadas nos incisos III a VI do § 4º do artigo 11 da Lei nº 12.232/2010, têm papel destacado na jurisprudência dos Tribunais de Contas.

TCE-PR

Para citar um exemplo, o Tribunal de Contas do Paraná declarou a nulidade de certame, entre outras razões, em decorrência da utilização de justificativas idênticas, por diferentes integrantes da subcomissão técnica, para fundamentar notas distintas [13]. À vista disso, a Corte aplicou multa administrativa aos membros do colegiado.

Na mesma linha, registra-se decisão da Corte de Contas catarinense na qual, sanada a irregularidade no caso concreto, determinou-se à entidade representada que, em futuras licitações de serviços de publicidade, se incumba de cobrar da subcomissão a realização de julgamento analítico e documentado, evitando análises genéricas [14].

Reavaliação de quesitos: divergências interpretativas

A interpretação do inciso VII do artigo 6º, que prescreve a reavaliação dos quesitos naqueles casos em “que a diferença entre a maior e a menor pontuação for superior a 20% (vinte por cento) da pontuação máxima do quesito”, enseja divergências jurisprudenciais. Afinal, a norma em questão tutela o resultado do julgamento das propostas em si consideradas ou comparativamente?

Em julgado de 2017, o Tribunal de Contas de Minas Gerais reputou irregular, pelo que multou os membros da subcomissão, a ausência de comprovação da realização da reavaliação. As pontuações destoantes, in casu, se referiam a propostas distintas [15]. Mais recentemente, em sentido diverso, a Corte paranaense concedeu medida cautelar para suspender concorrência na qual verificou-se discrepância, à qual não se seguiu reavaliação, entre notas atribuídas por diferentes avaliadores a uma mesma proposta [16].

Cumpre admitir que, do ponto de vista redacional, o inciso VII não é inequívoco. Tampouco o processo legislativo que resultou na aprovação da Lei nº 12.232/2010 elucida a mens legislatoris, tendo em conta que a introdução do dispositivo — ao longo da tramitação na Câmara dos Deputados — não se fez acompanhar de justificativa.

Na doutrina, diverge-se acerca do momento e da extensão da reavaliação. De um lado, sustenta-se a verificação da ocorrência da situação tratada no inciso, ilustrativa de uma dificuldade de julgamento, após o exame de cada plano de comunicação publicitária [17]. De outro, aduz-se a reavaliação de todas as propostas em caso de discrepância entre notas conferidas a licitantes distintos [18], o que pressupõe a conclusão do primeiro – relativamente ao quesito, no mínimo – ciclo avaliativo.

A leitura em conjunto com o § 1º do mesmo artigo 6º aprimora o sentido da norma. De saída, anota-se que, conquanto a lei se refira a reavaliação, procede-se, rigorosamente, a um reexame, considerando que se examina novamente o quesito — o que, na visão do TCU, caracteriza mecanismo de controle interno [19] — sem a obrigação de atribuição de novas avaliações. Prosseguindo, o dever de reexame vincula toda a subcomissão, ao passo que a exigência de motivação qualificada em caso de manutenção das pontuações alcança tão somente os membros responsáveis pelas notas destoantes.

Aliás, referida exigência conduz à inaplicabilidade do reexame às notas finais — leia-se médias — dos quesitos, dado que, na hipótese, não haveria que se falar em “autores das pontuações consideradas destoantes”. Também à luz do § 1º merece ressalva a tese de que o procedimento mira as pontuações parciais atribuídas ao conjunto de propostas. Afinal, na rotina da subcomissão, como se procederia caso um mesmo avaliador conferisse a licitantes distintos a maior e a menor nota do quesito e, a seguir, as mantivesse?

A bem da verdade, o reexame se dirige às pontuações atribuídas a cada proposta em si considerada, impondo-se sempre que o desequilíbrio entre as percepções dos julgadores — vide a menção, no inciso VII, a “restabelecer o equilíbrio” — ultrapassar o limite fixado pelo legislador. Eis a última etapa do percurso de racionalização procedimental das licitações destinadas à contratação de serviços de publicidade.

 


[1] BARRETO JÚNIOR, Edvaldo Costa. O princípio do julgamento apócrifo e a definitividade do julgamento da subcomissão técnica nas licitações públicas do serviço de publicidade. Migalhas de peso, 30 jun. 2022.

[2] REISDORFER, Guilherme F. Dias. Licitação e contratação de serviços de publicidade: reflexões sobre a Lei nº 12.232/2010 em face do Direito das licitações e alguns aspectos práticos. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, v. 12, n. 44, p. 57-76, jan./mar. 2014.

[3] CORRÊA, Antonio Celso Di Munno. Licitação: inexigibilidade na contratação de serviços de publicidade. Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 4. p. 359-376.

[4] Tribunal de Contas da União (Plenário). Acórdão nº 1.548/2019. Relator: Min. Subst. Marcos Bemquerer Costa, 3 jul. 2019.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Contratos de Publicidade da Administração: Lei nº 12.232/2010. Belo Horizonte: Fórum, 2020.

[6] MACHADO, Oscar Pelissari. Licitações de serviços de publicidade: aspectos controvertidos e problemáticos da Lei nº 12.232, de 29.4.10. Boletim de Licitações e Contratos, São Paulo, v. 23, n. 7, p. 677-685, jul. 2010.

[7] JUSTEN FILHO, op. cit.

[8] Comarca de Paranaguá (Vara da Fazenda Pública). Processo nº 0012781-15.2015.8.16.0129. 13 nov. 2015.

[9] KITA, Oscar. A publicidade na Administração Pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

[10] MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Divulgação institucional e contratação de serviços de publicidade: legislação comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

[11] Secretaria-Geral da Presidência da República. Instrução Normativa nº 3, de 20 de abril de 2018.

[12] Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Instrução Normativa nº 1, de 19 de junho de 2023.

[13] Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Plenário). Acórdão nº 2.773/2019. Relator: Cons. Ivan Lelis Bonilha, 11 set. 2019.

[14] Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (Plenário). Processo nº 20/00309229. Relator: Cons. Wilson Rogério Wan-Dall, 16 jun. 2021.

[15] Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (2ª Câmara). Processo nº 958.270. Relator: Cons. Gilberto Diniz, 26 out. 2017.

[16] Tribunal de Contas do Estado do Paraná (Plenário). Acórdão nº 1.677/2024. Relator: Cons. Fábio de Souza Camargo, 20 jun. 2024.

[17] JUSTEN FILHO, op. cit.

[18] KITA, op. cit.

[19] Tribunal de Contas da União (Plenário). Acórdão nº 842/2023. Relator: Min. Subst. Weder de Oliveira, 3 maio 2023.

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