SOIS REI

Regra no pacote orçamentário de Trump permite ao governo ignorar ordens judiciais

Autor

30 de maio de 2025, 7h51

O Senado dos EUA está analisando o novo projeto de lei do orçamento, já aprovado pela Câmara dos Deputados. Senadores republicanos tentam retirar do PL alguns dispositivos que podem lhes custar as próximas eleições — tais como cortes no seguro-saúde das pessoas de baixa renda e regras fiscais a favor dos ricos, entre outras.

Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

Juristas afirmam que Donald Trump será rei dos EUA se projeto for aprovado

A comunidade jurídica, porém, está particularmente preocupada com um dispositivo pouco notado nas mil páginas do PL. É um item não orçamentário que, efetivamente, retira dos juízes federais o poder de punir partes de um processo por desacato ao juízo. Em outras palavras, torna decisões judiciais inexecutáveis.

Se o dispositivo sobreviver à avaliação do Senado dos EUA, a nova lei orçamentária — chamada pelos republicanos de One Big Beautiful Bill Act e pelos democratas de One Big Ugly Bill Act — terá o efeito prático de permitir a autoridades do governo ignorar ordens judiciais, sem risco de punição por desacato ao juízo. O dispositivo diz:

“Nenhum tribunal dos Estados Unidos pode usar fundos alocados para executar uma citação de desacato por descumprimento de uma liminar ou ordem de restrição temporária (mais precisamente, liminar inaudita altera parte) se nenhuma caução foi depositada quando a liminar ou ordem foi emitida, de acordo com o Código Federal de Processo Civil 65(c), na data, antes ou depois da promulgação desta seção”.

Isso significa: se a parte não depositar a caução no ato do pedido de liminar no presente; se não depositou uma caução quando fez um pedido de liminar no passado; e se não fizer o tal depósito em pedido de liminar no futuro, nenhuma ordem judicial a seu favor, no presente, passado ou futuro, pode ser executada. Praticamente, é nula.

O dispositivo é uma adaptação da Regra 65(c), que diz: “Juízes podem conceder uma liminar ou liminar inaudita altera parte (TRO — temporary restraining order) somente se o peticionário fizer um depósito de caução, no valor que a corte considerar apropriado para pagar os custos e danos arcados por qualquer parte sujeita a ser proibida ou reprimida (pela ordem judicial)“.

No entanto, juízes federais raramente impõem a peticionários de liminares o depósito de caução. Sempre prevaleceu o entendimento de que as cortes podem determinar, quando requerem um depósito de caução, que seu valor seja igual a zero.

Rei dos EUA

Se a lei orçamentária for promulgada, para pressionar os juízes a exigir depósito de caução, é possível que eles prefiram estabelecer seu valor em US$ 1. Afinal, se forem calcular o valor dos custos e danos, com base em informações dadas pelo governo, é provável que a grande maioria dos peticionários não tenha recursos financeiros para mover uma ação judicial.

Assim, ficará muito difícil impedir que uma medida inconstitucional do governo, como vem acontecendo com as sucessivas ordens executivas do presidente Donald Trump, seja bloqueada na Justiça Federal — até que o mérito da questão seja julgado. Da mesma forma, será impossível punir as autoridades governamentais por desacato ao juízo.

A Suprema Corte reconheceu, há muito tempo, que o poder de punir por desacato ao juízo é indispensável para manter a autoridade dos tribunais federais. Sem a capacidade de fazer executar ordens judiciais, os tribunais não passariam de meros emissores de pareceres consultivos, que as partes poderiam simplesmente ignorar.

Em 1924, por exemplo, a Suprema Corte indicou que seria inconstitucional um ato do Congresso que exigisse que os tribunais promovessem um julgamento com júri antes que uma parte pudesse ser considerada em desacato civil por violar uma ordem judicial.

A corte enfatizou que, de acordo com o artigo 3º da Constituição, um tribunal federal deve ter autoridade para executar suas ordens. O Congresso não pode usar seus poderes para minar as funções essenciais das cortes federais.

Para alguns juristas, se o dispositivo em questão sobreviver à análise do pacote orçamentário pelo Senado, de forma que o governo possa ignorar ordens judiciais que não lhe agradam, Trump se tornará uma espécie de rei dos EUA. Com informações adicionais de Just Security, The Guardian e The Hill.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!