Os danos do orçamento sigiloso nos pregões
30 de maio de 2025, 8h00
Este texto dá continuidade à discussão iniciada no artigo “Orçamento sigiloso causa distorções nas licitações públicas”, publicada nesta ConJur. Mas agora o foco está nos danos concretos que esse mecanismo impõe aos pregões nacionais e internacionais. Originalmente incorporado ao Regime Diferenciado de Contratações (RDC), o sigilo foi banalizado, transformando licitações em uma “loteria” que gera insegurança jurídica e comercial, desistências e contratos insustentáveis.
Origem e banalização do orçamento sigiloso
O orçamento sigiloso surgiu no Brasil com o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), instituído pela Lei nº 12.462/2011, para atender às demandas de obras e serviços da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Projetos de infraestrutura, muitas vezes envolvendo contratação integrada — onde o contratado responde pelo projeto e execução —, exigiam prazos apertados e soluções inovadoras. O sigilo do orçamento, previsto no artigo 6º do RDC, enfim, buscava flexibilizar a inovação e buscar rapidez naqueles projetos e evitar que os licitantes ajustassem suas propostas ao teto financeiro da Administração.
A ideia originada para obras no RDC levou à incorporação do sigilo para a Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais, artigo 34), como regra padrão, salvo exceções justificadas, além de inclusão no Decreto nº 10.024/2019, para o pregão eletrônico (nesse caso, se não presente no edital, o orçamento seria sigiloso).
A Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos, generalizou o mecanismo no sentido da permissão em todas as modalidades, incluindo o pregão, mas exigindo justificativa (artigo 24). Contudo, essa extensão aos pregões — voltados para bens e serviços comuns, como materiais de escritório, equipamentos padronizados ou serviços de limpeza e tantos outros objetos — causou uma banalização inadequada. Diferentemente das obras do original contexto do RDC, que muito visavam a contratação integrada, os pregões do dia a dia operam em mercados com preços estáveis e alta concorrência, onde a transparência baliza a competição justa e evita conflitos.
Danos concretos nos pregões nacionais
Nos pregões nacionais, o orçamento sigiloso tem causado impactos diretos nos preços, comprometendo a eficiência das contratações. Um dos principais problemas é a surpresa gerada pelo teto de orçamento, revelado apenas após a fase de lances. Licitantes, sem referência do valor máximo, elaboram propostas com base em estimativas próprias, mas frequentemente descobrem, apenas posteriormente, que o orçamento da Administração é insuficiente para cobrir custos operacionais, tributos e margens mínimas de lucro.
Essa “loteria” do setor público leva a uma alta taxa de desistências, com empresas optando por não apresentar documentos de habilitação ou nem prosseguir com propostas de contratos inviáveis, diante da “relevação do preço máximo” após disputa encerrada. O resultado é o aumento de conflitos e sucessivas convocações sem resposta de licitantes aos pregoeiros, e anulações, além de muitos contratos que serão precários e terão problemas sérios.

Os danos se agravam pelas pesquisas prévias de mercado que fundamentam o orçamento sigiloso, pesquisas com base em cotações irreais, que desconsideram custos logísticos, encargos trabalhistas e margens de sustentabilidade, até de objetos não equivalentes (que são tecnicamente diferentes), o que se complica com o alto índice de indeferimento de impugnações que alertam para preços irreais, levando a uma quase perpetuação de orçamentos estimados que não refletem a realidade do mercado. Licitantes sérios, cientes da inviabilidade do contrato, optam por não participar, o que favorece a participação de licitantes “aventureiros”, que oferecem preços inexequíveis, deformando a competição.
O sigilo contribui para um ciclo vicioso de preços banalizados e conflitos. A aceitação de propostas com preços muito baixos em um pregão estabelece um padrão que é replicado em certames futuros, criando uma espiral de orçamentos deficitários, como tratado acima. E quase 100% das impugnações que apontam preços irreais são ignoradas, em nome da economicidade, resultando em contratos insustentáveis, com entregas de baixa qualidade ou inadimplemento. Esse ciclo compromete a eficiência e a qualidade das contratações, gerando prejuízos tanto para a Administração quanto para os licitantes.
Danos concretos nos pregões internacionais
Nos pregões internacionais, os impactos do orçamento sigiloso são ainda mais graves, especialmente devido a certas barreiras enfrentadas por empresas estrangeiras. Licitantes internacionais, sem familiaridade com o mercado brasileiro, precisam estimar os custos logísticos, a equalização tributária e avaliar aspectos regulatórios. Sem uma faixa de preço clara e realista, essas empresas podem subestimar ou superestimar custos, resultando em propostas desclassificadas ou inviáveis. O sigilo desincentiva a participação, reduzindo a concorrência em setores estratégicos, como tecnologia e equipamentos especializados, onde o Brasil busca fornecedores globais.
Comparativamente, nos Estados Unidos, pelo Federal Acquisition Regulation (FAR), o sigilo é algo excepcional e se usa muito as faixas de preço, oferecendo segurança aos licitantes. Na União Europeia, pela Diretiva 2014/24/EU, nota-se que o sigilo surgiu com foco no diálogo competitivo, entretanto, como nos Estados Unidos, demandando informações suficientes para evitar surpresas, equilibrando competitividade e transparência. No Brasil, o sigilo nos pregões internacionais, em ambiente regulatório, logístico e tributário de tantas particularidades, leva ao afastamento do interesse de quantidade razoável dos potenciais licitantes estrangeiros.
Conclusão
O orçamento sigiloso, concebido para obras complexas e urgentes da época do RDC, que tinham muito em evidência a contratação integrada, foi inadequadamente estendido aos pregões, gerando danos concretos aos certames nacionais e internacionais.
Nos pregões nacionais, causa desistências, contratos inviáveis e entregas de baixa qualidade devido a orçamentos irreais e à surpresa do teto financeiro.
Nos internacionais, isso piora e leva a uma perda de quantidade considerável de potenciais licitantes estrangeiros, reduzindo a competitividade. O fim do orçamento sigiloso nos pregões, aliado a pesquisas de mercado mais realistas e de objetos efetivamente comparáveis entre si, é uma urgência no Brasil.
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