Reflexões Trabalhistas

Limitação da condenação ao valor indicado nos pedidos das reclamações trabalhistas

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30 de maio de 2025, 8h00

Em decisão monocrática proferida na Reclamação Constitucional (Rcl) 79.034, publicada em 12 de maio passado, o ministro Alexandre de Moraes cassou acórdão do Tribunal Superior do Trabalho que julgou recurso de revista (Processo 1001255-76.2020.5.02.0718), para limitar a condenação do banco executado ao valor dos pedidos, sob o fundamento de que a decisão reformada teria negado vigência à Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal.

O ministro relator entendeu que o TST teria afastado a aplicação do artigo 840, § 1º da CLT, especialmente no que foi modificado pela Lei nº 13.467/17, sustentando que “embora não tenha declarado expressamente a inconstitucionalidade incidental, o órgão fracionário afastou a aplicação da norma sem observação do art. 97 da CF/88, violando o enunciado da Súmula Vinculante 10 por desrespeito à Cláusula de Reserva de Plenário[1].

Tal entendimento, entretanto, nos parece equivocado.

A Súmula Vinculante 10 estabelece que:

“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”

Ocorre, que o voto proferido no Processo 1001255-76.2020.5.02.0718, pelo ministro do TST, Breno Medeiros, não discutiu a constitucionalidade do artigo 840, § 1º, da CLT, nem tampouco afastou sua incidência, limitando-se a interpretar a norma infraconstitucional aplicável ao caso.

A controvérsia discutida na reclamação perante o STF ateve-se em definir se os valores atribuídos aos pedidos, na petição inicial, limitariam a condenação, notadamente na hipótese em que a reclamante apresentou ressalva expressa, quanto ao fato de a indicação de valores ser uma mera estimativa.

Simplicidade, informalidade e a lógica processual trabalhista

A alteração promovida pela Lei nº 13.467/2017 ao § 1º do artigo 840, da CLT, determinou, de maneira expressa, que os pedidos formulados na inicial deveriam ser certos, determinados e com a indicação de seu valor, senão vejamos:

“Art. 840 – A reclamação poderá ser escrita ou verbal.

§1º Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante.” (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

Spacca

Antes de sua alteração, a exigência de se consignar, na petição inicial, pedidos certos e determinados já era obrigatória, diante da aplicação subsidiária dos artigos 322 e 324 do CPC, nos termos do artigo 769 da CLT e 15 do CPC.

Assim, a inovação legal limitou-se à obrigatoriedade da indicação do valor dos pedidos, no rito ordinário, até porque, desde a Lei nº 9.957/2000, o artigo 852-B da CLT já exigia que as petições iniciais submetidas ao rito sumaríssimo fossem líquidas.

Essa alteração legislativa, porém, demanda interpretação, pois não se pode atribuir aos reclamantes o encargo processual de apresentar o valor exato dos pedidos, para ingressar com uma demanda trabalhista.

De fato, uma das características da jurisdição laboral é o jus postulandi, ou seja, o direito de postular em juízo, previsto no artigo 791 da CLT:

“Art. 791 – Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.”

Não é por outra razão que o § 1º, do artigo 840, da CLT, manteve a previsão relativa ao dever da parte de apresentar, simplesmente, uma “breve exposição dos fatos”, já que os litigantes, em regra, não possuem conhecimento técnico para formular fundamentos jurídicos do pedido.

Como se não bastasse, o empregado também não detém a posse dos documentos da relação de trabalho, posto que a obrigatoriedade de sua manutenção, é do empregador.

Ora, se um empregado por exemplo, pleiteasse o pagamento de jornada extraordinária, alegando que as horas excedentes foram corretamente registradas, mas não pagas em sua totalidade, seria fundamental que o empregador apresentasse os cartões de ponto e os recibos de pagamento, que se encontram em seu poder, para viabilizar o cálculo do pedido.

Ou seja, a exigência da indicação do valor do pedido imposta ao empregado inviabilizaria seu acesso à justiça.

Deste modo, o artigo 840, § 1º, da CLT deve ser interpretado de forma teleológica e mediante a observância dos princípios da simplicidade e da informalidade, que orientam toda a lógica processual trabalhista.

Por tais motivos, é que o § 2º, do artigo 12 da Instrução Normativa 41/2018 do TST, estabeleceu que:

“Para fim do que dispõe o art. 840, §§ 1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 a 293 do Código de Processo Civil.”

Interpretação em sentido contrário, que limitasse a condenação ao valor dos pedidos, afrontaria, além dos princípios da simplicidade e informalidade, os princípios da oralidade e do dispositivo, que asseguram às partes reclamantes o direito de ir a juízo pleitear as verbas que entendem devidas.

Como se não bastasse, o artigo 291, do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo trabalhista, determina a atribuição de “valor certo” à causa, inexistindo qualquer obrigação de liquidação do valor da causa, tampouco do pedido, com efeito vinculativo à condenação.

Até porque, estabelece o artigo 491 do CPC, igualmente aplicável de forma subsidiária à jurisdição trabalhista, que quando se tratar de obrigação de pagar quantia, a decisão:

“(…) definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso, salvo quando:

 I – não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido;

II – a apuração do valor devido depender da produção de prova de realização demorada ou excessivamente dispendiosa, assim reconhecida na sentença.”

 Portanto, a necessidade de liquidação dos pedidos pelo autor na inicial trabalhista viola o princípio constitucional de acesso à justiça (artigo 5º, XXXV, da CF), e os princípios próprios do direito processual do trabalho, relativos à simplicidade, informalidade, jus postulandi e oralidade, diante da desigualdade jurídica existente entre as partes.

Essa conclusão não viola a Súmula Vinculante 10, pois não afasta a incidência do artigo 840, § 1º, da CLT, mas apenas o interpreta de forma a garantir o acesso à justiça.

 


[1] Rcl 79.034/SP

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