Opinião

Necessário restabelecimento da paridade remuneratória diante da nova configuração das gratificações

Autor

  • é advogado sócio do escritório Liporaci Advogados especialista em Direito Público (com foco em Direito Constitucional Administrativo e Processual Civil) e parecerista.

    Ver todos os posts

29 de maio de 2025, 16h24

A forma como a administração pública federal passou a remunerar seus servidores mudou bastante entre as décadas de 1990 e de 2000. No lugar de salários fixos e previsíveis, surgiram as chamadas gratificações de desempenho, que, em tese, deveriam premiar aqueles que entregam maior produtividade.

A ideia parecia virtuosa: valorizar o mérito e estimular a eficiência. Mas, na prática, essa sistemática foi desenvolvida para consolidar um abismo entre os vencimentos de quem está na ativa e os proventos de quem já se aposentou — especialmente entre os que fazem jus à chamada paridade remuneratória, ou seja, à equiparação com os servidores da ativa.

Durante anos, aposentados e pensionistas receberam valores muito inferiores aos dos colegas em atividade, ainda que a gratificação fosse paga a esses últimos de forma generalizada, sem avaliação real de seu desempenho. Foi o caso da Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS) e da Gratificação de Desempenho de Atividade de Perícia Médica Previdenciária (GDAPMP), verbas devidas aos servidores do INSS e aos peritos médicos federais, respectivamente.

A criação dessas parcelas se deu a partir do discurso de premiar o bom desempenho, mas, por longos períodos, o que se observou foi o seu pagamento de forma igual para todos os ativos — mesmo para os que estavam afastados ou cedidos a outros órgãos. Os inativos, no entanto, ficaram de fora dessa lógica.

Foi só em 2016 e 2017 que houve a sinalização de mudança desse cenário, com a publicação das Leis n. 13.324 e 13.464, respectivamente. Essas normas estabeleceram que os servidores em atividade passariam a receber, no mínimo, 70 pontos a título de gratificação — sem depender de avaliação alguma. Isso conferiu à GDASS e à GDAPMP uma característica nova: passaram a ser genéricas, automáticas e lineares, ao menos até esse limite mínimo (70 pontos).

Spacca

E aqui está o questionamento central: se a lei passou a garantir, de forma obrigatória, o pagamento de pelo menos 70 pontos a todos os servidores em atividade, sem exigência alguma de desempenho, por que manter aposentados e pensionistas com valores congelados em 50 pontos?

Injustiça histórica

Esse tratamento desigual fere diretamente o princípio constitucional da paridade. Não se trata de discutir mérito ou produtividade: trata-se de aplicar a previsão expressa da Constituição.

O próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema nº 983 da Repercussão Geral, afirmou que, enquanto não houver avaliação de desempenho válida, as gratificações ostentam natureza genérica e devem ser pagas igualmente a ativos e inativos.

E mesmo depois disso, posicionamentos jurisprudenciais recentes mostram que o debate continua em aberto. No âmbito do Recurso Extraordinário nº 1.408.525 (Tema n.º 1.289), por exemplo, houve o reconhecimento de que a discussão sobre o pagamento paritário da GDASS retomou sua relevância constitucional após a edição da Lei nº 13.324, justamente por causa da fixação do novo patamar mínimo de 70 pontos. A Turma Nacional de Uniformização (TNU) também já se posicionou nesse sentido no julgamento do Tema n. 294.

No caso da GDAPMP, o cenário é idêntico. A Lei nº 13.464/2017 também garantiu os mesmos 70 pontos mínimos para todos os ativos, sem vinculação com desempenho. E, de igual modo, os inativos continuaram recebendo menos.

Esse modelo é inconstitucional e perpetua uma injustiça histórica. Por muito tempo, os servidores que se aposentaram sob a égide da garantia constitucional da paridade observaram a sua equiparação remuneratória ser anulada por gratificações que, na prática, não estavam baseadas em produtividade, mas sim em mecanismos de contenção de gastos com inativos. Hoje, quando a própria lei reconhece que há um mínimo garantido para todos os ativos, negar isso aos inativos é manter uma discriminação injustificável.

É preciso entender que a luta por paridade não é um pedido de privilégio. É um direito estatuído explicitamente na Constituição. E é também uma forma de valorizar aqueles que dedicaram décadas de vida ao serviço público. Quando a gratificação é paga de forma automática, universal e indistinta aos ativos, o correto — e o justo — é estendê-la aos inativos nos mesmos moldes.

Por isso, um número cada vez maior de tribunais tem reconhecido esse direito. A jurisprudência pacífica dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) da 1ª e da 4ª Região, além própria TNU, aponta para um mesmo caminho: se há um patamar mínimo e inflexível da gratificação para os ativos, ela deve ser paga de forma igualitária para quem faz jus à paridade.

Esse entendimento também aniquila a ideia de que a pretensão violaria o Enunciado nº 37 da Súmula Vinculante do STF, que proíbe o Judiciário de conceder aumento com base em isonomia. Na hipótese sob análise, o pedido não é por aumento, mas pela aplicação do próprio regime jurídico da paridade. É uma questão de mera coerência legal e constitucional.

Em resumo, a incorporação da GDASS e da GDAPMP no patamar mínimo de 70 pontos para aposentados e pensionistas com direito à paridade não é apenas uma exigência legal — é uma questão de garantia da justiça e da força normativa dos dispositivos constitucionais. É hora de corrigir um erro histórico e reconhecer aos inativos o que já é assegurado aos servidores ativos: o respeito ao seu trabalho, ao seu tempo de serviço e aos direitos que a Carta Magna lhes outorga.

Nesse contexto, ganha especial relevância o julgamento do já citado Tema nº 1.289 da Repercussão Geral, atualmente em trâmite no STF. Em breve, a Suprema Corte terá a oportunidade de enfrentar, com a profundidade devida, a nova moldura legal das gratificações de desempenho — notadamente a GDASS — após a edição da Lei nº 13.324/2016. Trata-se de um caso paradigmático para todos os servidores que se aposentaram sob o regime da paridade e que, até hoje, seguem penalizados por interpretações incompatíveis com a realidade normativa vigente.

Diferentemente do que se decidiu no Tema nº 983, a controvérsia atual repousa sobre um novo modelo legislativo que rompe com a lógica anterior da gratificação vinculada ao desempenho. Ao prever legalmente o pagamento mínimo e linear de 70 pontos a todos os servidores ativos, a nova redação confere à GDASS feição genérica e incondicionada — razão pela qual deve ser estendida aos inativos com direito à paridade, tal como exige a Constituição.

O STF tem, assim, a chance de afirmar, de forma inequívoca, que paridade não é concessão — é garantia constitucional. Julgar o Tema nº 1.289 de forma favorável aos inativos é reconhecer que a Constituição continua a valer também para quem já dedicou uma vida inteira ao serviço público. É reconhecer que o tempo não suprime direitos.

Autores

  • é bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), mestrando em Direito Constitucional (IDP) e ⁠Presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-DF, pós-graduado em Gestão de Negócios (CBA) pelo Insper e se especializou em Direito Público, com foco nos Direitos Constitucional, Administrativo e Processual Civil.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!