Opinião

Aumento do IOF e contrariedade à função de planejamento do orçamento

Autores

  • é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

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  • é advogada. Mestranda em Direito pelo Departamento de Direito Financeiro Econômico e Tributário da Faculdade de Direito da USP.

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29 de maio de 2025, 7h01

É função precípua do orçamento a ordenação prospectiva das finanças públicas, com vistas ao crescimento econômico e social do país, fruto maior do desenvolvimento nacional (artigo 174, § 1º, CF), da erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, II e III, CF). É a função de planejamento que eleva o orçamento ao status de peça-chave do Estado Democrático e Social de Direito.

Nesse sentido, a oferta de crédito exerce papel central no crescimento do PIB brasileiro, ao permitir a obtenção pelas empresas dos recursos necessários ao processo produtivo ou prestação de serviços, investimentos para a evolução ou aprimoração da atividade econômica, expansão da folha de salários e demais aspectos da atuação empresarial, além de, sob o ponto de vista do consumidor, viabilizar a aquisição de bens e serviços, inclusive, com pagamento parcelado, com a consequente manutenção da demanda de mercado.

Essa dinâmica sustenta o crescimento econômico, o que faz do crédito uma variável determinante e sensível nas políticas macroeconômicas. Mais do que um instrumento financeiro, o crédito atua para a inclusão social e desenvolvimento econômico, em concretização dos objetivos do Estado brasileiro prescritos pelo artigo 3º da Constituição, de promoção do desenvolvimento nacional, redução das desigualdades e construção de uma sociedade justa e solidária.

De forma direta, o crédito pessoal permite que famílias de baixa renda tenham acesso a recursos para investir em direitos fundamentais, como educação e moradia. De forma indireta, o crédito corporativo fomenta o capital de giro e a liquidez necessários ao crescimento das empresas, à geração de empregos e à melhoria da renda.

O crédito corporativo funciona como uma espécie de radar da economia, visto que o seu crescimento, em geral, está associado à confiança do mercado no futuro do país. Enquanto o crédito pessoal está associado à ótica da demanda, o crédito empresarial está à ótica da oferta de bens e serviços, com reflexos no aumento da receita, arrecadação, geração de emprego e crescimento do PIB. Por isso, períodos de aceleração do crédito empresarial costumam coincidir com fases de aquecimento econômico.

De acordo com dados do Banco Central, o crédito corporativo, em 2020, cresceu mais do que o crédito para pessoas físicas, com um aumento de 21,8% no estoque total, em comparação a 11,2% deste último [1]. A partir de então, no entanto, observou-se uma desaceleração no crédito corporativo, cujo crescimento caiu para 4,7% em 2023, ao passo que o crédito pessoal avançou 10,4% no mesmo período [2].

Alta do IOF e inconstitucionalidades

No último dia 22 de maio, o governo federal, com o objetivo de aumentar a arrecadação fiscal para fazer frente às contas públicas, editou o Decreto nº 12.466/2025, que está sendo alvo de críticas pelas mudanças promovidas no IOF, com impacto sobretudo para as operações de câmbio, crédito corporativo e seguros.

No caso do crédito corporativo, a alíquota diária foi duplicada, de 0,0041% para 0,0082%, enquanto a alíquota adicional subiu de 0,38% para 0,95%. As empresas contribuintes do Simples Nacional, em relação às operações de até R$ 30 mil, também tiveram a alíquota diária majorada de 0,00137% para 0,00274%. E as cooperativas de crédito cujo volume de operações no exercício anterior ultrapasse R$ 100 milhões deixam de gozar de alíquota zero do imposto.

Ives Gandra da Silva Martins

A medida do governo também afeta as operações de arranjos comerciais, uma vez que, a partir de 1º de junho de 2025, as antecipações de recebíveis e financiamento antecipado tornam-se equiparadas a operações de crédito, com a incidência do IOF mediante a mesma carga conferida aos empréstimos tradicionais.

O governo federal deixou claro o objetivo arrecadatório da medida, o que, inclusive, é juridicamente contestável ante a função extrafiscal do imposto, sem considerar as demais inconstitucionalidades que maculam o decreto em questão. O que mais surpreende, entretanto, é a adoção da lógica de “aumento da arrecadação para cobrir o aumento da despesa”, sem serem levadas em conta as diversas variáveis que o crédito atinge no desempenho da economia, em contrariedade à função de planejamento que norteia o gerenciamento do orçamento público.

A elevação do IOF encarece o crédito corporativo. Estudos do Banco Central para o período de 2018 a 2023 demonstram que a carga tributária corresponde entre 18 e 22% do índice de custo de crédito (ICC) [3]. A política do Decreto nº 12.466/2025, assim, provoca o aumento do custo efetivo do financiamento (CEF), com a consequente elevação da taxa efetiva do crédito, o que tem efeitos negativos sobre a busca por crédito formal, o aumento do custo do capital e acesso de pequenas e médias empresas a recursos financeiros.

Aumentar a arrecadação por meio do encarecimento do custo corporativo, sem dúvida, vai de encontro ao discurso de responsabilidade fiscal. Mas, colocando as mudanças do IOF na ponta do lápis, não é só o setor privado que sai prejudicado. Quando há menos investimento, todos — empresas, trabalhadores e Estado — pagam a conta, em sentido diametralmente oposto ao dever de “escolhas conscientes” que impõe o planejamento orçamentário.

Planejamento, em matéria orçamentária, pressupõe escolhas conscientes, eficazes e bem direcionadas tanto em relação à arrecadação fiscal, quanto ao gasto público, orientadas e legitimadas pelo texto constitucional, para a satisfação do interesse público e efetivação de direitos fundamentais, segundo um plano de ação e governo. Torçamos, portanto, para que o Decreto nº 12.466/2025, seja revogado para supressão de suas inconstitucionalidades em nosso ordenamento jurídico, antes que seus efeitos negativos acarretem prejuízos reais à economia do país.

 


[1] Banco Central do Brasil. Relatório de Economia Bancária e Crédito 2020. Brasília: Banco Central do Brasil, 2020. Disponível aqui.

[2] Banco Central do Brasil. Relatório de Economia Bancária 2023. Brasília: Banco Central do Brasil, 2023. Disponível aqui.

[3] Banco Central do Brasil. Relatório de Economia Bancária 2023. Brasília: Banco Central do Brasil, 2023. Disponível aqui. Acesso em: 26 maio 2025

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  • é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de S. Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

  • é advogada. Mestranda em Direito pelo Departamento de Direito Financeiro, Econômico e Tributário da Faculdade de Direito da USP.

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