Opinião

Fim da reeleição: moralização da política ou novo privilégio das elites?

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  • é jornalista e vice-presidente da Câmara de Industria Comércio e Turismo Brasil México. Foi candidato a governador de São Paulo e porta-voz nacional da Cruz Vermelha Brasileira.

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26 de maio de 2025, 17h23

A recente aprovação, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 12/2022), que extingue a possibilidade de reeleição para cargos do Executivo e amplia os mandatos para cinco anos, reacende um dos debates mais complexos da nossa democracia: como garantir estabilidade política sem sacrificar a soberania popular?

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O substitutivo aprovado, de autoria do senador Marcelo Castro (MDB-PI), extingue a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos, mesmo que esses deixem o cargo seis meses antes da eleição. Como compensação, os mandatos passarão a ser de cinco anos, assim como os mandatos legislativos — deputados federais, estaduais, distritais e vereadores — que manterão a possibilidade de reeleição.

Além disso, todos os mandatos serão unificados em eleições realizadas a cada cinco anos, a partir de 2034, pondo fim à alternância bienal entre eleições municipais e gerais que ocorre atualmente. O Senado também passará por uma mudança drástica: as eleições deixarão de ser alternadas e todas as 81 cadeiras serão renovadas simultaneamente, a partir de 2039, com mandatos igualmente de cinco anos, conforme emenda do senador Carlos Portinho (PL-RJ).

Essa proposta, que agora segue para o Plenário com pedido de urgência, representa uma das maiores mudanças no sistema político-eleitoral brasileiro desde a Constituição de 1988 e a introdução da reeleição pela Emenda Constitucional nº 16/1997.

O fim da reeleição: avanço ou retrocesso?

Como ex-candidato a governador de São Paulo e estudioso da gestão pública, vejo com preocupação a velocidade e a forma como mudanças estruturais estão sendo conduzidas no país. Reformas dessa magnitude exigem não apenas apoio parlamentar, mas, sobretudo, respaldo social e debate amplo com a sociedade civil, especialistas e instituições.

Aqui se impõe o respeito ao princípio democrático, pilar da nossa Constituição de 1988, que exige participação efetiva da sociedade nas grandes decisões políticas (artigo 1º, parágrafo único: “todo o poder emana do povo”).

Confesso que aprecio a possibilidade que o fim da reeleição traz, pois evita transformar a política partidária em um sistema de empreguismo sustentado pelo cidadão brasileiro. A busca pela reeleição, como ensina a doutrina constitucional (cf. José Afonso da Silva), muitas vezes compromete a impessoalidade da administração pública, violando o princípio da moralidade (artigo, caput, da Constituição).

O próprio presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD-BA), classificou a reeleição como “um dos piores males para o Brasil”, recordando que até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo governo introduziu a mudança, reconheceu posteriormente o erro.

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No entanto, precisamos ser cautelosos. A medida que acaba com a possibilidade de reeleição no Executivo poderá reduzir a promiscuidade entre governo e campanha, mas também pode gerar efeitos colaterais preocupantes: governantes sem possibilidade de reeleição podem se distanciar do interesse público, conduzindo políticas irresponsáveis ou populistas, já que não estarão sujeitos ao julgamento eleitoral.

Experiências internacionais: lições e armadilhas

Ao observarmos modelos internacionais, percebemos que o mundo democrático optou por caminhos diversos, sempre calibrando a estabilidade com a alternância de poder.

Nos Estados Unidos, o presidente pode ser reeleito uma única vez, com mandatos de quatro anos. Esse modelo busca equilíbrio: há espaço para continuidade, mas com limite bem definido.

O México seguiu caminho oposto: proibiu totalmente a reeleição para presidente, que cumpre mandato de seis anos e jamais pode retornar ao cargo. Esse modelo evita a perpetuação, mas cria o risco de presidentes que, sabendo que não poderão continuar, governam sem responsabilidade, transferindo ônus e dívidas para os sucessores.

Na França, sob um sistema semipresidencialista, permite-se uma reeleição, com mandatos de cinco anos — combinação interessante que oferece estabilidade suficiente para implementar políticas públicas, mas com clara limitação ao poder pessoal, atendendo ao ideal republicano da não perpetuação no poder.

A Alemanha, sob o parlamentarismo, não limita o número de mandatos do chanceler, mas este depende permanentemente da confiança do Parlamento — um mecanismo de freios e contrapesos essencial para assegurar a separação de poderes, princípio estruturante da ordem constitucional brasileira (art. 2º).

Na Argentina, há possibilidade de reeleição uma única vez, com mandatos de quatro anos. Mas observa-se, também lá, o risco da hiperpersonalização das lideranças e do populismo, fenômeno que o Supremo Tribunal Federal brasileiro tem condenado como prática contrária ao regime republicano (ADI 1350).

As novidades da proposta brasileira

A PEC aprovada na CCJ traz ainda outras mudanças significativas:

-Mandatos legislativos de cinco anos, estendidos a deputados federais, estaduais, distritais, vereadores e senadores.

-Unificação de todas as eleições — municipais, estaduais e federais — a partir de 2034, o que, segundo o relator Marcelo Castro, reduzirá custos eleitorais e trará mais clareza ao processo.

-Extinção da eleição alternada para o Senado: hoje, dois terços das cadeiras são renovadas numa eleição e um terço na seguinte; a proposta prevê que todos os 81 senadores sejam eleitos simultaneamente a cada cinco anos, a partir de 2039.

O relator Marcelo Castro reconheceu que cedeu ao consenso político ao alterar sua proposta inicial, que previa mandatos de dez anos para senadores, prática comum em outros países bicamerais.

Unificação das eleições: economia ou risco de confusão?

O relator justifica a unificação das eleições como medida de eficiência administrativa e redução de custos, liberando recursos para áreas como saúde e educação. De fato, o modelo atual obriga a realização de eleições a cada dois anos, com pesados custos financeiros e logísticos.

Contudo, a unificação de pleitos tão diversos em um único momento pode sobrecarregar o eleitor, dificultar o debate qualificado sobre temas locais e nacionalizar ainda mais as campanhas municipais, prejudicando a pluralidade e a representatividade.

Riscos e oportunidades

O senador Jorge Kajuru (PSB-GO), autor da proposta original, afirmou que o objetivo principal da PEC é “dar mais equilíbrio à disputa”, já que quem está no poder possui vantagens como visibilidade e acesso à máquina pública.

Essa é uma constatação inegável, mas também precisamos considerar outro aspecto: a extensão dos mandatos sem possibilidade de reeleição pode criar um efeito inverso, afastando os governantes do controle social e da necessidade de prestar contas ao eleitorado.

Aqui, é essencial lembrar do princípio da periodicidade eleitoral, reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como componente essencial de eleições livres e democráticas. A periodicidade assegura o direito do eleitor de corrigir ou ratificar suas escolhas e reforça o accountability político.

Reforma isolada ou transformação real?

O mais grave, contudo, é que mais uma vez optamos por uma reforma isolada, fragmentada, sem atacar os verdadeiros problemas da nossa democracia: a fragmentação partidária, o financiamento opaco das campanhas, o abuso do poder econômico e a falta de representatividade efetiva.

Sem enfrentar essas questões estruturais, qualquer mudança pode ser inócua ou até mesmo prejudicial, rearranjando o jogo do poder e criando novos privilégios, em vez de fortalecer a democracia.

Vejo na proposta de fim da reeleição uma oportunidade para repensarmos o modelo, mas temo que, sem um diagnóstico completo e reformas estruturantes, apenas se legitime uma nova elite política, ainda mais afastada do eleitor.

O modelo ideal para o Brasil?

Talvez seja o de equilíbrio: mandatos de quatro ou cinco anos, com possibilidade de uma reeleição. Isso dá ao eleitor o poder de premiar boas gestões e punir maus governantes, preservando a alternância e estimulando a responsabilidade administrativa.

Mais do que mudar o calendário ou a duração dos mandatos, precisamos fortalecer as instituições, qualificar o debate público e reforçar os mecanismos de fiscalização e participação social, como determina o artigo 14 da Constituição, que consagra a soberania popular através do voto direto, secreto, universal e periódico.

Reformar para avançar — e não apenas para rearranjar o poder

Em tempos de crise de representação e de desconfiança generalizada nas instituições, precisamos de mais democracia, mais participação e mais responsabilidade. O fim da reeleição pode ser um passo nesse caminho, desde que não seja usado como pretexto para perpetuar as velhas práticas sob novas roupagens.

Autores

  • é jornalista, graduado em Jornalismo e Relações Públicas, integrante da OAB-SP em diversas Comissões e graduando em Gestão Pública pela UniDrummond. Foi candidato ao governo de São Paulo em 2014.

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