Influenciadores digitais e publicidade institucional: é possível contratar via dispensa?
25 de maio de 2025, 6h32
Nos últimos anos, o uso de influenciadores digitais como estratégia de comunicação institucional tem ganhado espaço também no setor público. Campanhas educativas em saúde, segurança no trânsito e programas sociais passaram a explorar o engajamento e a linguagem direta dos criadores de conteúdo, especialmente junto a públicos segmentados e de difícil acesso por canais tradicionais.

Nesse contexto, surge uma dúvida ainda pouco enfrentada pela doutrina e pela jurisprudência: é possível contratar influenciadores digitais por dispensa de licitação? A resposta exige uma análise cuidadosa das hipóteses legais, da natureza do serviço prestado e, sobretudo, da aplicação rigorosa dos princípios da administração pública.
Publicidade institucional x serviço comum de divulgação
A contratação de serviços de publicidade institucional pelo poder público possui regramento próprio. De acordo com o artigo 37, §1º da Constituição, a publicidade dos atos, programas, obras e serviços deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, vedada a promoção pessoal de autoridades ou servidores.
Essa diretriz é operacionalizada, nos casos mais complexos, por meio da Lei 12.232/10, que determina a obrigatoriedade de concurso público para a contratação de agências de publicidade. Entretanto, nem toda divulgação institucional exige essa formalidade.
A Lei 14.133/21, em seu artigo 75, prevê hipóteses de dispensa de licitação, entre elas, quando não houver viabilidade de competição (inciso II). O artigo 74 trata também da inexigibilidade, possível nos casos de contratação de profissionais ou empresas de notória especialização.
Nesse ponto, é essencial distinguir entre dois tipos de serviço:
- Serviço comum de divulgação: caracteriza-se pela prestação direta e objetiva, como a veiculação de mensagens institucionais em redes sociais, com linguagem acessível e foco em públicos específicos. É o caso de campanhas locais de vacinação ou segurança pública realizadas por influenciadores com atuação em uma comunidade ou região.
- Serviço de publicidade institucional complexa: exige planejamento estratégico, estudos de mídia, criação de campanhas multicanal e análise de resultados, devendo ser contratado por meio de agência de publicidade, conforme a legislação específica.

O Tribunal de Contas da União (TCU) já indicou essa distinção de maneira implícita em decisões que discutem a natureza dos serviços de divulgação. O Acórdão 2.143/2020 — Plenário, por exemplo, ressalta a necessidade de “adequada instrução processual mesmo nos casos de contratação direta, com a demonstração da razoabilidade e economicidade da escolha do fornecedor”.
Princípios da impessoalidade e da isonomia: critérios objetivos são obrigatórios
Mesmo quando se entende que a contratação pode ocorrer por dispensa, a escolha de um influenciador digital específico deve observar critérios objetivos, com base nos princípios da impessoalidade e da isonomia. O administrador público não pode contratar com base em afinidades pessoais, visibilidade política ou notoriedade subjetiva.
A impessoalidade exige que o interesse público seja o único fundamento da escolha. Já a isonomia impõe tratamento equitativo a todos os potenciais contratantes, impedindo favorecimentos ou exclusões arbitrárias. Por isso, é necessário que a escolha esteja fundamentada em dados concretos, tais como:
- compatibilidade do público do influenciador com o público-alvo da política pública;
- índice de engajamento e alcance médio real (e não apenas número de seguidores);
- adequação da linguagem e do conteúdo à finalidade institucional;
- custo-benefício e comparação com outros meios de comunicação.
Nesse sentido, a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro lembra que “o dever de motivação do ato administrativo é ainda mais rigoroso nas hipóteses de contratação direta, justamente por se afastar da regra geral da licitação” (DI PIETRO, Direito Administrativo, 34. ed., 2021).
Justificativa clara e mensurável: o que é exigido?
A justificativa clara e mensurável é aquela que pode ser auditada, compreendida e replicada por terceiros. Isso significa que a administração deve produzir documentos técnicos que demonstrem:
- que houve pesquisa prévia de mercado com levantamento de alternativas;
- que a escolha do perfil foi motivada por critérios técnicos, com estudo de dados de engajamento e relevância;
- que a contratação atende aos princípios da eficiência e economicidade, ou seja, oferece resultados proporcionais ao investimento.
A ausência desses elementos pode configurar irregularidade e ensejar responsabilização do agente público. O próprio TCU já pontuou, em decisões envolvendo contratações diretas, que a “inexistência de critérios objetivos de seleção e justificativa fundamentada fragiliza o processo e pode comprometer a legalidade do contrato” (TCU, Acórdão 1.574/2019 — Plenário).
Conclusão
A contratação de influenciadores digitais pela administração pública é juridicamente possível, mas não é livre nem automática. Exige que o gestor público demonstre com rigor técnico, jurídico e ético que a dispensa ou inexigibilidade é o caminho mais adequado e que a escolha do influenciador se deu com base em critérios impessoais, objetivos e mensuráveis.
Num cenário de transformação digital e aproximação do Estado com a sociedade civil por meio das redes sociais, o desafio não está apenas na legalidade da contratação, mas na responsabilidade com que ela será conduzida. O interesse público continua sendo o centro de gravidade de qualquer contratação pública, inclusive quando se trata de curtidas, compartilhamentos e hashtags.
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