Segunda Leitura

A influência das redes sociais na imparcialidade dos juízes

Autor

  • é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

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25 de maio de 2025, 8h10

A imparcialidade dos juízes é o primeiro e maior anseio das partes em um processo. Não há defeito maior do que o juiz parcial, seja pela abominável prática de corrupção, seja pelo infantil desejo de ser aceito no meio social onde vive.

Na Bíblia está “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com o maior número para torcer o direito. Nem ao pobre favorecerás na sua demanda”. [1] Assim, não por acaso a Organização das Nações Unidas” criou os “Princípios de Conduta Judicial”, conhecidos como “Princípios de Bangalore”, colocando a independência como o primeiro e a imparcialidade em segundo. [2]

Imparcialidade na história

Agir com imparcialidade, por óbvio, nunca foi fácil. No Brasil colonial os juízes ordinários eram recrutados entre os vereadores eleitos. Presume-se que gostariam de agradar seus eleitores. No Império os juízes eram nomeados por indicação do partido no poder, liberais ou conservadores. Mas, quando o poder mudava de mãos, o risco de remoção para uma comarca a milhares de quilômetros de distância certamente causava intimidação. Na República, com certeza podem ter ocorrido casos de parcialidade de juízes intimidados no Estado Novo ou durante o regime militar, na vigência do AI-5.

Porém não é preciso nem mesmo ser alfabetizado para compreender a importância de ter-se um juiz justo. Por isso a Constituição de 1891, concedeu  vitaliciedade aos juízes federais (artigo 57). A de 1934, estendeu a todos os juízes as garantias da vitaliciedade e acrescentou as da inamovibilidade e a da irredutibilidade de vencimentos (artigo 64). Em 1937, a chamada “Polaca”, que instituiu o Estado Novo, manteve as garantias, ainda que com restrições (artigo 91). A de 1946, restabeleceu todas as garantias (artigo 95). Elas foram suspensas pelo AI-5, de dezembro de 1968 a 1978, mas restabelecidas pela Constituição de 1988 (artigo 95).

Assim, no Brasil juízes gozam de absoluta independência, ainda que a Lei de Abuso de Autoridade (Lei 3.869/19) contenha alguns dispositivos subjetivos e eventuais ações de órgãos censores possam causar instabilidades momentâneas.

Ameaça à imparcialidade judicial

Muito embora o tema seja de importância máxima para a magistratura, ao que parece não tem sido objeto de preocupações mais profundas de todos os operadores do Direito. A independência funcional não interessa só aos juízes, mas também ao MP e advogados. O que esperar da Justiça, se os juízes se encolherem amedrontados diante das adversidades?

Pois bem, eis que repentinamente, surgem no horizonte nuvens ameaçadoras à autonomia judicial: notícias veiculadas nas redes sociais. Elas chegam cerca de três décadas depois do receio de intimidação gerado pelas revistas e jornais. Ambas são irmãs xifópagas e causam um mal que difícil de se avaliar.

O tema não tem despertado maior interesse das instituições. Chamada na rede de informações do Google, sob o título “Juízes estudam risco à independência judicial pela ação das redes sociais” [3], revelou que, nas 10 páginas acessadas, apenas duas as iniciativas a respeito. Ambas um painel e nada mais. No STF, o painel “Independência Judicial e Democracia”, abordou o problema no “Seminário Internacional Desafios e Impacto da Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos” (p. 1). [4]  O TJ da Bahia divulga evento do CNJ no TST, em Brasília, no qual um painel debateu “Os Juízes e as Mídias Sociais”. [5]

Colocada na mesma rede Google a pergunta “A ação das redes sociais põe em risco a independência judicial?”, a análise de 10 páginas revelou a existência de artigos de advogados preocupados com o tema e notícias de jornal. Disto se conclui que o assunto não vem sendo objeto de preocupação da magistratura, em seus diversos níveis, certamente em razão de outros mais urgentes.

Causas e consequências

As redes sociais tornaram-se fonte de informações de relevância máxima, concorrendo com a mídia tradicional em igualdade de condições. Prestam, quando bem utilizadas, excelentes serviços ao divulgar conhecimentos. E, se usadas de forma irresponsável ou de evidente má-fé, causam malefícios de toda espécie.

As notícias que divulgam, tal qual a mídia tradicional mais poderosa, trazem consequências diretas aos envolvidos, afetando suas vidas. Juízes podem ser afetados a qualquer momento, bastando que um processo de repercussão lhes seja distribuído. E daí, por incrível que pareça, um tema da moda, que trate de qualquer tipo de polêmica sobre imagem, liberdade de expressão, assédio e assemelhados, pode adquirir proporções muito maiores do que casos realmente graves, como os milhões de aposentados e pensionistas do INSS que tiveram descontos criminosos.

Exemplo. Em 19 de maio de 2025 o site do Conselho Federal de Farmácia publicou matéria sobre “SUS tem registrado relatos de pessoas que buscam atendimento para “bebês reborn”. [6] Após a publicação da matéria, no dia 23 uma mulher tentou vacinar sua boneca na Unidade Básica de Saúde de Itajaí, SC. Na verdade, ela queria mesmo era a encenação para colocar na rede social e, ao ver negada a pretensão, “teria se irritado e retrucado: “É só abrir uma seringa, só abrir uma agulha e fingir que deu…” . [7]

Tais ações podem ser fruto de um distúrbio mental ou, de forma menos ingênua, a busca de uma divulgação nas redes sociais, com a atração de milhares de seguidores e a conquista das vantagens que disto poderiam ocorrer.

Causa e consequência andam sempre juntas. A consequência é tumultuar os serviços de atendimento hospitalar, por si só congestionados. O tempo de cada servidor é pago e, quando perdido a tratar de tal tipo de pedido, significa gasto de dinheiro público. Além disto, enquanto se dá o embate sobre dar ou negar, pessoas que necessitam de tratamento estão tendo que esperar ou retornar outro dia.

Tal modismo, que nada teria de nocivo se fosse praticado na vida privada das pessoas, já gerou a apresentação de PL 2.320/2025 na Câmara dos Deputados. [8]  Mas amanhã poderá ser levado ao Judiciário por uma “mãe” ou até alguma ONG criada para tal fim. E repercutir com o apoio implícito da mídia tradicional. Então, como reagirá o juiz? Revelará independência não se preocupando em ser simpático? Ou decidirá de forma a agradar a opinião de alguns, adotando a cômoda posição de dizer sim, com base em qualquer dispositivo vago da Constituição Federal.

Independência e imparcialidade no ponto certo

O juiz, ao assumir suas funções, sabe que não terá dias tranquilos. Suas decisões sempre agradarão um lado e desagradarão o outro. Logo ao início deverá decidir o que pretende fazer na sua vida profissional. Se vai procurar assumir seu relevante papel de dar a cada um o que é seu ou se vai passar anos procurando agradar aos que detêm poder ou estão em posição prestigiada pela moda do momento.  Se a primeira hipótese for a adotada, que é o que se espera, terá que enfrentar, sim, a opinião contrária, ainda que seja de muitos, mesmo que isto ocasione o olhar enviesado dos vizinhos ou críticas dos meios de comunicação. Se a segunda forma de proceder for a escolhida, não merecerá mais do que um boa tarde sem aperto de mãos.

Conclusão

Os novos problemas da atualidade, que muitas vezes são criados exatamente para tirar da mira os problemas reais, precisam ser avaliados com mais profundidade pelos atores envolvidos. Com maturidade e não com conclusões que ignoram as consequências. No exemplo citado, aos que demonstram carência afetiva, bom será o aconselhamento a apadrinharem ou adotarem crianças sem família ou acolherem animais domésticos à espera de um dono. Independência e imparcialidade acima de tudo.

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[1] BÍBLIA SAGRADA ON LINE. Êxodo 23:2-3. Disponível aqui.

[2] Organização das Nações Unidas. Princípios de Bangalore. Disponível  aqui.

[3] Google. Juízes estudam risco à independência judicial pela ação das redes sociais. Disponível aqui

[4] STF. Ministros discutem desafios para garantir independência do Judiciário em seminário no STF, em 20 abr. 2024, p. 1.

Disponível aqui.

[5] Google. Site cit., sem data, p. 2.  Acesso em 24 mai. 2025.

[6] Conselho Regional de Farmácia. SUS tem registrado relatos de pessoas que buscam atendimento para “bebês reborn”. Disponível aqui.

[7] Terra. Você. Mulher tenta vacinar bebê reborn em UBS de SC e é impedida. Disponível aqui.

[8] Câmara dos Deputados. PL 2.320/2025. Disponível aqui.

Autores

  • é presidente da ALJP (Academia de Letras Jurídicas do Paraná); professor de Direito Ambiental e Sustentabilidade; pós-doutor pela FSP/USP, mestre e doutor em Direito pela UFPR; desembargador federal aposentado, ex-presidente do TRF-4. Foi Secretário Nacional de Justiça, Promotor de Justiça em SP e PR, presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e do Ibrajus ( Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário).

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