As zonas francas representam instrumento estratégico de política fiscal e econômica adotado por diversos países para estimular o desenvolvimento regional, impulsionar exportações e atrair investimentos. No Brasil, a Zona Franca de Manaus (ZFM) é seu exemplo mais emblemático.

Ela foi concebida para promover o desenvolvimento da região Norte, combatendo desigualdades regionais por meio de regime jurídico de benefícios fiscais e aduaneiros que, frente ao cenário geograficamente desafiador, garantissem menores custo e maior competitividade de preço às indústrias instaladas na Amazônia.
Do ponto de vista aduaneiro, a Zona Franca opera como entreposto especial com equiparação a exportação e conta com procedimentos fiscalizatórios mais brandos, enquanto do tributário, goza de isenções, suspensões e créditos presumidos de tributos como IPI, ICMS, PIS, Cofins e, futuramente, o IVA-Dual (IBS e CBS) para suas aquisições nacionais e internacionais, bem como comercialização de produtos às demais regiões do país.
Sua relevância econômica e social é indiscutível. Segundo dados da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), ela é a maior fonte de recursos do Estado do Amazonas e fechou o primeiro semestre de 2024 com faturamento de R$ 97,13 bilhões e média mensal de 118.796 trabalhadores.
Regime tributário da Zona Franca de Manaus
O atual regime tributário de IPI para a Zona Franca de Manaus é regido, entre outros, pelos artigos 81 a 87 do Decreto nº 7.212/2010 (RIPI) e, observadas condições específicas, congrega, por exemplo, isenções sobre aquisições ou vendas internas e paras as outras unidades federativas, bem como, suspensões conversíveis em isenções para compras internacionais e recebimento, em remessa de industrialização, de produtos das demais regiões.
A Emenda Constitucional nº 132/23 e a Lei Complementar nº 214/25 (LC 214/25 ou “LC”) visam à reestruturação completa da tributação do consumo, estabelecendo a transição para um IVA-Dual de incidência e não cumulatividade ampla composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — estadual e municipal — e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — federal —, um Imposto Seletivo para refrear cadeias prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente e um IPI remodelado como se verá.

O artigo 126, III, ‘a’ do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) determina, a partir de 2027, alíquota zero de IPI, “exceto em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus, conforme critérios estabelecidos em lei complementar”.
O artigo 454 da LC, regulamentando essa regra constitucional, define que, dos produtos referidos, não serão onerados apenas aqueles que foram industrializados na Zona Franca em 2024 ou em projetos aprovados pela Suframa até janeiro de 2025 e que possuíam, em dezembro de 2023, alíquota inferior a 6,5%.
Industrialização incentivada da ZFM
Vez em que não fica elucidada a aplicação da expressão “de industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus” ou não aos concorrentes nacionais da região privilegiada, têm sido veiculadas duas interpretações dos dispositivos, dividindo tributaristas e fiscais: 1ª — IPI zero para todos os produtos não industrializados na ZFM, inclusive seus concorrentes; e 2ª — IPI zero para todos os produtos não industrializados na região privilegiada, ressalvados seus concorrentes e observadas as regras do artigo 454.
A segunda visão, apesar de nenhum debate legislativo, tem ganhado força em eventos fazendários e firma a conjugação de alíquota zero para as saídas destinadas às demais regiões do país (dispositivos do RIPI e LC 214/25), créditos presumidos para seus adquirentes (entendimento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 592.891 a respeito do artigo 11, da Lei 9.779/99) e a oneração dos concorrentes nacionais.
Com o dever de, conforme o artigo 92-B do ADCT e em tese, manter a economia tributária de ICMS, PIS/Cofins e ISS havida até 31 de maio de 2023, em matéria de IVA-Dual, os artigos 439 a 457 da LC 214/25 estabelecem novo regime tributário à indústria manauense, destacando:
- Suspensão conversível em isenção de IBS/CBS na importação de insumos e bens de capital (artigo 443);
- Alíquota zero e crédito presumido de IBS nas entradas de bens industrializados e intermediários de origem nacional (artigos 445, 448 e 449);
- Alíquota zero de CBS para as operações internas (artigo 451);
- Créditos presumidos escalonados aplicáveis sobre débitos de IBS e CBS com base em categorias econômicas dos produtos e seu beneficiamento ou não pelo artigo 454 (artigo 450).
A união da 2ª corrente de IPI com os incentivos de IVA estabelecidos na nova legislação viria a, na visão de alguns, ampliar e muito o diferencial competitivo atual, em função da disparidade de fato gerador e não cumulatividade amplos do IVA frente àqueles dos tributos substituídos.
Equilíbrio federativo
Diante disso, a manutenção da Zona Franca de Manaus como instrumento essencial de equilíbrio federativo e desenvolvimento sustentável deve ocorrer com a cautela de que ela não passe extremamente ao largo dos princípios da neutralidade — desvirtuando a alocação racional de capital — e da isonomia tributárias e de que, considerando a mudança do vetor de arrecadação da origem para o destino, os contribuintes e consumidores de outras regiões não se vejam superonerados. O remédio não pode matar o paciente.
Além dessas, muitas são as incertezas sobre a aplicação e operacionalização dos novos tributos. Logo, é imprescindível, independentemente de onde situados os negócios, o devido aconselhamento jurídico para que, na medida do possível, participem do processo interpretativo dos dispositivos e, desde já, sejam antecipados ajustes operacionais/logísticos, contratuais e financeiros para o hoje e o amanhã das empresas.
Fontes
Nas asas da ZFM, faturamento e empregos saltam e economia se fortalece. 2023. Disponível em: https://bncamazonas.idzagencia.com.br/poder/nas-asas-da-zfm-faturamento-e-empregos-saltam-economia-se-fortalece/. Acesso em: 18 maio 2025.
ZFM: empregos e faturamento. 2023. Disponível em: https://bncamazonas.com.br/poder/zfm-empregos-faturamento/. Acesso em: 18 maio 2025.
CNN BRASIL. Reforma tributária assegura futuro da Zona Franca de Manaus. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/forum-opiniao/reforma-tributaria-assegura-futuro-da-zona-franca-de-manaus/. Acesso em: 18 maio 2025.
Reforma tributária mantém IPI para garantia de competitividade da Zona Franca de Manaus. 2023. Disponível em: https://blog.synchro.com.br/reforma-tributaria-mantem-ipi-para-garantia-de-competitividade-da-zona-franca-de-manaus/. Acesso em: 18 maio 2025.
TENDÊNCIAS CONSULTORIA. A Zona Franca de Manaus e o IPI na reforma tributária. 2023. Disponível em: https://tendencias.com.br/a-zona-franca-de-manaus-e-o-ipi-na-reforma-tributaria/. Acesso em: 18 maio 2025.
PORTO, N. Zona Franca de Manaus se fortalece com reforma tributária. Contábeis, 2023. Disponível em: https://www.contabeis.com.br/artigos/70694/zona-franca-de-manaus-se-fortalece-com-reforma-tributaria/. Acesso em: 18 maio 2025.
PORTELA, J. Quais os impactos da reforma tributária para a Zona Franca de Manaus? Exame – Bússola, 2023. Disponível em: https://exame.com/bussola/j-portela-quais-os-impactos-da-reforma-tributaria-para-a-zona-franca-de-manaus/. Acesso em: 18 maio 2025.
Zona Franca de Manaus na reforma tributária. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/412740/zona-franca-de-manaus-na-reforma-tributaria. Acesso em: 18 maio 2025.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 18 maio 2025.
Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010. Presidência da República, 2010. Disponível em: Decreto nº 7212. Acesso em: 18 maio 2025.
Lei nº 9.779, de 19 de janeiro de 1999. Presidência da República, 1999. Disponível em: L9779. Acesso em: 18 maio 2025.
Lei Complmentar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Presidência da República, 2025. Disponível em: Lcp 214. Acesso em: 18 maio 2025.
TRIBUTÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. CREDITAMENTO NA AQUISIÇÃO DIRETA DE INSUMOS PROVENIENTES DA ZONA FRANCA DE MANAUS. ARTIGOS 40, 92 E 92-A DO ADCT. CONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 3º, 43, § 2º, III, 151, I E 170, I E VII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE DA REGRA CONTIDA NO ARTIGO 153, § 3º, II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL À ESPÉCIE. O fato de os produtos serem oriundos da Zona Franca de Manaus reveste-se de particularidade suficiente a distinguir o presente feito dos anteriores julgados do Supremo Tribunal Federal sobre o creditamento do IPI quando em jogo medidas desonerativas. O tratamento constitucional conferido aos incentivos fiscais direcionados para sub-região de Manaus é especialíssimo. A isenção do IPI em prol do desenvolvimento da região é de interesse da federação como um todo, pois este desenvolvimento é, na verdade, da nação brasileira. A peculiaridade desta sistemática reclama exegese teleológica, de modo a assegurar a concretização da finalidade pretendida. À luz do postulado da razoabilidade, a regra da não cumulatividade esculpida no artigo 153, § 3º, II da Constituição, se compreendida como uma exigência de crédito presumido para creditamento diante de toda e qualquer isenção, cede espaço para a realização da igualdade, do pacto federativo, dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e da soberania nacional. Recurso Extraordinário desprovido.
(RE 592891, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 25-04-2019, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-204 DIVULG 19-09-2019 PUBLIC 20-09-2019).