Opinião

Controle integrado e cidadão no foco: caso dos descontos na folha dos aposentados

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  • é auditor do TCU especialista sênior responsável por estudos e diagnósticos sobre políticas e regulação da infraestrutura no âmbito de cooperação internacional (GTInfra Olacefs) especialista em projetos complexos relacionados à gestão da qualidade ao aprimoramento da gestão processual e à identificação de riscos e controles internos ex-diretor de mobilidade urbana ex-especialista em regulação da Aneel e engenheiro com mestrado em engenharia pela USP.

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21 de maio de 2025, 18h28

O Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou agravos e embargos de declaração contra deliberação (Acórdão 1115/2024-Plenário) que apreciou solicitação do Congresso Nacional para apuração de irregularidade no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com descontos indevidos nas folhas de pagamento de aposentados (Acórdão 1019/2025-Plenário).

O caso ganhou repercussão nacional em abril deste ano após decisão judicial autorizar mandados de busca e apreensão no âmbito da operação “sem desconto”, deflagrada pela Polícia Federal, para avanços nas investigações.

Congresso e TCU

Em agosto de 2023, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados requereu [1] ao tribunal a apuração de irregularidade no INSS sobre os possíveis descontos indevidos em proventos de aposentadoria:

“As informações colhidas até o momento dão conta que o esquema de desvio funciona mediante a manipulação dos aposentados que procuram instituições bancárias em busca de empréstimo consignado. No ato da contratação do empréstimo, os aposentados, sobretudo idosos com dificuldades na compreensão de determinadas informações e inovações, são induzidos a anuir com suas adesões a entidades sindicais ligadas a aposentados e idosos […]”.

Comissões do Congresso Nacional possuem prerrogativa constitucional (inciso IV, artigo 71, CF) para solicitar ao TCU a realização de inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.

A iniciativa resultou na autuação do processo TCU 032.069/2023-5.

Irregularidades foram identificadas pelo tribunal em junho de 2024 no Acórdão 1115/2024-Plenário. Por exemplo, nem todos os descontos consignados na folha de pagamento relativos a empréstimo e mensalidade associativa foram devidamente autorizados pelos titulares dos benefícios, o que constituía graves indícios de fraudes.

Além disso, constatou-se que o procedimento adotado pela autarquia previa a possibilidade da implantação do desconto mediante a simples apresentação mensal de uma lista de segurados e valores a serem consignados.

CGU, AGU e Polícia Federal

No planejamento anual de 2023 [2] da Controladoria Geral da União (CGU), estavam previstas auditorias referentes à previdência: (a) Emissão de Certidão de Tempo de Contribuição e averbação de tempo de serviço; (b) Processo de prova de vida no INSS; (c) Análise automática de benefícios pelo INSS; e (d) Consignações realizadas na folha de pagamentos.

Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
cartão INSS / aposentadoria

O documento é confeccionado com o apoio das Controladorias regionais da União nos estados e em reuniões com os dirigentes dos ministérios, alinhando prioridades da CGU com as diretrizes e estratégias do governo federal.

A Controladoria identificou a manutenção de deficiências apontadas nos processos e procedimentos adotados, sem a devida implementação de controles internos mitigatórios dos riscos exaustivamente apontados.

Pode-se dizer, com base naqueles estudos, que o INSS apresentava deficiências em sua própria governança, por não estabelecer processos estruturados necessários e suficientes para mitigar riscos com vistas ao alcance dos objetivos institucionais (Inciso III, artigo 5º, Decreto 9.203/2017).

A CGU também realizou entrevistas junto aos beneficiários, nas 27 unidades da Federação, para verificar se tinham ciência dos descontos consignados em folha e se estes foram devidamente autorizados, viabilizando a participação cidadã na auditoria, que, segundo [3] o TCU, é o envolvimento da população no controle das políticas públicas, para impulsionar a me­lhoria dos serviços prestados à sociedade.

Alertas pretéritos também forma feitos pela Advocacia Geral da União (AGU): “[…] foi recomendado pela PFE que o INSS ‘[…] realize de gestão de risco deste Acordo de Cooperação, antevendo medidas que solucionem tecnicamente eventuais problemas acerca da segurança jurídica documental’” [4].

No inquérito respectivo da Polícia Federal, a CGU foi autorizada a obter acesso a documentos da Operação “Sem Desconto”, bem como a todos os demais processos relacionados, derivados e provas produzidos (processo judicial 1070160-13.2024.4.01.3400).

TCU e CGU

Inicialmente, convém destacar que a avaliação de políticas públicas deve ser conduzida, preferencialmente, por órgãos com maior grau de independência, não diretamente responsáveis pela sua execução, como a CGU e o TCU – opinião do próprio governo federal [5].

A Corte de Contas federal, considerando a articulação interinstitucional, o espírito de mútua assistência, cooperação, reciprocidade e busca de objetivos comuns, e os estudos do Acórdão TCU 239/2024-Plenário, com contribuições da CGU, disciplinou sua atuação nos acordos provenientes da lei anticorrupção, por meio da Instrução Normativa TCU 95/2024.

Ainda, a atual gestão tem buscado [6] promover diálogos estratégicos sobre prioridades de auditoria e estabelecer mecanismos de colaboração com a rede de controle.

Em relação aos empréstimos consignados, o tribunal destacou que a CGU finalizou auditoria em 2023, a qual já havia apontado falhas de controle nesse processo de trabalho.

No Relatório de Avaliação 1359920 [7], a Controladoria pondera sobre os estudos em andamento do processo TCU 030.214/2022-0, citado pelo próprio INSS.

O Acórdão respectivo, 2197/2024-Plenário, identificou intempestividade e deficiências na apuração de indícios de irregularidades pelo INSS, falta de mecanismos eficazes para atender às determinações dos órgãos de controle e falha sistêmica na gestão, com impactos negativos significativos para a administração pública e a sociedade.

A propósito, uma publicação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) cita acordo de cooperação vigente entre as duas instituições e destaca:

“Despite potential challenges, effective co-operation between internal and external auditors in the public sector can be promoted through clear communication channels, joint training programmes, formal agreements, regular co-ordination meetings, and safeguards for independence. These practices maximise benefits of the co-operation between internal and external auditors in the public sector whilst mitigating risks of the cooperation, enhancing audit quality, and providing a more comprehensive review of government functions, ultimately contributing to better governance and accountability in the public sector” [8].

Fiscalizando com o cidadão no foco

Ao realinhar o direcionamento de suas ações para promover melhorias reais na vida dos cidadãos, o TCU produziu o Guia “Fiscalizando com o cidadão no foco” [9]. O propósito é orientar auditores a direcionar seu olhar de forma mais atenta às dificuldades enfrentadas pelos cidadãos e a buscar intencionalmente soluções que promovam impacto na vida das pessoas.

Para fiscalizar dessa perspectiva, deve-se partir de problemas reais vivenciados, evitar impactos negativos na vida do cidadão e analisar a suficiência da resposta do Estado, algo que foi feito por todas as instituições envolvidas, em alguma medida, para proteger os aposentados de descontos indevidos.

A CGU, por exemplo, ressaltou que os beneficiários, em sua grande maioria idosos, encontravam mais dificuldades para bloquear os descontos do que as entidades para os implementar. Vale destacar o programa estratégico “CGU Presente”, que contempla avaliações colaborativas da execução de políticas públicas, com impacto direto e perceptível para os cidadãos, numa escuta ativa sobre como as entregas do governo federal acontecem na prática.

O requerimento da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara também teve o cidadão no foco, de uma perspectiva similar, em seus fundamentos. E o TCU incluiu uma análise da suficiência da resposta do Estado. Conforme trecho do voto do Acórdão 1.115/2024-Plenário:

“[…] as dificuldades operacionais aventadas pelo INSS, o qual se encontra, há muito tempo, em grave crise em relação à capacidade de operacionalizar a política previdenciária a seu cargo, não são suficientes para eliminar a necessidade de que haja a confirmação da documentação comprobatória para a averbação de novos descontos.

Parece óbvio que se o órgão não tem capacidade de fiscalizar, não deve liberar a consignação de descontos em sua folha. […]”.

Em essência, o caso sobre descontos irregulares na folha dos aposentados sinaliza que houve, no mínimo, um diálogo técnico institucional implícito/tácito, com cidadão no foco, em que cada instituição da rede de controle avançou e avança nas investigações, considerando o debate técnico qualificado e as reflexões críticas das demais.

Um processo contínuo que busca conectar partes interessadas estratégicas e entregar valor público à sociedade, e que nos remete à necessidade de intensificação das parcerias no âmbito dos acordos vigentes, para evitar duplicidade de esforços e maximizar os benefícios obtidos na cooperação entre auditorias governamentais interna e externa, em sintonia com recomendações recentes da OCDE.

 

*eventuais opiniões são pessoais e não expressam posicionamento institucional do TCU

 


[1] Requerimento da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara disponível aqui

[2] Paint 2023 aqui

[3] Ver Referencial de participação cidadã aqui

[4] Relatórios da Controladoria Geral da União disponíveis aqui e aqui

[5] Ver opinião aqui

[6] Informações do Plano de Gestão TCU 2025-2027, que consta da Portaria TCU n° 61/2025.

[7] Disponível aqui

[8] Publicação da OCDE disponível aqui

[9] Guia do TCU disponível aqui

Autores

  • é auditor do TCU, especialista no aperfeiçoamento da administração pública e no desenvolvimento dos setores com equilíbrio entre os agentes envolvidos, mestre pela USP, pesquisador sobre a atuação do controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, premiado pela Escola de Contas do TCE-RJ em 2021 (1° lugar) e 2023 (2° lugar) e ex-especialista em regulação da Aneel.

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