'Excesso de criminalização'

Decreto de Trump quer reduzir crimes previstos em regulamentos federais

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19 de maio de 2025, 8h16

O governo dos Estados Unidos publicou, no início de maio, um decreto para combater o “excesso de criminalização” em regulamentos federais. Na visão do presidente Donald Trump, o país é super-regulamentado e precisa dificultar a persecução penal a pessoas, empresas e organizações que violam as normativas.

O decreto (executive order), intitulado Fighting Overcriminalization In Federal Regulations, prevê um enxugamento do Code of Federal Regulations, uma consolidação dos regulamentos federais.

Donald Trump em 2024.

Para Trump, regulamentos federais dos EUA exageram criminalização a pessoas e empresas

“O ‘Code of Federal Regulations’ contém mais de 48 mil seções, que ocupam mais de 175 mil páginas — muito mais do que qualquer cidadão consegue ler, quanto mais compreender completamente. Pior ainda, muitas delas prescrevem penas por violações dos regulamentos”, diz um trecho do novo decreto.

Segundo a normativa de Trump, “a situação se tornou tão grave que ninguém — provavelmente nem os responsáveis ​​por executar nossas leis criminais no Departamento de Justiça — sabe quantas infrações penais distintas estão contidas no Código de Regulamentos Federais, com pelo menos uma fonte estimando centenas de milhares desses crimes”.

A fonte a que Trump se refere é um especialista em Direito Criminal. Para ele, “as estimativas sugerem que pelo menos 300 mil regulamentos de órgãos federais preveem sanções criminais hoje em dia”.

Segundo a estimativa do governo Trump, o número de crimes criados por regulamentos, em nível federal, supera o de crimes definidos em lei, por um fator de aproximadamente 60 por 1.

Essa é outra contagem incerta. Sabe-se, apenas, que o Código Penal impresso contém 1,2 mil páginas. Toda a legislação criminal é impressa em cerca de 60 mil páginas. Diz-se nos EUA que “os burocratas podem inventar crimes”.

“Esse status quo é absurdo e injusto”, diz o decreto. “Permite que o Poder Executivo redija a lei e também a execute. Essa situação pode levar a abusos, pois fornece às autoridades do governo armas para atacar indivíduos desavisados. Privilegia as grandes corporações, que podem contratar equipes jurídicas para navegar esquemas regulatórios complexos”.

Responsabilidade objetiva

Trump dedica uma boa parte do decreto para falar sobre crimes de responsabilidade objetiva (strict liabiliy) — aqueles que não requerem prova de intenção para o procurador conseguir uma condenação. “A persecução de tais crimes é geralmente desfavorecida”, diz o decreto.

“De uma maneira geral, os promotores devem evitar acusações criminais por violações regulatórias, baseadas em responsabilidade objetiva, e se concentrar em casos em que as provas sugerem que o réu quebrou as regras conscientemente.”

Nesse ponto, o decreto destaca a exigência de mens rea, que define como “o estado de mente culpada, para o procurador obter a condenação de um réu em particular, por um crime em particular”. Em outras palavras, o procurador deve provar, de acordo com a lei, que o réu tem conhecimento de que seu ato é criminoso e que teve a intenção de cometê-lo assim mesmo.

O decreto determina: “Os órgãos que promulgarem regulamentos potencialmente sujeitos à execução criminal devem descrever, explicitamente, a conduta sujeita à persecução penal, as leis que a autorizam e o padrão de mens rea aplicável ao crime em questão”.

O decreto também tenta solucionar o problema de ninguém saber quantos regulamentos existem no código. Estabelece um prazo de 365 dias para o responsável por cada órgão federal elaborar, em conjunto com o Departamento de Justiça (DOJ), um relatório com uma lista de crimes previstos em seus regulamentos, sujeitos à persecução penal.

O relatório deve, ainda, conter a extensão da pena, para cada violação criminosa do regulamento, bem como o padrão de mens rea a ser  adotado em cada caso. Essas informações devem ser publicadas no website do órgão federal. Antes de iniciar qualquer investigação de denúncia, o DOJ deve verificar se o suposto crime está relacionado no relatório público do órgão.

O decreto estabelece uma exceção às novas regras: “Nada nessa ordem deve ser aplicado à execução das leis de imigração ou de regulamentos promulgados para a implementação de tais leis; nem deve ser aplicado à execução de leis ou regulamentos relacionados à segurança nacional ou à defesa [do país]”.

Repercussão dividida

O decreto recebeu elogios e críticas, como é de se esperar. Organizações políticas observaram, entre outras coisas, que o decreto vai restaurar liberdades individuais, coibir excessos governamentais e reduzir o potencial de criminalização de infrações praticadas sem intenção criminosa.

Organizações jurídicas observaram que o decreto pode restringir a capacidade do governo de executar eficazmente regulamentos que protegem a saúde, a segurança e o meio ambiente, limitar a responsabilização penal de empresas que violam os regulamentos, colocando em risco o bem-estar público, enfraquecer o estado administrativo e reduzir a supervisão regulatória no país.

Enquanto Trump procura reduzir o volume de regulamentos federais, suas “ordens” já estão precisando de uma consolidação. Em quatro meses e meio de governo, Trump assinou 152 ordens executivas, das quais 40 foram bloqueadas por juízes federais, 39 memorandos e 54 proclamações — um recorde na história presidencial do país.

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