Opinião

A nova era das citações e intimações: é prudente a virada pretendida pelo CNJ?

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  • é sócia-líder da Controladoria do escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados. Advogada graduada pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet). Técnica em Contabilidade pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Associada à Women in Law Mentoring (WLM).

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  • é sócia da controladoria do escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados advogada graduada pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e especialista em Direito Digital pela Legale.

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16 de maio de 2025, 11h18

O avanço da tecnologia digital, automação e inteligência artificial no Judiciário brasileiro, impulsionado pelo Programa Justiça 4.0, vem ganhando contornos cada vez mais definitivos com a criação do Domicílio Judicial Eletrônico (DJE) e do Diário da Justiça Eletrônico Nacional (Djen). Regulamentadas pela Resolução CNJ nº 455/2022, alterada pela Resolução nº 569/2024, essas ferramentas almejam centralizar e automatizar as comunicações processuais no país em um único sistema de acompanhamento e monitoramento de intimações.

CNJ

Contudo, por trás das promessas de isonomia e eficiência, a ausência de adequação dos setores jurídicos das empresas e dos advogados à nova rotina digital pode colocar em risco princípios norteadores dos processos judiciais, como contraditório, ampla defesa e a própria segurança jurídica.

A proposta do CNJ é ambiciosa: unificar todas as citações, intimações e notificações em um único ambiente eletrônico padronizado. A meta — desejável — é uma Justiça mais célere, transparente e moderna. Porém, os meios escolhidos suscitam inquietações legítimas quanto à razoabilidade e proporcionalidade da transição, sobretudo quando se impõe aos jurisdicionados um ônus desmedido de adaptação tecnológica.

Empresas privadas e entes públicos foram obrigados a se cadastrar no DJE até 30 de maio de 2024, sob pena de cadastramento compulsório. A partir dessa data, a nova proposta do CNJ acaba por inverter a lógica então existente: antes, a prioridade era que as citações ocorressem de forma pessoal (por correio ou oficial de justiça); agora, a prioridade passou a ser a citação por meio do DJE. Ou seja: não basta ser citado, é preciso confirmar eletronicamente; caso contrário, não sendo apresentada justificativa para a ausência de confirmação da ciência, poderá ser aplicada multa de 5% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 246, §1º-C, do CPC! O cenário apresentado inequivocamente relativiza o princípio da ciência inequívoca — pilar do devido processo legal — sob o pretexto da “eficiência digital”.

Teoria e prática

A lógica binária do sistema pode parecer arrojada aos olhos da informática, mas é contraditória na prática forense. O Judiciário, que deveria zelar pela isonomia, institucionaliza uma assimetria: grandes departamentos jurídicos, com a possibilidade de ampliar e fortalecer sua estrutura tecnológica, seguem ilesos; pequenos escritórios e entes desestruturados enfrentam riscos reais de inércia processual.

Spacca

Além disso, para aumentar as incertezas relacionadas à proposta do CNJ, o prazo de adaptação conferido aos tribunais vem sendo sistematicamente adiado, o que demonstra a dificuldade dos tribunais do país em se adaptar à nova sistemática. Hoje, a previsão de conclusão da transição e de início da obrigatoriedade plena da nova sistemática de intimações é 15 de maio de 2025. A partir dessa data, poderá se instaurar uma fase de transição híbrida e potencialmente caótica, com coexistência de sistemas distintos e divergência nas práticas processuais. A uniformização pretendida, nesse período, é mais teórica do que real. Há risco evidente de decisões conflitantes e insegurança sobre qual canal deve ser monitorado, o que vem ensejando a atuação contínua das regionais da Ordem dos Advogados do Brasil na postergação do início do envio das intimações pelo Djen.

O CNJ parece desconsiderar que o Direito Processual não é mero conjunto de fluxos automatizáveis, mas campo em que direitos fundamentais estão em jogo. A automação de práticas da justiça deve servir ao processo, e não o contrário. A comunicação processual eficaz exige mais que tecnologia: exige empatia institucional com a desigualdade de capacidades entre os atores da Justiça.

Portanto, se o Domicílio Judicial Eletrônico inaugura uma nova era, que não seja à custa da surpresa, da penalidade desproporcional e da ilusão de uma universalização digital que ainda não é realidade em todo o país. O processo eletrônico não pode se tornar sinônimo de processo automático. Porém, para ser justa, a inovação precisa ser inclusive.

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  • é sócia-líder da Controladoria do escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados. Advogada graduada pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet). Técnica em Contabilidade pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Associada à Women in Law Mentoring (WLM).

  • é sócia da controladoria do escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados, advogada graduada pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter) e especialista em Direito Digital pela Legale.

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