Controle interno das estatais e o Acórdão 733 do TCU
13 de maio de 2025, 17h21
As empresas estatais brasileiras, conforme o artigo 173 da Constituição da República de 1988, são organizações criadas pelos entes federativos (União, estados, Distrito Federal ou municípios) para a prestação de serviços públicos ou a exploração direta de atividades econômicas.

Dividem-se em duas espécies: a) empresas públicas — de patrimônio e capital social exclusivamente estatal, podendo revestir-se de qualquer forma admitida em direito; e b) sociedades de economia mista (SEMs) — estatais que contam com a participação do poder público e de particulares em seu capital e em sua administração, sendo organizadas sob a forma de sociedade anônima [1].
Embora constituídas como pessoas jurídicas de Direito Privado, as empresas estatais se submetem, em parte, às normas de Direito Público, uma vez que integram a administração pública indireta. Assim como o hibridismo do seu regime jurídico [2], também possuem
“[…] objetivos distintos na operação do seu negócio: enquanto empresas, devem buscar a sustentabilidade econômico-financeira de suas operações; enquanto estatais, devem atender ao interesse público que justificou sua criação” [3].
Para maior entendimento do impacto que as empresas estatais representam na economia brasileira, especificamente, quanto às estatais controladas pela União, os dados disponibilizados no portal Panorama das Estatais [4], pela Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest), do governo federal, mostram que, somente em 2023, tais empresas geraram mais de 436 mil empregos em quase todo o território nacional, sendo aquelas estatais que atuam no setor financeiro as que mais empregam no país.
Em números publicados no Relatório Agregado das Empresas Estatais Federais 2024 [5], a contribuição da riqueza gerada pelas estatais para a economia brasileira em 2023 foi de R$ 627 bilhões, o que corresponde a 5,75% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, além do lucro líquido registrado de R$ 197,9 bilhões.
Dependência e independência
De fato, os números impressionam. No entanto, outros aspectos apontam para situações nem tanto positivas, como os crescentes déficits das estatais dependentes do Tesouro Nacional (2,48 bilhões, só em 2023) [6], o aumento de casos de má gestão, fraude e corrupção, desvios que comprometem a entrega de valor público à sociedade e trazem desconfiança quanto à manutenção de políticas públicas.
Nesse ponto, surge outra importante distinção em relação às estatais: a situação de dependência ou independência econômica em relação ao ente controlador.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) define empresa estatal dependente como aquela que recebe recursos financeiros do ente controlador para pagamento de despesas com pessoal, custeio em geral ou de capital, excluídos, neste último caso, aqueles provenientes de aumento de participação acionária [7].

A dependência financeira dessas empresas implica sua inclusão no Orçamento Geral da União (OGU), a contabilização de sua dívida como parte da dívida pública da União e a sujeição de suas despesas de pessoal ao limite do Poder Executivo. Além disso, as estatais dependentes devem observar o teto remuneratório constitucional, que limita a remuneração dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos ao subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal [8].
Por outro lado, as empresas estatais independentes são aquelas que não recebem recursos financeiros do ente controlador para pagamento de despesas com pessoal ou custeio em geral. Essas empresas são autossustentáveis, gerando receitas próprias suficientes para cobrir suas despesas operacionais e de capital. Além disso, o lucro obtido pode ser revertido para o ente público controlador na forma de dividendos ou juros sobre capital próprio. A independência financeira permite que essas empresas operem sem a necessidade de aportes do Tesouro Nacional, mantendo maior autonomia na gestão de seus recursos.
Acórdão 733/2025 do TCU
A classificação de uma empresa como independente tem implicações significativas para sua gestão financeira. Empresas independentes, por exemplo, não estão sujeitas ao teto remuneratório constitucional, permitindo maior flexibilidade na definição de políticas de remuneração e benefícios, tais como: pagamento de Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) a empregados e de Renda Variável Anual (RVA) a seus dirigentes.
O tema foi amplamente debatido no recente Acórdão 733/2025 [9] do Tribunal de Contas da União (TCU), em sede de representação oferecida pelo Ministério Público junto ao TCU, que tratava de possível irregularidade na inobservância do teto remuneratório constitucional no âmbito de Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), em decorrência da sua classificação, supostamente indevida, como empresa estatal não dependente.
O acórdão supracitado ressaltou que o fato de receber recursos do ente controlador não basta para classificar a estatal como dependente. Em seu voto, o relator destacou que “não se pode querer atribuir à palavra “dependente”, no contexto legal, toda a sua amplitude semântica. Com efeito, a LRF restringiu o seu significado, ao dispor que, para a classificação como “dependente”, não bastava o recebimento de quaisquer recursos da União, é imprescindível que os recursos sejam destinados especificamente para pagamento de despesas com pessoal ou de custeio em geral ou de capital” [10].
In casu, o TCU entendeu que o BNDES é empresa estatal independente, pois não utiliza recursos do Tesouro para seu próprio custeio. Em vez disso, esses recursos são destinados a cumprir as diretrizes de financiamento estabelecidas pelo governo e sequer estão sob titularidade da empresa, pois constituem passivos financeiros da estatal junto às fontes de origem, que serão recompostos. Afastada a situação de dependência, não subsiste para o BNDES o dever de observar o teto constitucional em sua estrutura remuneratória.
Percebe-se, portanto, que a política de remuneração e benefícios de uma empresa estatal está atrelada a sua condição de dependência fiscal. Se estatal dependente, a empresa deverá seguir o teto remuneratório constitucional. Caso a estatal seja classificada como independente, prevalecerá a autonomia gerencial para estabelecer o padrão remuneratório de seus empregados e dirigentes.
Exigência de controles
Vale a pena ressaltar que as empresas estatais, ainda que sujeitas a um regime jurídico híbrido, situam-se em um ambiente regulado por normas específicas, entre as quais se destaca a Lei nº 13.303/2016. Por essa lei, as estatais obrigam-se a observar diversas normas de governança corporativa, como implementar mecanismos de controle interno, de auditoria e de gestão de riscos em sua estrutura de governança.
A exigência de controles internos adequados à atividade estatal também está presente na Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), cujo o artigo 59 reafirma que os gestores devem implementar sistemas de controle interno que assegurem o equilíbrio fiscal e a eficiência no uso dos recursos públicos, sob pena de responsabilidade.
Em harmonia com esse arcabouço normativo, as empresas estatais submetem-se a órgãos de controles internos e externos, como por exemplo, o TCU. O Tribunal de Contas, por meio de fiscalizações, recomendações, estudo técnicos, entre outras atividades, contribui significativamente para o aperfeiçoamento da governança das estatais. Em dezembro de 2024, o tribunal publicou a segunda edição da “Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal” (LAR), uma ferramenta estratégica que “consolida a avaliação do TCU sobre 29 áreas críticas da administração pública, que apresentam riscos significativos, capazes de comprometer a qualidade dos serviços prestados ao cidadão e a efetividade das políticas públicas” [11].
Entre os 29 temas críticos, encontra-se o da “Integridade e investimentos da Petrobras”. Trata-se de uma estatal que é uma das maiores empresas do Brasil e uma das maiores companhias petrolíferas do mundo. No entanto, falhas significativas nos controles internos da empresa apontaram a ocorrência de graves prejuízos financeiros [12], deteriorando sua situação financeira rapidamente, entre outros motivos:
“[…] devido à venda de combustíveis abaixo do preço de mercado, renúncias fiscais e investimentos mal planejados. A maior parte das irregularidades foi encontrada em processos de investimento e contratação. Contrariando normas internas, foram aprovados projetos economicamente inviáveis, o que resultou em graves prejuízos financeiros” [13].
O tema é considerado de alto risco, devido a falhas que ainda persistem na governança corporativa da empresa, tais como: a) vazamento de informações confidenciais; b) ausência de plano de ação específico para tratar falhas de planejamento ou implementação de projetos de investimento; e c) fragilidade da metodologia de estimativa de custos e de análise de viabilidade econômica [14].
O TCU continua fiscalizando e monitorando a adesão da estatal às recomendações da corte, principalmente, às ações relacionadas à correção de irregularidades e prevenção de contratações superfaturadas, como a que determinou que a Petrobras instale uma Comissão Interna de Apuração para investigar indícios de favorecimento em processos de contratação [15].
Já sob a perspectiva do controle interno, a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de controle interno da administração pública federal, contribui com as estatais ao compartilhar ferramentas, sistemas e metodologias de análise de dados e técnicas de fiscalização e investigação interna, soluções informatizadas, pesquisas e acesso mútuo a instruções e relatórios [16].
Dada a importância da governança nas estatais, o governo federal publicou recentemente os Decretos nº 12.301/2024, nº 12.302/2024 e nº 12.303/2024, evidenciando um sistema de controles mais robusto, com cadeia estruturada de supervisão, processamento de dados centralizados e programa de modernização das empresas estatais.
Dentro dessa nova estrutura de governança, destaca-se o importante papel da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) na supervisão e na coordenação das políticas voltadas às empresas estatais. Entre suas atribuições, compete à Sest manifestar-se sobre propostas de quantitativo de pessoal, acordos coletivos de trabalho, planos de cargos e salários, benefícios de empregados e participação dos empregados nos lucros ou resultados das empresas. Além disso, a Sest publicará, anualmente, a relação das empresas estatais que se enquadrem como empresas estatais não dependentes [17].
Esse novo ambiente regulatório é um passo importante do governo federal para centralizar a estratégia [18], organizar as atividades de supervisão e de coordenação da governança nas estatais, sem suprimir, contudo, a autonomia conferida por lei às empresas estatais.
Os esforços integrados entre empresas estatais e órgãos superiores de controle interno e externo da administração pública federal modernizam a gestão e estabelecem uma rede colaborativa com o intuito de desenvolver padrões de qualidade, compartilhar informações e aprimorar políticas de boa governança. Isso demonstra que, apesar de sua finalidade específica e autonomia, nenhuma estatal atua isoladamente. Pelo contrário, elas estão inseridas em uma ampla rede de controle governamental, cujo objetivo final é gerar valor para a sociedade e fortalecer o ente público acionista.
[1] NOHARA, Irene Patrícia Diom. Direito administrativo. 13. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2024. p. 562.
[2] “Já que são, não obstante, estatais, isto é, o controle acionário delas é do Estado, que as constituiu, elas sofrem algumas derrogações de direito público, como, por exemplo: exigência de concurso público para a contratação de empregados públicos […]; submissão à licitação com regras próprias […]” (grifos no original). In: NOHARA, Irene Patrícia Diom. Direito administrativo. 13. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2024. p. 562.
[3] BRASIL. Manual do Conselheiro de Administração. Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais – SEST. 2017. 3ª Edição. Disponível em: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/estatais/publicacoes/manual-do-conselheiro/sest_manual_conselheiro_adm.pdf . Acesso em: 9 dez. 2024.
[4] BRASIL. Panorama das Estatais. Disponível em: https://panoramadasestatais.gestao.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=paineldopanoramadasestatais.qvw&lang=en-US&host=QVS%40srvbsaiasprd07&anonymous=true . Acesso em: 10 dez. 2024.
[5] BRASIL. Relatório Agregado da Empresas Estatais Federais 2024. Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais – SEST. Disponível em: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/estatais/transparencia/publicacoes-2/relatorio-agregado-sest . Acesso em: 10 dez. 2024.
[6] BRASIL. Panorama das Estatais. Disponível em: https://panoramadasestatais.gestao.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=paineldopanoramadasestatais.qvw&lang=en-US&host=QVS%40srvbsaiasprd07&anonymous=true . Acesso em: 16 dez. 2024.
[7] BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, art. 2º, inciso III.
[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 37, § 9º.
[9] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 733/2025 – Plenário. Rel. Min. Benjamin Zymler. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/pesquisa/acordao-completo . Acesso em: 23 abr. 2025.
[10] Idem. p. 58.
[11] BRASIL. Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal. TCU, 2024. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco . Acesso em: 9 dez. 2024.
[12] Idem. p. 128.
[13] Ibidem. p. 128.
[14] Idem. p. 131.
[15] BRASIL. Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal. TCU, 2024. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/listadealtorisco . Acesso em: 9 dez. 2024. p. 130.
[16] BRASIL. CGU e Petrobras firmam acordo estratégico para prevenção e combate à corrupção. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/noticias/2024/07/cgu-e-petrobras-firmam-acordo-estrategico-para-prevencao-e-combate-a-corrupcao . Acesso em: 10 dez. 2024.
[17] BRASIL. Resolução CGPAR nº 52, de 17 de abril de 2024.
[18] BRAGAGNOLI, Renila. Novos decretos federais e futuro da governança nas empresas estatais. Conjur, 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jan-06/os-novos-decretos-federais-e-o-futuro-da-governanca-nas-empresas-estatais/ . Acesso em: 9 jan. 2025.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!