Entre a cruz e a espada

Igreja diz que vai expulsar padres que cumprirem lei estadual dos EUA

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12 de maio de 2025, 9h58

A diocese da Igreja Católica em Seattle (estado de Washington), nos Estados Unidos, distribuiu uma ordem que proíbe bispos e padres de cumprir uma nova lei estadual. A norma exige que os clérigos de todas as religiões denunciem às autoridades, dentro de 48 horas, abuso sexual de crianças, sem exceção para crimes revelados em confissões.

Igreja Católica em Seattle proibiu bispos e padres de cumprir uma lei do estado

Na prática, a lei bate de frente com a igreja, para a qual “o sigilo do sacramento sagrado da confissão é inviolável”. Por isso, a ordem dos católicos de Seattle adverte que qualquer bispo ou padre que cumprir a lei estadual será excomungado.

“O sigilo da confissão deve ser preservado, mesmo sob o risco de prisão”, diz uma declaração distribuída pelas dioceses do estado.

Dessa forma, a Lei SB 5.375, que deve entrar em vigor em 27 de julho (se não for bloqueada), colocará os padres católicos “em uma situação impossível”, diz o jesuíta Bryan Pham, que é advogado e tem como uma de suas especializações o Direito Canônico.

“Os padres terão de escolher entre prisão e excomunhão”, um conflito que os deixa, por assim dizer, entre a cruz e a espada.

A igreja vai, provavelmente, mover uma ação judicial para tentar bloquear a vigência da lei, que trata de uma questão constitucional. Os bispos católicos argumentam que a norma viola o direito ao livre exercício da religião, garantido pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA.

Esse será, portanto, um caso que, inevitavelmente, chegará à Suprema Corte. O Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) se posicionou de forma favorável à igreja: “Há, nessa lei, um conflito aparente com o direito à liberdade religiosa”, declarou.

O DOJ anunciou que abriu uma investigação sobre direitos civis possivelmente violados pela lei, que caracteriza como “anticatólica”. Declarou ainda que, para o governo, “erradicar preconceitos anticristãos é uma prioridade”.

O que é bem aparente, no entanto, é um conflito entre os interesses da igreja e do Estado. Enquanto a igreja alega que “a lei contraria sua doutrina e ultrapassa linhas constitucionais”, o Estado argumenta que tem o dever de proteger crianças contra abusos sexuais.

“Nossa prioridade número um é proteger as crianças”, declarou o governador de Washington, Bob Ferguson, que é católico.

Obrigação de delatar

De acordo com o bispo Paul Etienne, da diocese de Seattle, a Igreja Católica se opõe apenas à apresentação de denúncias de crimes revelados no confessionário. “As políticas internas atuais da igreja já designam os padres como delatores compulsórios de abusos sexuais descobertos fora da confissão”, diz o bispo.

Além de clérigos religiosos, diversos profissionais se enquadram na definição de “delatores compulsórios (mandatory reporters)” de abuso sexual, nos EUA. Entre eles estão policiais, professores e diretores de escolas, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde (física e mental) e assistentes sociais.

Mais da metade dos estados dos EUA tem leis semelhantes. Mas a maioria das normas protege a confissão, estabelecendo que é uma comunicação privilegiada entre o administrador do sacramento e o penitente.

As leis de sete estados não estabelecem essa exceção. O estado de Tennessee abre exceção apenas para os casos de abuso sexual de crianças.

Embora a lei tenha exercido um efeito mais direto entre os católicos, o projeto de lei que a concebeu, na Assembleia Legislativa estadual, teve origem em uma reclamação contra a igreja das Testemunhas de Jeová.

Essa instituição criou um processo interno, totalmente secreto, de investigação e, possivelmente, punição por abuso sexual de crianças. Quando levada à Justiça, após uma investigação de seus procedimentos, as Testemunhas de Jeová citaram o sigilo da confissão católica para se defender.

A Igreja Católica aponta outros problemas da norma: nem sempre o padre pode identificar, de dentro do confessionário, o penitente. Segundo a instituição, não é costume dos padres se aprofundar no entendimento da questão, porque não fazem perguntas para obter detalhes que ajudariam as autoridades a identificar as vítimas e processar o criminoso.

“O propósito da confissão não é angariar informações. É apenas o de ouvir a confissão, para reconciliar o pecador com Deus, para que ele receba a misericórdia divina”, disse aos jornais do bispo Thomas Daly, da diocese de Spokane, que também fica em Washington.

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