Opinião

Crime de golpe de Estado: núcleo do tipo, conduta e pena prevista

Autor

  • é advogado em Curitiba (PR) procurador federal professor de Direito Penal em diversos cursos de graduação e pós-graduação professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná e no Curso Cers mestre e doutor em Direito Penal coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais e coordenador do Núcleo de Estudos Avançados em Ciências Criminais.

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10 de maio de 2025, 9h26

Desde 8 de janeiro de 2023, o processamento criminal, pelo Supremo Tribunal Federal, de centenas de pessoas, acusadas de tentarem um golpe de Estado, tem chamado atenção da opinião pública, com indagações sobre as penas fixadas e a ocorrência efetiva de um delito e de sua real gravidade, considerando atos isolados, como quebrar obra de arte ou pichar um prédio público,  por exemplo.

Grande parte das dúvidas surgem pela não compreensão do conteúdo jurídico-penal efetivamente em análise quando observadas as ações coletivas havidas no “8 de Janeiro”.

Um primeiro ponto importante a destacar na análise, é que a legislação penal brasileira conta com um tipo penal específico criminalizador da conduta do golpe de Estado, a qual, em hipótese alguma, invade a ação livre de pensamento e de ter posicionamento em relação aos governos, instituições e em relação ao próprio ente estatal.

Nessa toada, posições dissidentes, ainda que minoritárias e antipáticas, não habilitam o poder punitivo estatal, em nome da preservação democrática, não havendo que se falar do crime de golpe de Estado.

Por outro lado, a tentativa de imposição de vontade por meio agressivo ou violento conduz à tipificação do delito de golpe de Estado, o qual tem na democracia o bem jurídico objeto de ofensa.

Com efeito, não é toda e qualquer ação crítica em relação às instituições ou governos que se amolda ao delito de golpe de Estado, sendo absolutamente lícitos a crítica às instituições, aos governos ou mesmo o desenvolvimento de movimentos organizados com objetivo de promover rediscussão e análise crítica das estruturas existentes, desde que não violentos ou agressivos, porque somente nessas hipóteses haverá possibilidade de tipificação penal da conduta.

‘Tentar depor’

O delito de golpe de Estado é comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, nacional ou estrangeira, mesmo que não residente no território brasileiro, sendo possíveis tanto a coautoria quanto a participação, inclusive podendo haver autoria intelectual e autoria executiva, bem como, autoria mediata e autoria imediata.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

A maior parte das interrogantes, em torno do processamento criminal pelos atos do “8 de janeiro”, resolve-se com a compreensão de que no delito de golpe de Estado está sendo tratado de uma  modalidade especial de tentativa, na medida em que a consecução da ação pretendida representa a própria retirada do governo legítimo pelo usurpador e, em consequência, o comprometimento do sistema constitucional e penal existente.

A estrutura do núcleo é “tentar depor”, evidenciando estar diante de crime formal, pelo qual, embora seja possível a produção de resultado naturalístico, desnecessária sua ocorrência para a consumação delitiva, a qual se dá no momento da prática do ato. Em palavras simples, o crime ocorre com a ação violenta ou ameaçadora de retirada de um governo legítimo, sem a ocorrência da produção da retirada do governo legítimo.

Com isso, fácil entender que praticam o delito de golpe de Estado pessoas que atuam, após o resultado do processo eleitoral democrático e posse de um novo governo, contra as instituições para tentar de alguma forma controlá-las, independente do ato individual por cada partícipe, tornando evidente a subsunção da conduta dos agentes do “0 de janeiro” em referida hipótese criminal.

A esse propósito, mesmo a pessoa que estimula a ação violenta contra governo legítimo, não participando dela, enquadra-se no tipo penal de golpe de Estado, caso efetivamente haja violência.

Em qualquer hipótese, o delito se consuma no momento da prática da ameaça ou da violência, realizadas com finalidade de depor o governo legítimo, independentemente da análise específica sobre o nível do dano produzido por cada agente ou, como já dito, do atingimento da finalidade, deposição do governo legítimo, o qual na hipótese assume a característica de exaurimento.

Sobre a pena para o crime de golpe de Estado, é de se destacar ser bastante elevada, com reclusão de quatro a 12 anos, além da pena correspondente à violência, o que se justifica pela significação da democracia para a própria existência da sociedade.

Claramente, portanto, o ajustamento da conduta de uma pessoa no delito de golpe de Estado, independentemente de sua ação individual, dentro de uma atuação coletiva, vai submetê-la a elevada pena, com marcos significativos e ainda com necessidade de somatório ao seu ato específico de violência.

Autores

  • é mestre e doutor em Direito Penal, professor de Direito Penal, advogado criminal, autor de livros e de dezenas artigos publicados em obras coletivas, revistas e periódicos.

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