é mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) membro de grupos de pesquisa da USP-FDRP professor advogado e sócio do escritório Advocacia Flumignan.
A prescrição é um instituto destinado à promoção da segurança jurídica, impedindo que pretensões possam ser exercidas indefinidamente. Ao estabelecer um limite temporal para a exigência de um direito, a prescrição busca conferir estabilidade às relações jurídicas e sociais.
Nos termos do artigo 189 do Código Civil, o prazo prescricional começa a correr a partir da violação do direito. No entanto, considerando que nem sempre o titular do direito tem ciência imediata dessa violação, o Superior Tribunal de Justiça, em algumas hipóteses, tem adotado a Teoria da Actio Nata, segundo a qual o prazo inicial da prescrição se inicia a partir da data em que o titular do direito toma conhecimento da violação [1].
Maria Helena Diniz [2] destaca que a prescrição tem por objeto a pretensão à prestação devida em virtude de descumprimento legal ou obrigacional, que gera o direito de obtenção da tutela jurisdicional. Assim, uma vez violado um direito, surge para seu titular a pretensão de exigi-lo judicialmente.
Suspensão da prescrição por caso fortuito
Nos artigos 197 a 201 do Código Civil, encontram-se as causas suspensivas da prescrição, enquanto nos artigos 202 a 204 estão previstas as causas interruptivas. A doutrina majoritária entende que essas hipóteses são taxativas (numerus clausus) [3].
No mesmo sentido, a jurisprudência, de forma consolidada, também confirma que as hipóteses de interrupção e suspensão da prescrição são taxativas:
(…) Causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Não acolhimento. Taxativo rol dos arts. 197/202 do Código Civil. (…) (TJSP. Processo 0006720-71.2011.8.26.0236, Rel. Des. Donegá Morandini, Órgão Julgador: . Data do julgamento: 02/05/2016.)
Apesar disso, o ordenamento jurídico brasileiro não prevê expressamente a suspensão da prescrição por caso fortuito e força maior. Não há previsão legal que permita, de maneira generalizada, a suspensão do prazo prescricional em razão da impossibilidade de exercer o direito.
Spacca
Tratamento em outros países
Em outros países, o tratamento da questão é distinto. O Código Civil francês, por exemplo, estabelece que “a prescrição não corre ou é suspensa para aquele que se encontra impossibilitado de agir devido a impedimento decorrente da lei, de convenção ou de força maior” [4].
Em Portugal, o Código Civil de 1966 dispõe que “a prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo” [5].
No Código Civil alemão tem-se que “a prescrição é suspensa desde que, nos últimos seis meses do prazo prescricional, o devedor esteja impedido por força maior de exercer seus direitos” [6].
De forma semelhante, o Código Civil e Comercial da Argentina permite que “o juiz dispense a prescrição já cumprida se dificuldades de fato ou manobras dolosas obstaculizaram temporariamente o exercício da ação e o titular faz valer seus direitos dentro de seis meses após a cessação dos obstáculos” [7].
Pandemia deixa suspensão evidente
No Brasil, a ausência de previsão expressa sobre a suspensão da prescrição por força maior ou caso fortuito ficou evidente durante a Covid-19, quando pessoas estavam impedidas de exercer diversos de seus direitos. Diante desse cenário, foi editada a Lei nº 14.010/2020, que suspendeu os prazos prescricionais entre 12 de junho de 2020 e 30 de outubro de 2020:
Art. 3º, Lei n. 14.010. Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.
Esse episódio evidenciou a necessidade de revisão da taxatividade das causas suspensivas e interruptivas da prescrição, tema que já vinha sendo debatido desde a reforma do Código Civil promovida pela Lei nº 13.146/2015. Essa reforma retirou a previsão de suspensão da prescrição com base no artigo 198, I, do Código Civil para aqueles que transitoriamente ou permanentemente não puderem exprimir sua vontade.
Dessa forma, em situações extremas, como catástrofes naturais — que são cada vez mais comuns —, o prazo prescricional não seria suspenso, ainda que o titular do direito estivesse impossibilitado de exercê-lo. De maneira semelhante, se um indivíduo, após um acidente ou uma doença, estiver em coma e não puder exercer sua pretensão, o prazo prescricional continuará a transcorrer.
Estabilidade jurídica
A estabilidade jurídica e a segurança das relações sociais e econômicas, finalidades essenciais da prescrição, são fundamentais para evitar a perpetuação da pretensão. Contudo, essas finalidades não são atingidas quando indivíduos, por motivos de força maior ou caso fortuito, são impedidos de exercer seus direitos. A pandemia de Covid-19 evidenciou essa problemática e impulsionou debates sobre a necessidade de reformulação da prescrição no Brasil.
Diante desse cenário, foi apresentado o Projeto de Lei nº 2.095/2020, na Câmara dos Deputados. Em sua versão original, o texto propunha acrescentar o inciso VII ao artigo 202 do Código Civil, incluindo o caso fortuito e a força maior como causas interruptivas da prescrição.
Contudo, após intenso debate, foi aprovado substitutivo que deslocou a previsão para o artigo 198, passando a qualificá‑las como causas suspensivas da prescrição, mas apenas se o caso fortuito ou a força maior ocorrerem nos últimos seis meses do prazo prescricional. A redação sugerida no substitutivo é a seguinte:
Art. 198. (…)
IV – contra os que estiverem impedidos de exercer seus direitos em decorrência de caso fortuito ou de força maior, no decurso dos últimos seis meses do prazo.
Avanço para harmonizar o direito civil
Note‑se que essa solução assemelha‑se à adotada em ordenamentos como o de Portugal e o da Alemanha, nos quais a suspensão do prazo prescricional está condicionada ao impacto de força maior ou caso fortuito no período final do lapso temporal.
Segundo a justificativa dada, restringir a suspensão aos seis meses finais evitaria a insegurança jurídica e eventuais repercussões econômicas indesejáveis que poderiam advir de uma interrupção ou suspensão em qualquer fase do prazo prescricional.
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) emitiu parecer favorável ao substitutivo, reconhecendo-o como forma de aperfeiçoar a tutela jurisdicional e proteger os direitos individuais em situações excepcionais.
A inclusão dessa previsão legislativa representaria, portanto, um avanço necessário para harmonizar o direito civil brasileiro com práticas internacionais e assegurar a efetividade do instituto da prescrição diante de circunstâncias extraordinárias, ainda que limite a suspensão à ocorrência da causa suspensiva nos seis meses finais do lapso temporal.
Quando a prescrição não compre seus fins
Com isso, resta evidenciado que o instituto da prescrição, apesar de essencial à segurança jurídica e à estabilidade das relações sociais e econômicas, não cumpre plenamente seus fins quando deixa de abarcar situações excepcionais de impossibilidade de agir — como o caso fortuito e a força maior.
A adoção, no ordenamento brasileiro, de regra similar à de países como Portugal, Alemanha e França, restringindo-se aos últimos seis meses do prazo prescricional, equilibra a necessidade de proteção ao titular do direito com a preservação da previsibilidade e da segurança jurídica. O substitutivo do Projeto de Lei n. 2.095/2020, ainda que passível de debate em situações concretas devido à limitação temporal de ocorrência da causa suspensiva, representa um avanço importante para adequar o Código Civil brasileiro às demandas contemporâneas, harmonizando-o com práticas internacionais e assegurando maior efetividade à tutela jurisdicional em circunstâncias extraordinárias.
[1] A título de exemplo cita-se a súmula 229 do STJ que menciona que o pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão. Outro exemplo está na súmula 278 do STJ, que menciona que na ação de indenização, o termo inicial do prazo prescricional é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume I: teoria geral de direito civil. 27 ed – São Paulo: Saraiva, 2010, p. 407.
[3] Nesse sentido: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume I, parte geral. 7 ed. Ver. E atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 482-490.
[4] Tradução livre. No original: “La préscription ne court pas ou est suspendue contre celui qui est danls l’impossibilité d’agir par suite d’um empêchement résultant de la loi, de la Convention ou de la force majeure” (FRANÇA. Código Civil. Disponível em: <https://www.legifrance.gouv.fr/codes/section_lc/LEGITEXT000006070721/LEGISCTA000019016766/#LEGISCTA000019017102>. Art. 2234).
[5] PORTUGAL. Código Civil. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2016. p. 66. Artigo 321º. António Menezes Cordeiro indica que a força maior, referida no art. 321.º, diz respeito a causas não imputáveis ao titular do direito, correspondentes às hipóteses previstas no art. 790.º do Código Civil, que trata do não cumprimento da obrigação por impossibilidade objetiva (In: CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil. v. 5: Parte geral, exercício jurídico. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2017. p. 228).
[6] Tradução livre da versão inglesa. No original: “Limitation is suspended for as long as, within the last six months of the limitation period, the obligee is prevented by force majeure from prosecuting his rights” (GERMAN CIVIL CODE (BGB). Disponível em: https://laweuro.com/?p=15434. Section 206).
[7] Tradução livre. No original: “El juez puede dispensar de la prescripción ya cumplida al titular de la acción, si dificultades de hecho o maniobras dolosas le obstaculizan temporalmente el ejercicio de la acción, y el titular hace valer sus derechos dentro de los seis meses siguientes a la cesación de los obstáculos” (ARGENTINA. Codigo Civil y Comercial de la Nación. Disponível em: <http://www.saij.gob.ar/docs-f/codigo/Codigo_Civil_y_Comercial_de_la_Nacion.pdf>. Cuidad Autónoma de Buenos Aires: Infojus, 2014. Artículo 2550).
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