O sistema político-eleitoral do Brasil, que se baseia na representação proporcional, sempre promoveu destaque aos partidos políticos, considerando o mandato como pertencente ao partido, e não ao candidato eleito.

A federação partidária surgiu como uma solução para ajudar partidos com menor representatividade a superarem a cláusula de barreira, promovendo a união entre partidos, mas criando um dilema jurídico complexo quando parlamentares eleitos anteriormente se veem obrigados a se alinhar a essa nova configuração.
Federação partidária e seu caráter jurídico
Embora a federação partidária tenha sido criada para fortalecer institucionalmente pequenos partidos em face da cláusula de desempenho da Emenda Constitucional nº 97/2017, a prática política mostrou uma diferença entre a intenção original e a aplicação da lei. A ideia era permitir que partidos menores pudessem sobreviver no cenário político, mantendo a pluralidade ideológica. No entanto, a recentíssima formação da federação entre União Brasil e Progressistas, chamada de “União Progressista”, mostra um desvio funcional do conceito.
Essa federação abrigará 109 deputados federais, 6 governadores, 14 senadores e cerca de 1.330 prefeitos, além de ter acesso a cerca de um bilhão de reais do fundo partidário. Na prática, isso se torna uma espécie de “superfederação”, que não protege partidos menores, mas sim concentra poder e recursos em estruturas partidárias já fortes.
A par disso, não se pode olvidar a possibilidade de incorporação do Republicanos, que teria o condão de ampliar, ainda mais, o poder desta “superfederação”, que passaria a contar com 153 deputados federais, 18 senadores e 1700 prefeitos, e, empiricamente, teria o controle substancial da máquina política brasileira, da base municipal ao legislativo federal.
Essa configuração cria uma contradição entre a intenção da lei e os efeitos sistêmicos. Em vez de promover o pluralismo político, a federação pode reforçar hegemonias e enfraquecer a competitividade democrática, dificultando a renovação política e o surgimento de novas opções. Do ponto de vista constitucional, observa-se uma utilização estratégica da federação por partidos já grandes para expandir seu capital político.

Essa incongruência exige uma reflexão crítica sobre a regulamentação das federações partidárias, especialmente no que tange aos limites de sua formação e aos mecanismos de controle que evitem seu uso indevido. A falta de critérios legais claros para avaliar a legitimidade das federações, aliada à ambiguidade sobre seus efeitos na fidelidade partidária, gera incerteza normativa para os detentores de mandato e compromete os fundamentos da democracia representativa.
Fidelidade partidária e justa causa para desfiliação
A fidelidade partidária, embora não explicitamente prevista na Constituição, foi reconhecida pelo STF e regulamentada pelo artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos. Este artigo estabelece situações de justa causa para desfiliação, como “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário” e “grave discriminação política pessoal”.
A fidelidade partidária é importante para a estabilidade institucional e preservação da vontade popular, mas carece de regulamentação uniforme, resultando em decisões judiciais inconsistentes, especialmente em casos de transformações partidárias como fusão, incorporação e federação.
Federação como fonte de insegurança jurídica
A obrigatoriedade de parlamentares eleitos em integrar federações formadas posteriormente gerou divergências entre doutrina e jurisprudência sobre a legitimidade de sua permanência ou desfiliação sem perda de mandato. O TSE, em 4 de junho de 2024, na Consulta 0600167-56.2023.6.00.0000, decidiu que a formação da federação, por si só, não constitui justa causa. A Corte, por maioria, decidiu que a federação só gera justa causa quando há incompatibilidade ideológica ou discriminação política interna comprovada.
No entanto, essa decisão não foi unânime. Os ministros Raul Araújo e Dias Toffoli discordaram, argumentando que a federação altera substancialmente a identidade dos partidos e impõe nova estrutura de direção, afastando o vínculo original entre eleitos e seus partidos.
Mudança substancial do programa partidário nas federações
O argumento-chave para a justa causa é a substituição do programa partidário original por um novo, comum aos partidos federados, o que representa uma mudança estatutária significativa.
Contudo, não se deve relegar ao oblívio que, na prática, a necessidade de um programa comum indica essa mudança substancial.
A atuação unificada da federação, com diretrizes e regras rígidas para formação de listas proporcionais, reduz a autonomia interna dos partidos. Para parlamentares eleitos com uma ideologia definida, essa mudança pode representar uma ruptura com seus compromissos eleitorais.
Oscilação na jurisprudência como fonte de insegurança
A insegurança sobre a interpretação da fidelidade partidária é evidente, com variações influenciadas por fatores políticos, composição dos tribunais e interesses contextuais. Essa instabilidade é ampliada pelo modelo federativo, que não tem precedente claro na jurisprudência e cujo tratamento judicial ainda é inicial e contraditório.
A incerteza sobre a manutenção do mandato em caso de desfiliação após a formação de uma federação compromete a segurança jurídica dos mandatários, que ficam sujeitos a interpretações casuísticas sem diretrizes normativas claras.
Considerações finais
A falta de consenso sobre os efeitos da federação partidária para a fidelidade dos mandatários revela uma importante disfunção no sistema jurídico-eleitoral brasileiro. O regime de federação, embora promova estabilidade entre partidos, altera a identidade política das legendas, justificando, em certos casos, a desfiliação por justa causa.
É fundamental que o TSE desenvolva critérios objetivos sobre o tema, superando a dicotomia entre formalismo normativo e a complexidade política. Uma jurisprudência estável, que respeite os direitos políticos dos eleitos e o princípio da soberania popular, é essencial para a democracia e a legitimidade do sistema proporcional.
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Referências
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