Opinião

A advocacia também sangra: a omissão inconstitucional da Lei 15.134/2025

Autores

  • é doutor em Direito pela UFPR e professor de Direito Eleitoral da Escola da Magistratura do Paraná.

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  • é advogada criminalista pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal (IDP) pós-graduada em Ministério Público e Estado Democrático (Unibrasil) membra relatora da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/PR secretária-geral da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR e coordenadora-adjunta do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Paraná (Ibccrim/PR).

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  • é advogado criminalista em Curitiba (PR) graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná e pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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9 de maio de 2025, 7h02

Na última terça-feira foi sancionada, pela Presidência da República, a Lei nº 15.134/2025, que, ao reconhecer como atividade de risco as funções desempenhadas pelos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da advocacia pública e oficiais de Justiça, promove alterações significativas na legislação penal, a fim de endurecer o tratamento conferido às condutas delitivas praticadas contra esses grupos funcionais.

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O homicídio cometido contra um oficial de Justiça ou contra membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria ou da advocacia pública, desde que motivado pelo desempenho de suas funções, passa a contar com uma qualificadora própria (artigo 121, §2º, inciso VII, alíneas “a” e “b”, do Código Penal), sujeitando o autor do delito a uma pena de até 30 anos de reclusão.

Além disso, o artigo 129 do Código Penal, que trata do crime de lesão corporal, agora prevê uma nova causa de aumento de pena nos casos de lesões dolosas praticadas contra essas classes profissionais (§12 do referido artigo). A lesão corporal dolosa de natureza gravíssima e a lesão corporal seguida de morte, quando tiverem como vítimas esses grupos, inclusive, foram incluídas no rol dos crimes hediondos (artigo 1º, inciso I-A, da Lei nº 8.072/1990).

Omissão

Sem adentrar no mérito da efetividade dessas medidas na prevenção ou no combate a delitos praticados contra essas classes — que, sim, reconhecemos, desempenham funções de risco na busca pela realização da justiça —, chama a atenção o fato de a advocacia privada ter sido completamente preterida da tutela penal, como se não estivesse sujeita aos mesmos, ou até maiores, riscos, ou como se, assim como as demais, não fosse essencial à administração da justiça, em absoluta desconformidade com o que dispõe o artigo 133 da Constituição [1], bem como com as normas previstas na Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), especialmente aquela constante no artigo 6º, da referida lei, que prevê a inexistência de hierarquia e subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público [2].

Ao conceder tratamento especial àquelas classes, o legislador desequilibra a isonomia pretendida – e devida – entre magistrados, promotores e advogados, além de transmitir uma mensagem bastante clara à sociedade, ainda que não intencionalmente: as funções exercidas por membros do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da advocacia pública são mais relevantes para o sistema de Justiça, motivo pelo qual suas vidas e integridades físicas merecem maior proteção e amparo estatal. Esquece-se, porém, que o advogado, ainda que no exercício de um ministério privado, presta serviço público e exerce função social indispensável à administração da justiça (artigo 2º, caput e §1º, da Lei nº 8.906/1994).

Spacca

Não se ignora a crescente onda de violência contra autoridades públicas, sobretudo aquelas que estão à frente de órgãos de persecução criminal especializados no combate a organizações criminosas. Contudo, a advocacia privada também sofre das mesmas dores — e sequer dispõe do aparato estatal necessário para garantir sua proteção.

Segundo dados da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e da Valorização da Advocacia da OAB, de 2016 até agosto de 2018, foram registrados 72 casos de assassinatos de advogados [3]. Em 2024, quatro homicídios envolvendo advogados ganharam destaque nas manchetes: o da advogada Brenda Oliveira, assassinada após deixar uma delegacia ao lado de seu cliente, em Santo Antônio(RN); o do advogado Rodrigo Marinho Crespo, morto à luz do dia em frente à sede da OAB do Rio de Janeiro; o do advogado Renato Gomes Nery, executado em frente ao seu escritório, em Cuiabá (MT); e o do advogado Pedro Cassimiro Queiroz Mendonça, também morto a tiros nas proximidades do fórum da cidade de Belo Horizonte (MG), entre vários outros.

No Paraná, em outubro de 2024, o escritório do advogado Cláudio Dalledone Junior foi alvo de um atentado a tiros. Mais recentemente, o escritório da advogada Franciellen Lago foi incendiado em razão de sua atuação profissional em defesa de uma vítima de violência doméstica [4]. Episódios como esses evidenciam os riscos enfrentados pela advocacia no exercício cotidiano da profissão. Não fosse a atuação rápida, firme e eficaz da OAB-PR em conjunto com a Polícia Civil do Paraná, talvez não teria sido possível identificar os responsáveis por tais crimes.

Tudo isso revela a necessidade — e a urgência — de incluir a advocacia privada no âmbito de proteção legislativa, a fim de assegurar um tratamento igualitário entre as funções essenciais à administração da Justiça, tal como preconiza a Constituição da República.

Por esses motivos, o desfecho do Projeto de Lei nº 212/2024, de autoria do deputado Vinicius Carvalho — que propõe alterações no Código Penal para incluir a qualificadora do homicídio praticado contra advogados, bem como uma causa especial de aumento de pena nos casos de lesão corporal cometida contra esses profissionais no exercício da função ou em razão dela — deve seguir o mesmo caminho da lei recentemente sancionada, objeto desta discussão. Inclusive, é fundamental que sejam previstas medidas administrativas de proteção à advocacia privada, em moldes semelhantes aos conferidos às demais funções essenciais à Justiça.

É contraditório, além de inconstitucional, sustentar a inexistência de subordinação, hierarquia ou diferença de importância entre os atores processuais, ao mesmo tempo em que se privilegia alguns em detrimento de outros. A advocacia privada também sangra — e clama por respeito à sua dignidade e pelo reconhecimento de um tratamento verdadeiramente isonômico.

 


Notas:

1 – Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

2 – Art. 6º. Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Parágrafo 1º – As autoridades e os servidores públicos dos Poderes da República, os serventuários da Justiça e os membros do Ministério Público devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho, preservando e resguardando, de ofício, a imagem, a reputação e a integridade do advogado nos termos desta Lei.

3 – https://veja.abril.com.br/coluna/parana/desde-2016-brasil-registrou-72-assassinatos-de-advogados/

4 – https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2025/05/06/homem-incendiar-escritorio-de-advocacia-pr-ex-ajuda-advogada-investigacao.ghtml

[1] Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

[2] Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. § 1º As autoridades e os servidores públicos dos Poderes da República, os serventuários da Justiça e os membros do Ministério Público devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho, preservando e resguardando, de ofício, a imagem, a reputação e a integridade do advogado nos termos desta Lei.

[3] https://veja.abril.com.br/coluna/parana/desde-2016-brasil-registrou-72-assassinatos-de-advogados/

[4] https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2025/05/06/homem-incendiar-escritorio-de-advocacia-pr-ex-ajuda-advogada-investigacao.ghtml

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