Opinião

Sem terceirização nem responsabilidade subsidiária em contratos de transporte de cargas

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30 de junho de 2025, 19h41

A relação entre empresas contratantes de transporte de cargas e as transportadoras há tempos figura entre os principais focos de litigiosidade na Justiça do Trabalho.

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Sob a lente da Súmula nº 331 do TST, muitos tribunais regionais vinham condenando tomadoras de serviços ao pagamento subsidiário de verbas trabalhistas de empregados das transportadoras, a despeito da ausência de vínculo direto e da autonomia do contrato firmado.

Essa instabilidade interpretativa, que colocava em risco a segurança jurídica de operações legítimas, foi finalmente pacificada pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, que fixou tese vinculante em sede de Incidente de Recurso Repetitivo (IRR) no processo nº 0025331-72.2023.5.24.0005, publicado em março de 2025.

A tese foi fixada nos seguintes termos: “A contratação dos serviços de transporte de mercadorias, por ostentar natureza comercial, não se enquadra na configuração jurídica de terceirização prevista na Súmula nº 331, IV, do TST e, por conseguinte, não enseja a responsabilização subsidiária das empresas tomadoras de serviços.”

Decisão do TST

O precedente possui eficácia obrigatória em todo o Judiciário trabalhista, nos moldes do artigo 896-C da CLT, e decorre de reiteradas manifestações das Turmas e da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1) do próprio TST. A consolidação se deu em razão da multiplicidade de recursos sobre o tema e da constatação de dissonância entre decisões regionais e a jurisprudência superior.

A decisão do TST se apoia em fundamentos jurídicos sólidos. O primeiro é a natureza jurídica do contrato de transporte, pois a Lei nº 11.442/2007 estabelece que essa atividade é de natureza eminentemente comercial e civil (artigo 2º e artigo 5º).

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Com isso, a jurisprudência do TST passa, assim, a reconhecer que tais contratos não se confundem com a prestação de serviços que ensejaria intermediação de mão de obra.

Por esse motivo e como segundo fundamento, é inaplicável a Súmula nº 331 do TST, que prevê a responsabilidade subsidiária da tomadora em contratos de terceirização, desde que haja culpa in vigilando.

Contratos entre autônomos

Assim, não se aplica a respectiva súmula quando inexiste terceirização, como nos contratos de transporte celebrados entre partes autônomas. O TST afasta o seu alcance quando o objeto contratual é a logística de cargas, com execução independente pela transportadora.

Já o terceiro fundamento que a decisão se pauta é reafirmar o respeito à autonomia da vontade e à liberdade de iniciativa (artigo 1º, IV, e artigo 170 da Constituição), destacando que não compete à Justiça do Trabalho presumir vínculo onde há negócio jurídico legítimo e regulamentado, salvo prova de fraude ou desvirtuamento.

Além dos respectivos fundamentos, o TST, ao declarar mais essa tese vinculante, cita a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal na ADC nº 48, que declarou a constitucionalidade da terceirização ampla, inclusive em atividades-fim, bem como reconheceu, no julgamento conjunto da ADC referida e da ADI 3.961, a validade dos contratos de transporte firmados sob a égide da Lei nº 11.442/2007, concluindo que, preenchidos os requisitos legais, a relação é de natureza civil e não trabalhista.

Embora essa seja a nova tese vinculante, destaca-se que a aplicação da tese vinculante exige a comprovação de que a contratação se deu conforme a legislação específica.

Portanto, ainda há casos em que pode haver responsabilidade da tomadora: se houver ingerência direta na execução do contrato; o contrato for utilizado de forma fraudulenta para encobrir vínculo empregatício direto; e a empresa contratante não fiscalizar obrigações contratuais mínimas, como fornecimento de EPIs, licenças da ANTT e condições de segurança da carga.

Conquista no direito do trabalho

Diante disso, a adequação documental e a gestão contratual preventiva são indispensáveis para garantir os benefícios dessa tese, agora, pacificada.

A nova tese vinculante representa uma conquista significativa para a racionalidade e previsibilidade do direito do trabalho brasileiro. Além de aliviar o passivo jurídico das empresas contratantes, a decisão pacifica um ponto que há anos gerava insegurança e incentivava litigâncias de massa, muitas vezes sem lastro fático ou jurídico.

Empresas que atuam nos setores de transporte, agronegócio, logística e distribuição, em especial, passam a contar com maior segurança jurídica para estruturar suas operações sem o receio constante de condenações subsidiárias indevidas.

Cabe agora aos operadores do direito — empresas, advogados e tribunais — dar efetividade a esse precedente, zelando por sua correta aplicação e interpretação contextualizada, de forma a assegurar que o Direito do Trabalho cumpra sua função protetiva sem desconsiderar os limites da legalidade e da livre iniciativa.

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