Opinião

O 'supremolegislativo' e a responsabilidade das redes sociais

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  • é sócia titular da Advocacia Correa de Castro & Associados responsável pela área de Privacidade e Proteção de Dados. Coordenadora da comissão jurídica da APDPO (Associação de Profissionais de Proteção de Dados Portugal. Mestre em direito.

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30 de junho de 2025, 20h48

No último dia 25 de junho, depois de formar maioria pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), o STF suspendeu o julgamento para discutir a tese que estabelecerá as regras que as plataformas (incluindo redes sociais) deverão seguir para moderar publicações. Ou seja, o Supremo Tribunal Federal determinará as regras de responsabilidade das redes sociais.

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Internet, rede, conexão

Como uma realidade nova, pouco se tinha conhecimento sobre o modo de operação das redes. Seus modelos de negócio. Suas políticas de engajamento… O mundo passou a aderir aos seus serviços, sem o devido questionamento sobre os riscos e consequências das publicações em espaços abertos e com alcance para além das fronteiras físicas.

Sim. As redes sociais aproximaram pessoas. Mas, também, foram e são canais transmissores de abusos e crimes. Sendo que, em muitas sociedades, esses canais são a sua principal fonte de informação. Ocupam, hoje, o papel que as emissoras de televisão ocupavam há 20 anos, com extrema influência na formação de opinião.

Pois bem, com tamanha relevância na construção, para não dizer condução, da sociedade, há que se ter especial atenção para essas novas instituições sociais de poder. E, aqui, os Estados têm um papel essencial na discussão e criação de regras que disciplinem as suas atividades.

Responsabilidade como transmissoras de conteúdos

Não se trata de criar regras que afrontem a livre iniciativa, a inovação e a liberdade de expressão, mas sim normas que permitam a sua interação, determinando a responsabilidade das redes sociais como transmissoras de conteúdos, mesmo que de terceiros. É inegável que a disseminação de conteúdos deve se dar de forma responsável e que, para tanto, as plataformas digitais, meios que permitem dita disseminação, devem assumir um papel de mediação. Uma mediação ética e transparente.

A União Europeia, por exemplo, editou o seu Digital Services Act — DSA, em vigor desde 2022, que traz um interessante mecanismo de responsabilização das plataformas digitais quando da sua inércia em agir diante de conteúdos falsos e criminosos. Vale dizer que o DSA é produto da evolução legislativa europeia sobre o tema ao longo dos últimos anos.

Spacca

Já no Brasil, o Marco Civil da Internet é um importante instrumento para a atividade das plataformas digitais (incluindo aqui as redes sociais). E, determina no seu artigo 19 que “as plataformas digitais somente poderão ser responsabilizadas civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Pois bem, apesar da regra, no cenário atual, ser insuficiente diante das atrocidades provocadas via redes sociais, foi a vontade do legislador.

Lembre-se que, em 2021, foi editada a Medida Provisória nº 1068, cujo objeto era a regulação das redes sociais. No entanto, referida MP foi rejeitada sumariamente por ato do presidente da Mesa do Congresso Nacional, diante da sua flagrante inconstitucionalidade, vez que disciplinava, com detalhes, questões relativas ao exercício de direitos políticos, à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento (matérias que não podem ser regradas por MP — artigo 62, § 1º, I, “a”, da Constituição).

Questionamento de inconstitucionalidade

Voltando ao artigo 19, referida norma enfrenta, atualmente, questionamento de inconstitucionalidade frente a dois casos levados ao STF para a discussão da responsabilidade das plataformas pela retirada de conteúdo (Google) e pela responsabilidade por criação de perfil falso (Facebook), mesmo sem ordem judicial.

Provocado, o STF formou maioria declarando a inconstitucionalidade do artigo 19. Não obstante a maioria, suspendeu o julgamento para discutir os padrões a serem seguidos pelas plataformas na moderação de conteúdo. Ou seja, o STF traz para si o poder de legislar sobre o tema, evidenciando o conflito entre poderes.

Reitera-se a necessidade de modernização da lei de modo a dotar as redes sociais da responsabilidade que lhe é devida, não só pelos serviços disponibilizados, mas, também, e principalmente, por seu relevante papel no desenvolvimento social. Não pode uma gigante global de tecnologia alegar que não tem qualquer ingerência sobre potenciais consequências danosas de postagens de terceiros em suas plataformas. Se as plataformas oferecem o meio, participam de forma direta na disseminação da informação e, como tal, têm responsabilidade. Cabe, dentro de limites éticos e transparentes, a mediação de conteúdos nocivos às pessoas e à sociedade. E, bem se sabe que todas as plataformas de grande porte têm recursos técnicos para tal.

Mesmo diante da necessidade de regulação das redes sociais, carece o STF de competência constitucional para esse fim. Não se deve fechar os olhos para “supremolegislativo”. Do mesmo modo que, em 2021, a MP 1.068 foi rejeitada pela indevida ingerência do Poder Executivo sobre a matéria, há que se chamar a atenção para a indevida ingerência do Poder Judiciário no estabelecimento de regras de competência exclusiva do Poder Legislativo.

A responsabilidade das redes sociais deve sim ser objeto de regulação. Mas essa necessidade não se sobrepõe ao pleno respeito às conquistas da sociedade brasileira, representadas pela Constituição, neste caso, especialmente pela salutar divisão de competências entre os Poderes.

Autores

  • é advogada e sócia do escritório Advocacia Correa de Castro, graduada pela PUC-PR, mestre em International Business Transactions and Comparative Law pela University of San Francisco (EUA) e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em Gestão Internacional para Executivos e em Contratos pela PUC-PR.

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