Opinião

Ex-sogros com direito à pensão? Implicações do novo projeto de lei do Código Civil

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  • é advogado pós-graduado em Direito de Família e Sucessões ex-coordenador da Escola Superior da Advocacia da OAB/SC e mediador do Núcleo de Resolução de Conflitos da Unisul conveniado ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina e atual membro da comissão de Direito de Família da OAB/SC.

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30 de junho de 2025, 18h18

O Projeto de Lei nº 4, de 2025, atualmente em tramitação no Senado, visa à atualização do Código Civil, em vigor desde 2002, ou seja, há mais de 23 anos. De autoria do ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco, o projeto enfrenta o significativo desafio de adequar a legislação às transformações sociais e aos avanços tecnológicos ocorridos nas últimas décadas.

Spacca
Projeto propõe alterar mais de 1.100 artigos do Código Civil

Entre as mais de mil propostas de alteração legislativa, destaca-se a tentativa de reconhecimento, no próprio texto legal, de situações já consolidadas na prática forense, especialmente na jurisprudência, como os vínculos socioafetivos e a multiparentalidade — esta última consistindo na possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai ou mãe formalmente reconhecidos em seu registro civil.

Além disso, o projeto também contempla, no mesmo artigo que trata do ponto polêmico abordado neste texto, uma disposição que assegura o direito de compartilhar a companhia dos animais de estimação e de dividir as despesas com sua manutenção.

Trata-se de avanços importantes, que refletem a realidade cotidiana de diversas famílias brasileiras. Todavia, uma das alterações mais controvertidas está na simples inclusão de uma palavra no § 2º do artigo 1.566 do Código Civil.

A nova redação proposta estabelece:

“Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges ou conviventes:
§ 2º Igualmente devem os ex-cônjuges e ex-conviventes compartilhar as despesas destinadas à manutenção dos filhos e dos dependentes, bem como as despesas e encargos que derivem da manutenção do patrimônio comum.”

A dúvida central que emerge da nova redação é: quem são esses dependentes?

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A título de comparação, o artigo 16 da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social) considera como dependentes, para fins previdenciários:

1. O cônjuge ou companheiro;

2. O filho não emancipado, menor de 21 anos, inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave;

3. Os pais;

4. O irmão não emancipado, menor de 21 anos, inválido ou com deficiência;

5. O enteado e o menor sob tutela ou guarda judicial, equiparados a filhos, desde que declarados pelo segurado e sem meios de prover o próprio sustento e educação.

Ainda, o § 4º do mesmo artigo presume a dependência econômica dos cônjuges, companheiros e filhos, exigindo comprovação para os demais.

Ambiguidade interpretativa

Ocorre que o projeto de lei em análise não delimita o conceito de “dependentes”, tampouco faz referência à presunção ou à necessidade de comprovação da dependência econômica.

Dessa forma, aplicando-se, por analogia, os critérios previdenciários, poder-se-ia admitir, por exemplo, que um ex-sogro ou uma ex-sogra que dependiam financeiramente do casal durante a convivência pudessem requerer judicialmente a continuidade do sustento mesmo após o término da relação.

A questão que se impõe, portanto, é: em que medida o Judiciário será capaz de, diante de uma norma com redação tão ampla, proteger efetivamente os verdadeiros dependentes, sem abrir espaço para litígios infindáveis sobre quem se enquadra nessa condição?

Resta aguardar os debates nas comissões e a eventual apresentação de emendas que tragam critérios mais objetivos, a fim de conferir maior segurança jurídica. Caso contrário, permanecerá a ambiguidade interpretativa que, por um lado, pode ampliar a solidariedade familiar no período pós-ruptura, mas, por outro, expõe o Poder Judiciário a disputas de alcance ainda incerto.

Atualmente, o PL nº 4/2025 encontra-se em fase inicial de tramitação no Senado. Autuado em 31 de janeiro de 2025, foi encaminhado ao Plenário, onde aguarda publicação pela Secretaria Legislativa, para posterior distribuição às comissões temáticas competentes.

Esse estágio revela que o projeto ainda se encontra em fase embrionária, pendente de despachos e da devida análise pelas instâncias parlamentares responsáveis pela apreciação de seu conteúdo.

 


Referências:

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 129, n. 142, p. 14809-14819, 25 jul. 1991.

BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília–DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei n.º 4, de 2025. Atualiza o Código Civil. Autoria: Senador Rodrigo Pacheco. Brasília, DF, 31 jan. 2025. Disponível aqui.

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