Tutela de urgência revogada e responsabilidade pelo ressarcimento dos danos
30 de junho de 2025, 13h21
Discute-se aqui o enfrentamento das variáveis acerca da responsabilidade decorrente da tutela de urgência posteriormente revogada e o direito ao ressarcimento (repetibilidade), passando pela natureza da decisão judicial e pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
De início, vale informar que o tema dialoga com a sistemática do cumprimento de sentença: a) provisório: em favor do beneficiado; b) definitivo: com a confirmação da decisão ou após a certificação da inexistência de razão ao autor.
É importante observar que, em situações que tradicionalmente já estavam previstas desde o Código de Processo Civil de 1973, há possibilidade de formação de títulos executivos em favor do réu, que, na fase de satisfação da obrigação lá contida, passa a ser considerado exequente.
Destarte, nos casos envolvendo a tutela provisória de urgência posteriormente revogada, em regra há a inversão dos polos originários, visando ao ressarcimento dos danos causados àquele que suportou os efeitos da ordem judicial precária. A fórmula a ser apresentada nos casos de provisoriedade do título é simples: risco/proveito X responsabilidade.
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, após a afetação, enfrentou a questão no julgamento do REsp 1.548.749/RS (Rel. Min. Luis Felipe Salomão — J. em 13/04/2016 – DJe 06/06/2016), consagrando expressamente que:
“Em linha de princípio, a obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, decorrência ex lege da sentença, e, por isso, independe de pronunciamento judicial, dispensando também, por lógica, pedido da parte interessada.”
É possível aduzir, portanto, que a constituição de título executivo em favor do réu originário é consequência natural da revogação/reforma da tutela de urgência anteriormente concedida. Este regramento, contudo, possui algumas variáveis importantes.
Tutela provisória concedida e sentença de extinção do processo sem resolução de mérito
No RESp 1.770.124/SP(Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze — J. em 21.05.2019, DJe de 24.05.2019), a 3ª Turma do STJ enfrentou situação em que a parte, beneficiada pelos efeitos da tutela provisória, requereu a desistência da ação e, uma vez homologada e extinto o processo sem resolução de mérito, este pronunciamento constituiu título executivo ao réu originário visando o ressarcimento dos valores despendidos para cumprimento da ordem judicial. Vale transcrever parte da ementa do acórdão em questão:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESISTÊNCIA DA DEMANDA APÓS A CONCESSÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. “CUMPRIMENTO DE SENTENÇA FORMULADO PELA PARTE RÉ PLEITEANDO O RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS EM RAZÃO DO DEFERIMENTO DA TUTELA PROVISÓRIA. CABIMENTO. DESNECESSIDADE DE PRONUNCIAMENTO JUDICIAL PRÉVIO NESSE SENTIDO. OBRIGAÇÃO EX LEGE. INDENIZAÇÃO QUE DEVERÁ SER LIQUIDADA NOS PRÓPRIOS AUTOS. ARTS. 302, CAPUT, INCISO III E PARÁGRAFO ÚNICO, E 309, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. REFORMA DO ACÓRDÃO RECORRIDO QUE SE IMPÕE. RECURSO PROVIDO. (…) 2. O Código de Processo Civil de 2015, seguindo a mesma linha do CPC/1973, adotou a teoria do risco-proveito, ao estabelecer que o beneficiado com o deferimento da tutela provisória deverá arcar com os prejuízos causados à parte adversa, sempre que: i) a sentença lhe for desfavorável; ii) a parte requerente não fornecer meios para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias, caso a tutela seja deferida liminarmente; iii) ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; ou iv) o juiz acolher a decadência ou prescrição da pretensão do autor (CPC/2015, art. 302, caput e incisos I a IV) (…).”
Não se deve esquecer que, pela leitura do artigo 515, I, do CPC, a constituição de título executivo judicial depende do conteúdo decisório e não de sua estabilização (cumprimento provisório ou definitivo), pelo que eventual extinção do processo sem resolução de mérito, ou mesmo a improcedência do pedido, pode gerar obrigação a ser cumprida de forma invertida.
Logo, o próprio pronunciamento declaratório (de improcedência ou mesmo extinção do processo) possui como consequência ex lege a eficácia executiva suficiente para provocar a fase de cumprimento de sentença, de forma dinâmica e muitas vezes invertida. Como bem ressaltou o ministro Marco Aurélio Bellizze, no voto pelo provimento do REsp 1.770.124/SP (STJ – 3ª Turma – J. em 21.05.2019 – Dje 24.05.2019):
“A obrigação de indenizar a parte adversa dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória posteriormente revogada é decorrência ex lege da sentença de improcedência ou de extinção do feito sem resolução de mérito, como no caso, sendo dispensável, portanto, pronunciamento judicial a esse respeito, devendo o respectivo valor ser liquidado nos próprios autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível, conforme determina o parágrafo único do art. 302 do CPC/2015.”
Esta é a premissa a ser apresentada (com as variáveis que serão a seguir desenvolvidas): nos casos de medidas judiciais precárias (cumprimento provisório — arts. 520-522, do CPC/15) o resultado final da demanda poderá configurar inversão de polos originários, com a liquidação e execução nos próprios autos originários. Por tal razão, é necessário afirmar que é dinâmica e variável a formação de títulos executivos no curso da relação processual.

Neste contexto, também é possível aduzir, inclusive salvaguardando a boa-fé processual, que, ao julgar improcedente, a sentença não será meramente declaratória, eis que trará eficácia executiva invertida favorável ao réu nos casos em que existe obrigação a ser cumprida.
Importante transcrever passagem da Ementa do Acórdão do REsp 1780410 / SP (Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino — Rel. p/ acórdão Min. Moura Ribeiro — 3ª Turma — J. em 23.2.2021 – Dje 13.04.2021), onde a Corte da Cidadania entendeu que:
“2. A obrigação de indenizar o dano causado pela execução de tutela antecipada posteriormente revogada é consequência natural da improcedência do pedido, dispensando-se, nessa medida, pronunciamento judicial que a imponha de forma expressa. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, os danos causados a partir da execução de tutela antecipada suscitam responsabilidade processual objetiva e devem ser integralmente reparados (art. 944 do CC/02) após apurados em procedimento de liquidação levado a efeito nos próprios autos.”
No mesmo sentido, segue trecho da Emenda do AgInt no AREsp. 2.341.757 (1ª T/STJ — Rel. Min. Herman Benjamin — J. 30/10/2023 — DJe 18/12/2023):
“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também reconhece possível proceder à execução, nos próprios autos, objetivando o ressarcimento de valores despendidos a título de tutela provisória, posteriormente revogada, dispensando-se, portanto, o ajuizamento de ação autônoma para pleitear a devolução do numerário.”
Também a 6ª Turma enfrentou a questão (EDcl no AgRg no RESp 1003543 — Rel. Min. Rogério Schietti Cruz — J. 20/05/2025 — DJEN 26.05.2025), consagrando que “é desnecessário o ajuizamento de ação autônoma para ressarcimento de valores pagos a título de tutela provisória, posteriormente revogada, sendo possível proceder à execução nos próprios autos, independentemente de previsão de tal ressarcimento no título executivo”.
Variáveis quanto ao direito ao ressarcimento em caso de revogação da tutela provisória
A pergunta a ser feita é a seguinte neste momento é a seguinte: será que também incide o artigo 302, do CPC nos casos em que, independentemente da vontade do beneficiado pela tutela provisória, o processo é extinto?
No tema, a 3ª Turma da Corte da Cidadania (RESp 1.725.736 — Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino — J. em 27.04.2021 — DJe 21.05.2021), analisou se a extinção do processo sem resolução de mérito, com revogação da tutela de urgência envolvendo prestação de saúde, em decorrência do falecimento da beneficiada, constitui título executivo visando o ressarcimento dos valores despendidos com fármacos, alimentação e materiais hospitalares.
Segue trecho da ementa do acórdão:
“1. O cerne da controvérsia situa-se em torno do pedido de restituição dos gastos suportados para o cumprimento da decisão interlocutória concessiva da tutela provisória à parte autora, tendo em vista a posterior revogação da medida quando da prolação da respectiva sentença. 2. Em relação aos benefícios previdenciários complementares, o posicionamento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que há direito à devolução dos valores percebidos, em razão da revogação da antecipação dos efeitos da tutela pela sentença de mérito. 3. Entretanto, a repetibilidade da verba recebida, com base em antecipação de tutela, deve ser examinada sob o prisma da boa-fé objetiva. 4. Consoante destacado pelo acórdão recorrido, na hipótese dos autos, não há evidência de conduta contrária à boa-fé na postura da paciente falecida ou de sua família. 5. A revogação da antecipação de tutela não decorreu da inexistência do direito da postulante, tendo o processo sido extinto apenas em razão da morte da demandante e a inexistência de conteúdo condenatório que aproveitasse aos herdeiros da requerente, pois o objeto da demanda era apenas a concessão de assistência à saúde em favor da paciente falecida. 6. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.”
Como se pode observar, a discussão travada neste RESp refere-se à restituição dos valores em razão da posterior revogação da tutela provisória quando prolatada a sentença de extinção do processo em razão do falecimento da autora. Alguns destaques deste julgado que são importantes para a compreensão das múltiplas variáveis interpretativas que o assunto provoca:
- a) no REsp 1.555.853/RS (Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva — J. em 10/11/2015, DJe 16/11/2015), a 3ª Turma entendeu que, em regra, deve ocorrer a repetibilidade da verba previdenciária recebida antecipadamente, com revogação posterior da decisão judicial, o que deve ser examinado sob o prisma da boa-fé objetiva;
- b) a 2ª Seção do STJ, na apreciação do RESp n.º 1.548.749/RS (Rel. Min. Luis Felipe Salomão — J. em 13/04/2016 – DJe 06/06/2016), também firmou o entendimento de que os valores recebidos de forma precária são legítimos, enquanto vigente o título judicial antecipatório, o que caracteriza a boa-fé do autor;
- c) no caso concreto, não houve a demonstração da má-fé da autora, que faleceu no curso da demanda e que ocasionou a extinção do processo sem resolução de mérito;
- d) a revogação da tutela provisória não decorreu de inexistência de direito e sim em razão de seu falecimento, pelo que está demonstrada a sua boa-fé;
- e) No EREsp n.º 1.086.154/RS (Rel. Min. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/11/2013, DJe 19/03/2014), a Corte Especial do STJ firmou entendimento de que a dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de 1ª Instância, com a legítima expectativa de que o beneficiado é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pela Corte local.
Assim, neste caso envolvendo o REsp 1.725.736, o relator deixou claro que:
“Deve ser reconhecida a irrepetibilidade de parcelas pagas por decisão precária, em face da dupla conformidade entre sentença e acórdão, visto que o Tribunal de origem não reformou o teor decisório de primeiro grau.”
Acerca da dupla conformidade como técnica de estabilidade da decisão (e de garantia de boa-fé do beneficiário da medida), vale citar julgado da 1ª Turma do STJ (AgInt nos EDcl no REsp 2074066 — Rel. Min. Benedito Gonçalves — J. 29/04/2024 — DJe 06/05/2024):
“O entendimento da Corte Especial do STJ é pelo não cabimento de restituição de valores de índole alimentar, recebidos de boa-fé, por força de sentença de mérito confirmada em segundo grau e posteriormente alterada em recurso especial. Isso porque, “se de um lado a dupla conformidade limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento, e por isso passível de execução provisória; de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância. Essa expectativa legítima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia – e, de fato, deve confiar – no acerto do duplo julgamento. E essa confiança, porque não se confunde com o mero estado psicológico de ignorância sobre os fatos ou sobre o direito, é o que caracteriza a boa-fé objetiva” (EREsp 1.086.154/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe de 19/3/2014).”
Como se pode notar, a Corte vem interpretando com variações a existência automática do direito ao réu no que respeita à (ir)repetibilidade das parcelas pagas em decorrência de tutela provisória posteriormente atingida por decisão final em sentido contrário.
Importância do Tema 692/STJ
Vale destacar, aliás, que o Tema 692/STJ, com tese firmada em 2015 (DJe de 13.10.2015) pela 1ª Seção no REsp 1.401.560/MT (“a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos”), foi reafetado perante a própria 1ª Seção. No REsp 1.734.698 / SP (Rel. Min. OG Fernandes — 1ª Seção — J. em 14/11/2018 — Dje 03/12/2018), foi acolhida a questão de ordem para rediscutir a questão. A tese firmada passou a ter a seguinte redação: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidando-se eventuais prejuízos nos mesmos autos, na forma do artigo 520, II, do Código de Processo Civil de 2015 (artigo 475-O, II, do CPC/1973).”
Logo, a reafetação do Tema 692 pelo STJ e o ajuste na tese é mais um capítulo envolvendo esse importante assunto.
De outro prisma, o STF, no Tema 799/Rerg, expressou que a discussão quanto a devolução das parcelas tem natureza infraconstitucional e, consequentemente, não tem repercussão geral.
Como se pode perceber, estes julgados provocam reflexões ligadas aos conceitos de boa-fé e direito à repetibilidade, nos casos de mudança de entendimento jurisprudencial. O próprio artigo 299, do CPC/15, consagra que a tutela provisória é concedida à requerimento da parte, sob o seu risco e sua responsabilidade (artigo 302, do CPC/15), seguindo o modelo de litigância responsável.
De toda sorte, importante é o intérprete discutir, em seu caso concreto, os aspectos ligados ao título executivo, à responsabilidade quanto ao ajuizamento da demanda e, também e principalmente, à teoria do risco/proveito x responsabilidade em decorrência dos efeitos das tutelas provisórias posteriormente revogadas ou reformadas.
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